A história da taróloga de Josephine de Beauharnais

No filme Napoleão, Ridley Scott vai focar no conturbado relacionamento de Bonaparte e Josèphine de Beauharnais , sua primeira esposa e grande amor. Josèphine que já era viúva quando se uniu ao futuro imperador, sobreviveu às intrigas da Corte francesa e quase foi decapitada na Guilhotina (seu primeiro marido não escapou) portanto foi uma mulher fascinante e polêmica. Para quem gosta de tarô cigano, fica a curiosidade: será que veremos a relação da imperatriz com a Mademoiselle Lenormand? Afinal, a imperatriz a tinha como principal e mais próxima confidente.

Mademoiselle Lenormand, pra quem não sabe, foi a vidente francesa que lia o futuro nas cartas, tendo criado o que hoje chamamos de Baralho Cigano.

Marie Anne Adélaïde Lenormand nasceu no dia 27 de maio de 1772. Filha de um dono de loja de tecidos e uma Anne Marie Gilbert (mais sobre isso à frente) a família vivia em Alençon, na Normadia (França) mas foi logo alvo de muitas tristezas. Isso porque Monsieur Lenormand morreu jovem e sua viúva, que se casou novamente, não sobreviveu muito ao segundo casamento. Ou seja, aos 5 anos, a pequena Mademoiselle Lenormand ficou órfã. Por essa razão foi levada para ser educada por freiras em um convento beneditino. A intenção era a de que um dia a jovem viesse a ser uma modista, mas dentro do convento ela “iniciou sua vocação” o que não trouxe muita popularidade, afinal o Catolicismo condena qualquer misticismo ou paganismo.

Aos sete anos, a pequena Marie-Anne já demonstrava inteligência superior às outras meninas e segundo contou anos depois, já estava em “contato com os corpos celestes”. Sua habilidade de adivinhação foi revelada perto de sua primeira eucaristia, quando previu que Madre Superiora seria dispensada em breve. Por aparentemente estar desejando mal à ela e espalhando mentiras, a menina foi punida e submetida a uma penitência, que convenhamos, era mais do que rezar ave-marias e incluía punições físicas. Mas ela se manteve firme e quando de fato aconteceu o que previu, as pessoas ficaram chocadas. Ela foi além, antecipando o nome, idade e vários outros dados relativos à sucessora da abadessa destituída. Como havia muitos candidatas ao cargo, e a decisão ficou em suspenso, não deram crédito e mais uma vez se arrependeram. Quando mais uma vez a resposta foi confirmada assim também foi assegurado o dom de Mademoiselle Lenormand de revelar os acontecimentos do futuro.

Quando tinha 17 anos (ou 14, segundo alguns biógrafos), ela convenceu à sogra de sua mãe a enviá-la para Paris, para viver com seu padrasto, e assim deixou Alençon com uma única moeda de seis francos e a roupa do corpo. Seja como for, na capital francesa, Mademoiselle Lenormand começou imediatamente a ganhar a vida com a leitura das cartas. Há uma corrente que alega que em Paris ela estudou com uma Madame Gilbert, mas como esse era o nome de solteira de sua mãe, acredita-se também que ela usasse os dois antes de firmar sua assinatura final ou que fosse uma parente. Isso porque há um registro da prisão de uma Marie Anne Gilbert, em 1794, encontrada com “três baralhos de cartas, incluindo um chamado Thoth”, acompanhada de um François Flammermont e uma Louise Gilbert. Como a cartomante como não teve filhos ou foi casada, há controvérsia sobre quem foi Louise ou se haveria uma Madame Gilbert de fato. O que confunde é que a própria Lenormand escreveu em 1814 que tinha sido presa e multada no mesmo período por ter previsto que haveria ter os Anos de Terror, sendo então considerada uma anti-revolucionária. Se a Madame Gilbert não era a Mademoiselle Lenormand, poderia ter sido uma parente por parte de sua mãe e talvez realmente uma professora de Lenormand.

Seja como for, sua precisão foi ganhando fama e logo pessoas conhecidas viraram clientes como o conde de Mirabeau, a duquesa de Guiche, a princesa de Lamballe e Madame de Staël, assim como os revolucionários Jean-Paul Marat, Maximilien Robespierre e Louis Antoine Léon de St. Just. Ela alertou tanto Marat como Robespierre de suas trágicas mortes, o que obviamente gerou nova prisão e interrogação antes de ser solta sem condenação. Acertou em tudo novamente e assim suas habilidades divinatórias ganharam fama ainda maior.

Nesse período sangrento da História Francesa, na qual Naopleão emergiu com força e tomou o poder, Mademoiselle Lenormand terá um papel de bastidores extremamente importante, graças à influência que tinha sobre sua cliente, Joséphine de Beauharnais. Em uma leitura para ela, Lenormand previu que que um dia Josèphine teria a posição mais alta que a Rainha Marie Antoinette assim como avisou que Napoleão Bonaparte teria mais poder do que o Rei Louis XVI. Quando tudo aconteceu, a Imperatriz a levou para consultas constantes no palácio, ocasionalmente com a presença do próprio Imperador que foi “ajudado” com algumas previsões pré-batalhas e alertado de seu destino de exílio em Santa Helena.

