Para quem leu Fogo e Sangue reconhece que a descrição da trágica Rainha Targaryen não é simpática. Rhaenyra é descrita como petulante, impulsiva, insegura, vingativa, superprotetora, invejosa e até acima do peso. Conturbada seria a maneira que poderíamos ter antecipado sua passagem por House of the Dragon, porém a série espertamente subverteu nossas expectativas. Ter uma nova princesa Targaryen logo após a adora Daenerys (Emilia Clarke) era um desafio que só aumentou ai trazer duas atrizes (relativamente desconhecidas) para o papel, Millie Alcock e Emma D’Arcy. Enquanto aguardamos a segunda fase da história, já podemos revisitar antigos posts (que ficaram datados) e reavaliar quem é realmente o ‘deleite do reino’, a Rainha Rhaenyra Targaryen.


Uma juventude mais tumultuada do que nas páginas
A primeira imagem de Rhaenyra na série (ouvimos sua voz adulta em off na abertura narrando os acontecimentos que provocaram a Dança dos Dragões) é dela voando sobre King’s Landing em sua dragão, Syrax. Imediatamente descobrimos que é um ato de rebeldia pois sua mãe, Aemma (Sian Brooke) não gosta do risco desnecessário que sua filha se coloca no ar. Em seguida, vemos sua falta de paciência com estudos e sua aversão à idéia de um dia ser mãe. Portanto em duas cenas temos informações importantes da princesa: não segue regras, tem personalidade forte e uma frustração de que em vez de voar, lutar e governar, só esperam que ela gere herdeiros para o trono.
Rhaenyra é um fruto de amor entre seus pais, bem casados, e carinhosos com ela. Viserys I (Paddy Considine) a tem por perto, mesmo nas reuniões de conselho, mas não a leva em consideração para sucessão. Ele e Aemma seguem tentando o filho homem que o sucederá. Isso é tão claro que ele não percebe como Rhaenyra se sente menor diante de seus olhos, apenas por ser uma menina.
Adolescente, Rhaenyra (Alcock) já está igualmente interessada em flertes e paqueras. Sua amizade com Alicent (Emily Carey) é seu escape das duas regras sociais em King’s Landing, porém é uma relação hierárquica clara onde a jovem Hightower faz companhia, mas não pode contrariá-la. Alicent age mais como uma fã do que um par e sem uma expectativa real de um dia subir ao Iron Throne, vemos Rhaenyra responder e fazer o que quer, irritando quase a todos os homens, menos seu tio, Daemon Targaryen (Matt Smith).


A atração entre tio e sobrinha, nada complexa em uma família adepta do incesto como regra básica, é obvia. Os dois têm muito em comum e seriam perfeitos um para o outro, mas ele já é casado e tem outra amante, Mysaria (Sonoya Mizuno), por isso não há chance para a princesa considerá-lo como um candidato para sua mão.
O destino é cruel com Rhaenyra, pois Aemma morre no parto, assim como seu irmão, e Viserys se fecha em uma depressão e sentimento de culpa, que o afastam dela. No livro há uma diferença crucial nos fatos a seguir.
Alicent Hightower era mais velha que Rhaenyra e embora sua relação próxima com a princesa esteja bem desenhada, era diferente no livro. Otto Hightower (Rhys Iphans) já a estava usando para infiltrar na família. com a menina sendo a acompanhante preferida d pai de Viserys I, o rei Jaehaerys (Michael Carter), tanto que há uma suspeita que já fosse até amante do idoso monarca. Na série isso nunca é sequer aludido. A duvidosa relação da menina é apresentada com Otto a comandando a fazer companhia a Viserys, usando os vestidos mais bonitos que herdou de sua mãe e eventualmente passando a noite com o rei.
Enquanto no livro, quando Alicent é a escolhida como segunda esposa de Viserys, não há registro de contrariedade do lado de Rhaenyra, isso só surgindo um ano depois, quando Aegon II nasce. Na série, vemos Rhaenyra ofendida com a traição da amiga que ela nem desconfiava estar tão próxima de seu pai, pra quem abria o coração e não sabia nenhum segredo. Ao contrário, ambas eram tietes de Ser Criston Cole (Fabien Frankel), que pendia mais para a princesa do que Lady Hightower.


