No filme de Batman, em 2008, Harvey Dent diz uma frase clássica: “You either die a hero or you live long enough to see yourself become the villain.” Príncipe William está vivendo isso.



A timidez de William, herdada de sua mãe, princesa Diana, não ajuda. Por muitos anos, sua aparência o aproximava dela, mas o carisma de Diana foi transportado 100% para seu irmão, príncipe Harry, que, sem a pressão da sucessão, sempre passou uma imagem mais genuína e empática. Harry não é tímido e isso certamente ajuda a lidar com a gigantesca atenção que eles são obrigados a conviver. Porém, enquanto funcionavam como unidade, a distância de William não chamava a atenção. Tudo mudou quando conheceu e se apaixonou por Meghan Markle.

Não quero nem vou vilanizá-la como uma cruel personagem que destruiu um sonho. Essa narrativa existe, mas não é verdadeira. Meghan ofereceu à Harry a alternativa e suporte que ele procurava, e, como uma mulher inteligente, independente, vivida e criada em democracia, nem as regras monárquicas conseguiriam mudá-la.
Aqui os críticos podem encontrar seu argumento mais plausível: Meghan nunca teve a intenção de abraçar a monarquia. Ela entrou para a Firma como uma importante e relevante voz de mudança, mas quem orquestrou e a admitiu no time foi Harry. Dessa forma, juntos traçaram um plano que estão executando, ignorando todas as ameaças e críticas. Harry, na monarquia, não tinha um papel relevante (ou pelo menos, não de protagonista) e – como um verdadeiro filho de Diana – chutou o balde para mudar isso. Se está sacrificando o irmão, pai e sobrinhos, lamenta, mas é a sua opção.
De novo, Meghan entrou como parceira em um plano de vida que a interessava, mas não fez tudo sozinha. E, com planos maiores, não há nada que justificasse aceitar em silêncio enquanto seu nome (sua marca) é desvalorizada com histórias negativas. Partiu para a briga. E está ganhando.


O fato de que desde o início nem William, nem Kate Middleton, gostaram de Meghan parece ser fato. Depois que vimos a passagem da duquesa pelo programa de Ellen DeGeneres, onde participou de pegadinhas bobas, com a intenção de se mostrar simpática, pode-se argumentar que há um gap nos bastidores. Kate e William, claramente formais, não combinam com Meghan a atriz. E, no livro agora confirmado como autorizado, Finding Freedom, Harry definiu a reação do irmão à sua namorada como esnobismo, se ofendendo com isso. Há a leitura de racismo estrutural também, mesmo que não destacada e negada.
Basicamente, a desconfiança de William, na sua perspectiva, estava certa, assim como a de Harry. Meghan, no cenário de William, não era uma jogadora para seu time, mas, para Harry, ela foi a melhor artilheira que poderia ter sonhado. Os dois estavam certos e errados ao mesmo tempo.



Ninguém que tenha irmãos pode negar ter passado o que os dois príncipes passaram. Mesmo com suas diferenças de personalidade, problemas ou qualidades, eles formavam uma unidade. Sabiam que potencialmente seria desfeita – possivelmente – quando se casassem. Mas, como toda família, ambos sonharam, que porque se amavam, amariam e concordariam com as eleitas de cada um. Se já é difícil escolher uma parceira para si imagine pensar em uma que agrade ao irmão e à Monarquia? William acertou com Kate, a quem Harry aparentemente adorava. Portanto assim como o príncipe caçula, esperávamos a reciprocidade quando ele encontrasse o amor. E que decepção quando não o apoiaram.


A partir daí, piorou tudo.
A imprensa alterna críticas e elogios com rapidez. E, faz parte do processo da “descoberta da verdade”, buscar histórias de bastidores. Em geral, tudo que parece ser bom demais, frequentemente não é e há uma corrida para inverter a narrativa. Vale lembrar que acontece o contrário também, depois de um tempo, se inverte novamente, mas, viver esse iôiô na vida pública é exaustivo e nocivo para saúde mental. No caso da Família Real, piora o fato de que são “forçados” a ter essa vida pública e uma alternativa que usam, doentia, é jogar histórias de outros para que as suas sejam “esquecidas”. O tal contrato silencioso que Harry conhece e que afetou Meghan diretamente.
William, por muitos anos, foi “protegido” por conseguir se manter à parte de escândalos. Sim, trocou namoradas, foi visto dançando, fumando e bebendo, mas nada fora dos eixos. Sua aversão à imprensa é clara em seu sorriso, que parece sempre um ranger dos dentes e suas mãos, que aprendeu a usar torcendo uma na outra. Ele sofre genuinamente de estar em público, mas foi treinado, é resignado e vem aceitando seu papel de futuro rei.