Em Paris, além do Ministro da Polícia, o dúbio Joseph Fouché, apenas Mademoiselle Lenormand poderia ser apontada como a pessoa mais bem informada do país. Uns alegam inclusive que trabalhavam juntos, estabelecendo uma relação de troca de informações, benéfica para ambas as partes. Aqui um parênteses porque apenas céticos poderiam imagina que uma pessoa com as habilidades de prever futuro através das cartas fosse vender seu talento para vender informação. Seja como for, é uma das vertentes e antes de chegar lá, vamos falar do ‘método’ de Lenormand.

Os registros de sua leitura são mencionados em publicações da época, mas não há nada guardado de “como” ela jogava ou fazia as previsões. Mademoiselle Lenormand usava 36 cartas para fazer a leitura e, com o tempo, personalizou o baralho com as imagens que hoje chamamos de ‘ciganas’. Em Paris, atendeu por quase 40 anos no mesmo endereço: Rue de Tournon 5, onde se lia na porta: “Mademoiselle Lenormand, Libraire”. Ao dizer que era uma biblioteca, evitava problemas com a polícia.

A dinâmica era assim: o cliente chegava na casa e esperava em um primeiro salão ricamente decorado e onde havia também um espelho falso atrás do qual um funcionário se escondia. Ele era responsável, é claro, por relatar qualquer conversa útil à cartomante. Em seguida, esse criado conduzia o consulente até a sala de leitura, onde havia uma estante cheio de livros da própria Mademoiselle Lenormand, como Les Souveniors Prophétiques e alguns outros sobre “assuntos cabalísticos”. Lenormand, descrita a essa altura como uma mulher baixa, acima do peso e usando uma peruca de cachos louros, amarrados por um turbante oriental e as mãos cheias de anéis, recebia para fazer a leitura sentada em uma grande poltrona, diante de uma mesa de pedestal carregada de jogos de cartas e lâminas de tarô. Convidada aos consulentes a se sentarem à mesa onde embaralhava as cartas e pedia para que cortassem o baralho com a mão esquerda (dividir os bolos) e assim ela começava a distribuí-las uma a uma, indagando algumas coisas, muitas vezes de forma ininteligível e geralmente tão rápida que era impossível acompanhá-la. Às vezes usava borra de café ou um ovo quebrado para ler o futuro também, sempre relatado em uma “voz monótona” e sem emoção, sendo implacável no que previa sobre amores, fortunas, tristezas ou catástrofes.

Os céticos suspeitam que sua precisão viria das informações e observações passadas por seu criado na sala de espera, ou apenas a habilidade dela de pescar os gestos dos clientes, mas, quem acredita nas cartas fica claro que ela se conectava porque sabia de segredos que poucos sabiam e quando provava isso, todos passavam a respeitar o que ela lia para o futuro.

A fama e a agenda lotada a ajudaram a se tranformar em uma mulher rica, embora atendesse desde nobres à pobres, cobrando “vinte sous” ou boas gorjetas em troca. Além de atender em Paris, viajava para Viena, Genebra, São Petersburgo ou Veneza. Ao fim de sua vida tinha casas e terrenos em Alençon, um castelo em Poissy e uma casa espetacular em Paris, na Rue de la Santé, além de quadros e jóias.

Mademoiselle Lenormand é ainda hoje apontada como a maior vidente de todos os tempos, sendo que chegou a ver nas cartas até a Primeira Guerra Mundial e a existência de aviões. Só errou com ela mesma. Embora tenha previsto que iria viver até completar 115 anos e expressar que queria terminar a vida em Alençon, morreu em Paris, com 71, de parada cardíaca, em 25 de junho de 1843, ou seja, há 180 anos. Sem herdeiros diretos, sua fortuna de um milhão de francos (mais de 2 milhões de euros) foi passada para um sobrinho. Porém o maior valor estava nos seus papéis de estudo, documentos que infelizmente foram destruídos por ele, que era católico e decidiu queimar tudo.

Registros dizem que uma enorme multidão acompanhou o cortejo fúnebre, incluindo políticos e famosos, até o cemitério de Père-Lachaise, onde está enterrada e onde curiosos deixam até hoje oferendas como flores, baralhos e velas.

Hoje, para quem gosta de Tarô e de baralho cigano, conhece bem as cartas de Lenormand, que apareceram dois anos após sua morte, em 1845. O baralho tinha 54 cartas e 5 livros, incluindo uma carta feminina e uma masculina apresentando o consultor e temas de astrologia, quiromancia e outras formas de adivinhação, além de figuras da mitologia grega, estrelas, símbolos geomânticos, 22 letras (Cabala), 7 talismãs, cartas de baralho e flores. Anos depois vieram as variações com 55 cartas ou 36, mais ou menos em 1850. Há pelo menos 16 publicações assinadas por Mademoiselle Lenormand ainda na França. Se é que estará no filme de Ridley Scott, não sabemos, mas que merece ter sua história contada ninguém duvida!


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