A negativa do etarismo em And Just Like That

Já falei que desde que Carrie Bradshaw ficou viúva e milionária seus obstáculos foram reduzidos e estamos sentindo sua apatia. Mais ainda, literalmente, sentimos a falta de sua voz. Quando ela nos conduzia pela mão em Sex and The City, o tema do que íamos ver sempre era colocado nas primeiras cenas – algo mantido – e ela, em off, nos colocava o questionamento, mas isso foi descartado em And Just Like That. Poderia-se imaginar que um público ‘maduro’ pode pensar por si só, claro, mas o charme da série começava com a inflexão da pergunta, seguia com as circunstâncias levando as personagens a mudarem de pensamento ou solidificarem uma posição, e finalmnete, com a conclusão de ‘and just like that’ nos fazendo invariavelmente sorrir e concordar com elas. Pelo visto isso ficou no campo do datado e foi descartado.

Para piorar, por alguma razão, o sexo em And Just Like That também tem parecido sempre datado. Não há intimidade, não há tesão ou mesmo humor. Chegamos ao quarto episódio da temporada onde o tema principal basicamente é o mesmo: Carrie (Sarah Jessica Parker) tenta seguir em frente pós viuvez, Miranda (Cynthia Nixon) e Steve (David Eigenberg) ainda lidam com o fim do casamento, Lisa (Nicole Ari Parker) e Herbert (Christopher Jackson) lidam com o mau humor de suas famílias e Charlotte (Kristin Davis) e Harry (Evan Handler) tem uma vida sexual ativa e saudável. Juntem todos e ainda não tem nem um pingo da diversão que uma cena com Samantha sempre garantia. E não gosto de ficar no passado, mas lidar com a falta de gozo de Harry por 30 minutos foi mais uma metáfora desnecessária para os fãs da série. Fingimos nossos orgasmos a cada episódio, talvez?

Mas o que fica claro é que a cada episódio percebe-se a resposta da equipe às críticas. Nada sutil trazer Enid (Candice Bergen) de volta para mais uma vez poder passar recados. Não vejo Candice Bergen há séculos, mas espero que a mobilidade dela não esteja desafiadora como a de Enid. Tenho pais octagenários que, embora decididamente mais lentos na locomoção, são ágeis como adolescentes perto do que a série preconceituosamente exagerou com todos acima dos 60. Concordo que as críticas de chamarem as atrizes de ‘velhas’ no primeiro reencontro foram exageradas, mas não chegaram perto de serem devidamente endereçadas. Por exemplo, na primeira temporada perdemos muito tempo com Miranda ‘perdida’ nos discursos de inclusão, assim como todas pareciam alheias e apegadas ao mundo pré digital que ficou pra trás há mais de 20 anos. Isso contribuiu para que fossem vistas como ‘velhas’.

Portanto, o choque de Carrie de deparar com Enid recomeçando com uma revista digital depois que 34 anos à frente de Vogue, foi péssimo. O problema não era mostrar o mercado descartando pessoas que ainda contribuem, mas a tentativa de ressaltar para millenials que há um gap de duas décadas entre uma pessoa de 50 e outra de 70. Enid é velha, Carrie não? Queridos, em tempos binários ambas (e eu) são velhas, a questão é entre elas de quem é mais. Perde-se duplamente a oportunidade aqui porque jovens que não curtem Carrie a continuam achando ultrapassada, mas agora ela reforça o preconceito olhando para Enid como um E. T.. Carrie só se questiona quando encontra Gloria Steinem, também andando com dificuldade, se posicionando contra o etarismo. Uma oportunidade perdida de um tema ultra aderente em And Just Like That.

Enid é uma personagem controversa porque sempre invejou abertamente Carrie e sempre a colocou pra baixo. Ficou irritada quando Carrie se envolveu com Alexander Petrovsky (Mikhail Baryshnikov) ou a colocou na capa de “noivas ade 40 anos” quando se acertou com Big (Chris Noth). Ela nunca foi alguem com quem Carrie pudesse contar e essa relação merecia ser explorada. Afinal, a iniciativa de Enid de se reinventar e criar uma revista voltada para uma geração em pleno descarte social não é diferente do que And Just Like That está fazendo. Um tema mais interessante do que o problema de Harry para ejacular. Ou de Miranda de dormir no sofá. Ou de qualquer coisa que venha de Lisa e Herbert, que são exageradamente atrapalhados e nem remotamente engraçados.

Dito tudo isso, a segunda temporada está já na metade e está melhor do que a primeira, mas os arcos estão ainda estão incertos. Carrie – sem desafios materiais – está em piloto automático também na vida pessoal. E lembrando, está viúva há apenas um ano e estão tratando como se fossem 10. Como sabemos da volta de Aidan (John Corbett), é o caminho dela, não há preocupação. Miranda tem agora que superar a dor que infligiu em Steve e se acertar com Che (Sara Ramirez), Charlotte pelo visto terá que lidar com a decisão de voltar a trabalhar ou se manter uma mãe 24h. Nem menciono os novos personagens porque a meta é ainda mais rasa. Por isso lamento ver os temas mais interessantes serem descartados com tanta facilidade. And Just Like That deveria abraçar o etarismo como pauta. Grace e Frankie segurou anos na Netflix nos emocionando e nos fazendo rir. Deixe as questões de amor ficarem com Emily em Paris. Em Manhattan, ninguém brilha mais do que nossa Carrie Bradshaw. Queremos ela de volta.


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