A tragédia de Barry: admitir quem são

Na cola de Succession, os trinta minutos finais de Barry ficaram apagados de alguma forma. Não houve exatamente uma ‘surpresa’, mas, como sempre, uma narrativa original. O destino de Barry estava determinado há tempos e não haveria como “escapar”. A série que critica Hollywood sobre seu narcisismo que é até mais violento do que as mortes que se multiplicam, termina exatamente como o cinema faz: reescreve a vida das pessoas da melhor forma que encontra para vendê-las.

Barry Berkman era um soldado que se torna um assassino contratado porque seu único “talento” em vida é matar. Tortuosamente é através do teatro que encontra uma alternativa para lidar com suas culpas e impulsos. Deixando de ser quem é para interpretar outra pessoa. E assim acompanhamos as viagens de várias pessoas que queriam ser algo diferente, mas o pior, que nunca se reconheceram pelo que realmente eram.

Barry queria ser uma boa pessoa e recomeçar sua vida num estalar de dedos, sem lidar com o caminho violento que trilhou. Fuches queria ser um criminoso temido, mas só sabia manipular pessoas. Noho Hank queria ser o maior traficante da máfia chechena, mas nunca quis sujar as mãos pessoalmente. Sally queria ser uma estrela mas sempre deturpa a narrativa por ter vergonha da verdade, que a alcança de qualquer forma. Gene Cousineau queria ser reconhecido como o maior ator de sua geração e se acha injustiçado, mas sempre foi insuportável. No jogo de xadrez que cruzaram em Los Angeles, criaram uma história que Hollywood não resiste por causa do drama e da (falta) de redenção.

Fuches, paradoxalmente é quem tem o epitáfio. Como ele explica à Noho Hank, quando sobreviveu à violência atrás das grades finalmente entendeu que antes ele era patético e que seu coração não tinha redenção. Ele quer confrontar Barry mais uma vez por sua negação e destruí-lo, pois Barry é de alguma forma a memória desse “Fuches”. Pode ser incerto pois Fuches teve todas as chances de mudar, mas sempre escolheu destruir Barry.

Noho Hank, que sobreviveu de forma complexa sua quase morte na Bolívia, conseguiu o que queria no início, mas perdeu o que passou a querer depois que conheceu Cristobal. Para manter a ilusão de que tinha mudado, efetivamente muda, passando a ser um criminoso, mas, de alguma forma, ainda covarde. Ele é quem sequestra Sally e John, para trazer Barry para longe do esconderijo. Por um segundo admite à Fuches a verdade, mas volta à armadilha que é seu fim.

Sally conseguiu o que queria como atriz, mas sua natureza violenta a leva a ser cancelada. Ficar nos bastidores não é o suficiente para ela, por isso foge com Barry e vive infeliz por oito anos. Quando é confrontada com a realidade de uma vida criminosa, finalmente se conecta com o filho, admitindo toda a verdade: Barry e ela são assassinos em fuga, não são inocentes escapando de pessoas más.

Infelizmente para Barry nada disso o ajuda. Ele não quer lidar com as consequências de sua ação, acha que já ganhou um atalho providenciado pela religião e só quer ficar com sua família. Fuches e Noho Hank se enfrentam, eliminando portanto o perigo para o ex-soldado. Fuches, que ao ver John acredita que Barry realmente merece uma chance de sair daquela vida, o libera e se libera. A despedida silenciosa dos dois é emocionante. No entanto, Cousineau é visto como não é (um perigoso e frio assassino) e não tem fôlego para reescrever a narrativa. Ele depende da confissão de Barry, que não está afim, mas é forçado por Sally. Para azar de todos, quando Cousineau percebe que seu próprio filho acredita na mentira, ele “morre” por dentro. Em vez de se matar, mata Barry em um ímpeto, virando a mentira que Hollywood comprou.

Com o avanço do tempo, vemos que Sally e John estão bem e que o filme Barry Berkman Story é como várias produções de sucesso que colocam “anti-heróis” como protagonistas, invertendo valores e reescrevendo histórias tortuosas em contos de heroísmo. Cousineau “deu” isso à Barry, cumprindo a pena – literalmente – por ele.

É um final perfeito para uma série inteligente, tortuosamente divertida e completamente inovadora. Barry é uma pérola criativa que deve estar no patamar de um dos melhores conteúdos dos últimos anos.


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