Millie Alcock deu à Rhaenyra energia, rancor, insegurança e arrogância. Isolada após o pai ficar viúvo, chateada quando se casou com sua melhor amiga e depois insegura quando nasce o meio-irmão, ela nos convence de tudo que colaborou para formação da princesa que está nos livros. Quando é escolhida como sucessora de Viserys, ela tem um misto de descrença e orgulho que são essenciais para a personagem.
Antes de Rhaenyra, nenhuma princesa Targaryen foi Rainha. Todas foram Rainhas consortes, mas não Rainhas. Sua prima, Rhaenys (Eve Best) viveu o mesmo problema que ela décadas antes. O herdeiro era seu pai, mas ele morreu e seu avô, Jaehaerys escolheu os filhos homens em seu lugar, mudando assim a linha sucessória e chegando à Viserys por linhas tortuosamente patriarcais. Portanto, com esse histórico, era improvável que os homens – mesmo jurando – cumprissem suas palavras de apoiá-la quando fosse a hora. Rhaenyra está ciente e mais ainda, tem a concorrência direta e pura com os meio-irmãos. Sim, Alicent teve três filhos homens e uma menina com Viserys, ele tinha herdeiros oficiais.
A volta de Daemon ao circuito atrapalhou a relação de Rhaenyra com o pai, mais ainda no livro do que na série. Em House of the Dragon a vemos reagir aos candidatos para marido e a melhor e mais certa oportunidade perdida quando o fiel e honesto Ser Lyonel Strong (Gavin Spokes) teve a chance de uni-la a Ser Harwin Strong (Ryan Corr), mas sugere a que parece mais acertada: casá-la com o primo, Laenor Velaryon (Theo Nate), para unir os Velaryons e Targaryens mais uma vez, respeitando a mãe do príncipe, Rhaenys e resolvendo todos os problemas pendentes. Porém Laenor é homossexual e uma jovem e curiosa Rhaenyra é então praticamente condenada à uma relação platônica. O que é um problema dado que ela mais do que tem curiosidade por sexo, precisa ter herdeiros.

Os amores de Rhaenyra e seu amadurecimento
É Daemon, que age em um impulso tanto para criar uma situação contra o irmão como por empatia com Rhaenyra que a história na série toma um curso inesperado. Ele sabe da atração que exerce sobre ela, sabe que é inexperiente e que está carente de amigos e atenção. Mais ainda, ele sabe exatamente da frustração dela estar para ser descartada de sua posição de herdeira uma vez que há uma opção masculina para o trono. Rhaenyra ‘tomou’ esse lugar de Daemon, mas ele ama a sobrinha e por mais que a decisão de Viserys (coordenada por Otto Hightower), o tenha ‘prejudicado’, ele jamais descontou na sobrinha ou a colocou como responsável. Ambos foram vítimas da mesma ação ardilosa e agora viu diante de seus olhos uma menina que seria ‘morta’ em um casamento sem amor ou prazer. Sua ‘ajuda’ tem o paradoxo de ser bem intencionada como irresponsável. Como Viserys o confronta: Rhaenyra, como mulher, não pode ter as liberdades que eles tiveram como homens.
Se Daemon antecipou o que estaria por vir, continuou tão incerto como no livro. Ele já não estava com Mysaria, mas seguia oficialmente casado com Rhea Royce (Rachel Redford), portanto não estaria tecnicamente livre (ainda) para pedir a mão da sobrinha. Ele pede ao irmão, que o ignora. E aí tem a virada.
Rhaenyra flertava com Ser Criston Cole, mas sua relação com ele era similar com a de Alicent: a proximidade ainda mantinha a hierarquia. Frustrada e impulsiva como adolescente, ela o seduz. O segredo, para ele, é um tormento. Ser Criston é o par perfeito para Alicent, mas todo errado para Rhaenyra.