No entanto, aqui há um dos primeiros desafinos na figura pública do príncipe. Porque sua mãe era divertida e carismática, e apaixonada pelo primogênito, a quem dizia ser seu “melhor amigo e conselheiro”, automaticamente se esperava-se de William um reflexo dessa imagem doce, carinhosa e empática. Mas, nessa guerra de briefing que seus pais tanto lutaram, vazando notas negativas um do outro para a imprensa, o próprio William foi vítima por anos. Matérias de que era “preguiçoso”, “metido”, “explosivo” e “agressivo” vazaram por anos à fio. Inclusive na biografia autorizada de seu pai, príncipe Charles, há menções dessas características negativas do filho. Assim como as histórias de brigas de William com Camilla Parker Bowles, a quem ressentia por causa da sua mãe. Portanto, tem cara de calmo, mas é brigão, pelo que parece.
Kate Middleton também viveu uma relação dolorosa com a imprensa. Hoje adorada, foi chamada de golpista, de falsa, de sem graça, de esnobe, nada muito louvável. Sempre em silêncio, namorou William por 10 anos, encarou um rompimento breve e o aceitou de volta, se casaram em 2011 e logo teve três filhos. William a protege ferrenhamente, mas, segundo consta, pulou a cerca em 2018 em uma história que certamente vai voltar a circular em algum momento. Até porque, essa crise matrimonial coincide com o pior momento da crise dele com Harry e Meghan.


A narrativa de Diana sobre Charles reduziu muitos dos problemas que tinham em “ciúmes” e “inveja”. Harry também aponta os mesmos sentimentos como os causadores das calúnias contra Meghan, mesmo que possa ser ainda mais complicado do que isso. A exibição do documentário da BBC que discute a relação dos príncipes e a imprensa, tem sido um novo capítulo dessa novela. A Família Real reclamou publicamente da edição, que conta com apoiadores de Meghan.
Harry e Meghan decidiram tomar medidas legais para limpar o nome da duquesa em vez de seguir o comando da Rainha, que pediu que coisas da família fossem discutidas privadamente. O que os defensores dos Sussex afirmam, é que William não apenas teria autorizado “vazar” histórias da cunhada (todas baseadas em mentiras, segundo os defensores sustentam), como as comandou, através de seu secretário de imprensa, Jason Knauf. Jason trabalhava para os dois casais, e assim como Harry e Meghan inicialmente negaram, também passou para os autores de Finding Freedom as informações contraditórias com as que teria plantado em nome de William. Ou seja, não tem mocinho nessa história. E ainda não faz sentido justamente pela figura de Jason Knauf, que hoje lidera o processo contra Meghan sobre assédio moral.


Mas voltemos à William. Dizem que ele se arrepende de ter aconselhado a Harry de esperar para casar com Meghan, mas o erro dele não estava aí. Sua motivação para a conversa poderia ser genuína e vinda de amor, mas o fato de que não quis se dar ao trabalho de disfarçar seu desafeto – publicamente – por dois anos, está voltando para cobrar seu preço. Kate fez a sua parte e apareceu sorrindo ao lado de Meghan e Harry, mas William, fora uma única foto beijando e tocando na cunhada, quase sempre a ignora em todas ocasiões.


A pior de todas, foi a última aparição pública dos quatro juntos. William e Kate fizeram questão de não falar com o casal. As imagens de Harry furioso com a esnobada, mas Meghan calmamente disfarçando, são as mais clássicas. Meghan tem o olhar de quem sabe que o jogo vai mudar e é o que vemos hoje. Ela e Harry estão felizes, trabalhando e fazendo o que querem, como e quando querem. Eles se ofereceram para ficar parcialmente na Família Real, mas foram recusados. Melhor para eles.

E William? Bom, com a saúde debilitada da avó e a proximidade da ascensão de Charles ao trono, ele não tem como se esconder. Sua vida pública tende a aumentar, em tempos de mudanças estruturais importantes e de comunicação mais livre, com as redes sociais interferindo na “narrativa”. Em outras palavras, príncipe William começa a lidar com tudo que sempre detestou.
No momento, ele cresce nas páginas negativas. O livro de Harry, a ser publicado no próximo ano, não deve ajudar. Harry alega que ama o irmão, mas estão distantes e que apenas o tempo pode curar as feridas. O que fica claro é que agora, é hora de cutucá-las. A dor de cabeça de William, como disse, apenas começou.
