Os gatilhos em Physical

O tema central da série Physical não é como fitness virou um negócio lucrativo nos anos 1980s, incentivando exercícios sem lidar com saúde. É como pessoas com distúrbios alimentares ou outros problemas psicológicos encontraram uma fonte substituta de seus vícios, ou ao menos, essa é a ótica da heroína Sheila (Rose Byrne). Dessa forma, gatilhos são esperados e qualquer derrape o processo auto destrutivo pode recomeçar.

Quando conhecemos Sheila, há três anos, ela era bulímica, compulsiva, traumatizada por um abuso sexual ainda criança e presa à um casamento extremamente infeliz. Sua voz negativa era implacável com qualquer um ou situação, criando uma personagem densa, estranha e nada simpática. Ao apoiar incondicionalmente o marido igualmente problemático, ela entra em um espiral que a leva a um caso extra conjugal, a roubar, a mentir e também a descobrir em uma aula de aeróbica que não apenas ela pode se manter magra fazendo o que ama, mas que tinha talento para começar um negócio que a faria milionária.

Na segunda temporada era a corrida contra o fim da farsa saudável: enquanto subia, o marido descia, as mentiras sobre sua saúde física e mental foram expostas, demandando dela um compromisso em melhorar. E então, em uma mais positiva terceira e última temporada vemos como é mesmo difícil o caminho do controle. Não depende apenas de uma hercúlea força mental para lidar com os problemas, mas uma habilidade ininterrupta de superar os gatilhos, algo que Rose Byrne está dando show para deixar claro. A bulimia de Sheila tem uma raiz firme no passado que não tem como mudar: foi violada repetidamente pelo melhor amigo de seu pai desde os 13 anos, algo que sua família preferiu ignorar e esquecer, mas que mesmo adulta ela não consegue perdoar ou se perdoar. É uma dor profunda, constante e que na máscara do universo insano no qual Sheila inveja outras mulheres, se sente vazia e mesmo ciente do que vive, está sozinha e sem forças para enfrentar a questão. A cena em que sua rival canta I’ve Got You Under My Skin traz outra perspectiva para o clássico americano, um mais literal e assustador.

A desesperança está no ar em cada episódio, mas no pano de fundo. No palco temos uma personagem ímpar em sua força de vontade de alcançar sua meta material, o de quebrar tabus, de ter seu negócio e não depender de nenhum homem para nada. Porém, muito antes do movimento #metoo, as mulheres endossavam a campanha misógina de não se respeitarem ou ajudarem e Sheila é vítima de mais esse abuso quando depois de uma noitada de papo franco com Kelly Kilmartin (Zooey Deschanel) sua rival usa as informações que tem para criar uma situação humilhante para ela: pessoal e profissional. Meses de controlo foram para o ralo, com Sheila voltando à bulimia e sozinha no hotel. Ela tinha ligado (bêbada) para o namorado, o convidando para encontrá-la, mas, para nossa surpresa, quem aparece à sua porta é John Breem (Paul Sparks). Assim como Sheila, estamos cada vez mais confusos do que é realidade ou imaginação de sua cabeça. John tem sido o único com quem ela realmente nunca mente, o único que tem alguma força sobre seus problemas. Seria amor? Será que ela está vendo coisas? A única certeza é que a resposta para Kelly não será suave. E dessa vez, estamos incondicionalmente ao lado de Sheila.


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