Graças ao escândalo com Daemon, que teve clima, beijo e uma pegação, mas não uma relação sexual completa, a honra da princesa ficou em risco. Confrontada por Alicent, para quem mente e omite, ela se mantém como inocente. Viserys não acredita nela e uma xícara de chá cria o caos. Viserys acredita que Daemon teve mesmo uma noite com Rhaenyra e para evitar uma gravidez indesejada enquanto acelera o casamento com os Velaryons, manda a filha tomar um chá abortivo. Ele não sabe que ela passou a noite com Criston Cole e aceita o chá por causa disso. De alguma forma, ao não rejeitá-lo, ela admite a ‘culpa’. Quando essa informação chega aos ouvidos de Alicent é a gota d’água. Mais sobre isso à frente.
Como amiga de Laenor desde pequena, Rhaenyra está ciente que ele e ela terão problemas para consumar o casamento e faz um acordo com ele de apenas tentarem até conseguirem gerar dois herdeiros, podendo parar no primeiro se for menino. Depois, os dois terão romance com quem quiserem sempre discretamente. Ah, parecia fácil!

Ser Criston Cole se sentiu ofendido por ter sido ‘usado’ e ter que se submeter ao papel de amante, o que um Ser Joffrey Lonmouth (Solly McLeod) percebeu em um único relance. Ao se aproximar do Guarda Real, é insolente e sofre as consequências, sendo morto violentamente no banquete de casamento. A união não é suspensa, ao contrário, Rhaenyra e Laenor são casados ainda sujos de sangue, chorando pelo choque, perda e futuro.
Nessa noite, nasce a inimizade que Otto tanto ansiava e não conseguia gerar: Alicent passa a odiar Rhaenyra por tudo que é, que foi e que será. Enquanto Alicent se submeteu à sociedade se casando sem amor com um homem mais velho, só teve sexo por obrigação, a maternidade foi um peso e nem assim verá seu sacrifício ganhando o prêmio máximo (Viserys se recusa a fazer seus filhos terem prioridade sobre Rhaenyra), Rhaenyra teve uma vida onde fez o que quis e não pagou por nada. E sim, ter seduzido Criston Cole – a paixonite de ambas – não foi irrelevante. Nesse momento, nem. o casamento com Laenor Velaryon é punição pois ele e a princesa são amigos. Alicent fica – verde, com piada intencional – de raiva. É guerra contra a Princesa Targaryen.

Uma princesa alterada pela maternidade
No avanço do tempo reencontramos duas Alicent e Rhaenyra profundamente alteradas. Alicent está mais do que confortável em sua posição de Rainha Consorte, embora ainda sem atuar abertamente contra Rhaenyra (como faz no livro). Ela não tem particularmente nenhuma interação carinhosa com os filhos (nunca vemos Daeron, mas ele virá na segunda temporada), só com Helaena (Phia Saban, quando adulta) que demonstra alguma pena, mas nenhum amor.
Mas a primeira cena é de novo relevante para entendermos Rhaenyra. Acompanhamos seu parto do príncipe Joffrey. Está apenas com as parteiras e sua dor é imediatamente sobreposta por um claro e profundo amor por seu bebê. É o oposto de qualquer interação que Alicent tenha demonstrado com os filhos. Protetora, ela se expõe de caminhar ainda sangrando até o quarto de Alicent, que ordenou que a criança fosse levada para ela imediatamente. Laenor (John Macmillan) chega em seguida, e apóia a esposa. Seria um casamento perfeito, mas logo descobrimos o drama. Laenor não consegue ter relações com Rhaenyra. Só bebe e pensa em batalhas. O pai é claramente Ser Harwin Strong e já são três filhos: Jacaerys, Lucerys e agora, Joffrey.

Emma D’Arcy mudou o curso da personalidade que esperávamos de Rhaenyra pelo que estava sendo entregue por Milly Alcock. Rhaenyra madura está mais ciente dos problemas políticos que enfrenta. Sua relação com Ser Harwin é um segredo difícil de esconder tendo gerado nada menos do que três filhos, algo que honestamente nos deixa mais do lado do argumento de Alicent que reage com indignação. Mas faz sentido se lembrarmos o grande exemplo maternal que Rhaenyra teve em sua mãe, Aemma.
Embora no livro a cara de pau de Rhaenyra quanto à paternidade dos filhos fosse menos obvia do que na série (no livro os Velaryons são brancos e na série, pretos, deixando os filhos causcasianos claramente gerados por alguém além de Laenor), a experiência de ser mãe preencheu o coração da princesa. Ela é, de novo citando Fogo e Sangue, louca por seus filhos, que também são amados por Laenor. Infelizmente seu romance com Ser Harwin fica apenas na imaginação pois nos despedimos dele muito rapidamente. Ser Harwin pode ter sido O grande amor de Rhaenyra e isso nunca é confirmado ou explorado. Ser Criston foi um flerte, Ser Laenor obrigação e depois Daemon, uma decisão política. Ser Harwin foi carinho, prazer e afinidade, mas também uma relação de 10 anos com três filhos. Eu lamento não ter tido mais desse relacionamento.


