Protagonismo não é um desafio para todos

Me sinto mal a cada semana de reclamar de And Just Like That, mesmo quando aprecio o que estou vendo e identifico coisas boas nos episódios. Cada vez mais me convenço que o problema não está na inclusão de novos personagens e na diversidade, mas como especialmente Carrie se mantém alheia ao seu próprio universo. Ao tirar a voz dela, inquisidora, narradora e curiosa, perdemos a alma do universo de Sex and The City e o cotidiano dos ricos em Nova York enche os olhos, mas não nos transporta como antes.

O arco da primeira temporada já pareceu reduzido à luto e envelhecimento, na segunda o fiapo de argumento é “seguir em frente”. Literalmente a cada episódio houve uma espécie de resposta à críticas anteriores e embora devamos apreciar o que estão fazendo, já deu! Depois de tudo que aconteceu, separar Che (Sara Rodriguez) de Miranda (Cynthia Nixon)? Só há uma coisa mais irritante do que Miranda julgando todo mundo e sendo, bem, irritante, é ter Miranda solteira julgando as pessoas felizes e reclamando de novos – ou novas – parceiras. Pode ser que ainda se acertem, mas, o único que quer ficar com Miranda é Steve (David Eigenberg). “Niqui” Miranda foi Miranda com Che, o amor acabou.

A domesticidade moderna de Charlotte (Kristin Davis) e Harry (Evan Handler) tem salvado a trama árida da temporada, mas não sustenta nem 30 minutos. Isso porque voltamos à questão: o que estamos acompanhando? Como essas pessoas têm algum problema com o qual possamos nos identificar e importar? Como elas vão superar seus obstáculos? Não há muitos. Charlotte e Harry lidam com as filhas adolescentes, mas como são compreensíveis e atualizados, formam um ambiente saudável. Anthony está na mesma desde que entrou na franquia.  Nya (Karen Pittman) já se livrou do marido encostado, já está com sexo casual e um divórcio amigável. Lisa (Nicole Ari Parker) e Herbert (Christopher Jackson) são como Charlotte e Harry: em sintonia e ricos. Seema (Sarita Choudhury) é bem resolvida, seus obstáculos são mínimos e facilmente superados. O que sobra?

Nossa (suposta) protagonista Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) ainda está superando a dor da viuvez, por isso está no automático e deu espaço para outros brilharem no lugar dela. Quem se aproveitou com gosto do palco foi justamente Miranda (Cynthia Nixon) a personagem que sempre foi problemática por sua atitude cínica e agressiva. Miranda se viu apaixonada por uma mulher, ‘destruindo’ a vida e coração de Steve (pela terceira vez), para, agora, estar lidando com as consequências. Ela tem um arco definido, talvez o único com três atos, mas nem todo coadjuvante consegue segurar o peso de protagonismo. Mesmo uma protagonista opinativa teria que ter algo para revisar, para superar. Não é o que está acontecendo.

Miranda é passiva agressiva: como fez o que quis, agora posa de mártir, propagando seu sofrimento para todos. Está sempre falando que “merece” estar sem casa, sem hora, ajudando a todos sem esperar algo em troca porque “se sente mal com o que fez com Steve”. Vamos esclarecer que ninguém deve deixar de ser feliz e fazer o que quer, que o amor dela por Che era algo inevitável para Miranda naquele momento e que sim, trouxe dor para Steve, mas que é a jornada dele, não a dela. Ao não confrontar Steve para que ele siga com a vida dele, sem sentar e esclarecer que materialmente a casa do Brooklyn tem que ser vendida ou que ele tem que sair, todas essas coisas práticas de uma separação, Miranda usa como escudo de que culpa. Mas não é culpa. É ainda maldade, é vitimismo. Ela tem que ligar o ‘Foda-se!’ porque não merece passar por isso, nunca mereceu até porque esse sofrimento para dar ao público o prazer dela “pagar pelo que fez”não conserta em nada o passado, só reforça irritação. A vida de Miranda é um caos, Steve um masoquista e que bom que Che decidiu pular fora desde já.

Estar sem uma Carrie liderando o drama é o problema de And Just Like That. Agora vão trazer o Steve dela, ninguém menos que Aidan (John Corbertt), traído por ela pelo menos duas vezes, humilhado e trocado por Mr. Big (Chris Noth), a quem acolheu e tentou ser amigável apenas para ver que ele era o titular para Carrie, e Ainda apenas o reserva, para voltar à vida dela com apenas um e-mail de convite. Sabemos que o filme Sex and the City 2 foi muito ruim, mas Carrie sofreu de amnésia, né? Se pegou com Aidan em Dubai há pouco mais de oito anos e diz que não o vê há 30? Sabe o divórcio dele? Provavelmente foi a consequência daquele beijo nos Emirados Árabes.

Não queria ser roteirista de And Just Like That. Percebem como os fãs não se esquecem? Aidan de alguma forma nos representa. Mesmo tendo o coração partido duas vezes, atende ao chamado de Carrie. Queremos a nossa Carrie lidando com o problema típico de Sex and The City: o passado fica no passado? Como será se chamar Sra. Brashshaw-Shaw?


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