O conflito entre irmãos, a guerra civil
O relacionamento com Daemon Targaryen sempre foi o mais recomendado e o mais complexo da história de Rhaenyra. Na série, há diferenças vitais do que é dito livro. Por exemplo, há a dúvida se um dia Daemon teve algo com Alicent, algo que desapareceu ao mesmo tempo que sua participação na morte (conveniente) de sua primeira esposa foi confirmada, assim como seu envolvimento na sedução de Rhaenyra. O que ficou surpreendente foi a maneira na qual Daemon efetivamente se envolveu com a ‘morte’ de Laenor. Ele era suspeito, mas aqui oferece uma alternativa improvável de ajudá-lo a fugir e viver com o amante. Isso porque a decisão faz de seu casamento com Rhaenyra inválido, assim como sua linhagem passa a ser bastarda. Algo que põe em risco tudo que fizeram, mas que reforça a doçura de Rhaenyra.
A nova Rhaenyra é doce, discreta e quase submissa. Ela teme os verdes, não aparenta estar indignada como Alicent controla Viserys ou a Corte. É distante com os meio-irmãos – o que é coerente – mas tampouco mostra o ódio mútuo que ela e Aegon nutrem e que é essencial para o conflito. Nem mesmo com toda hipocrisia de Alicent, de toda agressão que ela promove de palavras ou até física, temos uma Rhaenyra agindo hierarquicamente superior como tivemos na primeira parte. Seria o medo de ter que justificar a paternidade de seus filhos? Seria a culpa do que omitiu? Onde foi parar todo aquele éodio?

O dilema da sucessão
A inversão de personalidade interfere diretamente no momento em que Rhaenyra “vira” Rainha, com a morte de Viserys. No livro, ele se vai repentinamente, levantando a suspeita da esposa ter feito algo para que ele morresse e também criando a oportunidade para o golpe. Afinal, sem ter uma doença séria identificada, ninguém esperava que estivesse perto da morte. Rhaenyra estava em Dragonstone no momento. Na série, é um tanto surreal.
Primeiro, a futura Rainha é questionada publicamente. Enquanto sabemos que faz parte do golpe armado de Vaemond Velaryon e Otto Hightower, ela parece mais diplomata do que uma futura Rainha correndo o risco de perder a coroa. Se Viserys não tivesse se arrastado até o Iron Throne e Daemon executado Aemond, o jogo teria sido outro. Foi interessante ver uma Rhaenys menos inclinada a se posicionar rapidamente, mas Rhaenyra não demonstrou comando numa hora crucial.
No parto que quase tirou sua vida, Rhaenyra sofreu a primeira perda, com nascimento prematuro de sua filha, Visenya. Mas não vimos nela a revolta descrita no livro pelo que aconteceu em King’s Landing. Vimos os momentos de insegurança, de uma tentativa decisão democrática e um compromisso com uma profecia (para nós inédita). Uma docilidade que Daemon vê como perigosa. Estaria errado?


Um olhar, uma mudança?
As dificuldades de Rhaenyra nem começaram. O destino de seus filhos será tão trágico como o seu. A morte de Visenya foi início de suas perdas. Coroada por Daemon em Dragonstone, ela parece sentir o peso de sua responsabilidade e tenta ainda conciliar a crise. Daemon quer obviamente. e mais uma vez matar Otto, o que parece ser lógico. Ela o impede. E se emociona com a mensagem que recebeu de Alicent e parece contemplar a paz, porém , com a morte de Lucerys, seu filho querido que foi tragicamente foi engolido por Vaghar no ataque liderado por Aemond Targaryen, a vemos cambalear e mudar o olhar.
Será que veremos outra Rhaenyra?
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