As delícias e as dores da genialidade em The Bear

Preciso começar confessando que tive o privilégio de jantar/almoçar em alguns dos mais prestigiados restaurantes do mundo, como o El Bulí e a Casa do Porco, portanto o universo de Chefs e o mundo da gastronomia me interessam. Embora seja uma zero à esquerda no fogão, tenho amigos “foodies” (maníacos por culinária) e aprendi com eles de tentar sempre algo novo, de acompanhar esse universo. A longa confissão para ressaltar a razão pela qual amo tanto a série The Bear, cuja segunda temporada está disponível no Brasil desde agosto.

Embora meio com Ted Lasso, a série seja tudo menos sobre restaurantes ou receitas ou gênios da cozinha. A busca pela redenção? Um retrato sobre perfeccionismo? Outras linhas poderiam tentar explicar o que é o Melhor Drama da TV do momento. Atuações brilhantes, texto afiado, edição criativa, e muita criatividade também. The Bear é algo que não se deve perder.

A prova da qualidade da série está nas participações surpresas de atores premiados, que não vou citar para evitar spoilers. Quando se tem o desfile de estrelas para pequenas participações tudo o que mencionei fica ainda mais claro. Prestígio e estrelas, se não do Michelin, pelo menos em Hollywood.

The Bear ou O Urso é uma referência ao sobrenome do Chef premiado Carmy Berzatto(Jeremy Allen White), que é um dos mais prestigiados no mundo, mas que larga tudo para ir trabalhar na decadente e fracassada lanchonete do irmão no centro de Chicago, a Original Beef . Essa premissa da primeira temporada é o couvert. Logo descobrimos que Carmy está angustiado e arrasado porque seu irmão, Michael (John Bernthal) era viciado em heroína e tirou a própria vida, deixando a família lidando com a dor e as dúvidas e como poderiam ter ajudado. Para Carmy, em especial, a competição e idolatria por Michael fazem o sofrimento ser ainda maior.

Ao mesmo tempo que vamos contextualizando o passado e a vida pessoal dos Berzatto, há a família da lanchonete. Cada funcionário tem um passado e um desafio emocionante, eles são belicosos, mas se completam e Carmy se apega à eles com razão. Tem muito mais do que isso, mas são linhas gerais. Entre tantas personalidades há três que se destacam:  a de Richie (Ebon Moss-Bachrach), o ‘primo’ adotado dos Berzatto, uma mala sem alça mas a alma do local;  Marcus (Lionel Boyce), que sonha em ser patissiere e tem talento; e a instigadora Sydney Adamu (Ayo Edebiri), fã de Carmy e que sonha em ser um dia uma Chef estrelada como ele.

Tínhamos parado na história quando Carmy decidiu abrir seu restaurante, The Bear, uma aventura estimulante. E como! A segunda temporada é sobre os bastidores dessa aventura, frenético como nunca, às vezes nos deixando tontos. Mas também, comovente. Paralelamente às decisões que precisam tomar para transformar a espelunca em um restaurante refinado, cada um da equipe também trabalha em suas próprias falhas ou sonhos. São problemas profundos e o cronograma é apertado. Em meio disso tudo, Carmy finalmente se apaixona.

A jornada da transformação de cada um é diferente e abre a porta para aquelas participações especiais que mencionei. Cada funcionário é enviado para aprimorar um talento: com estágios e cursos. Amarra a conclusão porque ao aprofundar suas histórias, nos conectamos de forma diferente. Marcus é enviado para Dinamarca, mas descobrimos que é sua vida fora do restaurante cuidar de sua mãe com doença crônica. Estar longe ou ocupado, podem tirar dele o pouco tempo que resta com ela, mas ele se abre para o novo.  Tina (Liza Colón-Zayas) e Ebra (Edwin Lee Gibson) são enviados para uma escola de culinária, com resultados opostos. Sydney continua angustiada com suas escolhas, invejando e ao mesmo tempo conduzindo Carmy.

Mas a temporada é mesmo de Richie que está em crise por não ter mais um propósito. A resposta vem (ao som da iluminada Taylor Swift na trilha sonora) e é uma atuação de premiação anunciada para Ebo, cuja intensidade e verborragia são propositalmente irritantes e sensíveis, parte essencial de The Bear. Porque é isso, os ingredientes da vida são misturados em receitas pessoais, intransferíveis e testadas ao longo do caminho. Como alcançar a felicidade? Como equilibrar trabalho com prazer? 

Com episódios curtos (e intensos), vamos no crescendo até a conclusão inesperada. É preciso avisar que o ritmo histérico dos Berzattos, que parecem viver em um universo de Robert Altman (onde todos falam ao mesmo tempo) nos enlouquece, mas esse é o ponto. Quando temos o silêncio, é ao mesmo tempo prazeiroso e estranho. O elenco todo está incrível e com uma naturalidade que nos faz pensar que estamos acompanhando um Masterchef em vez de ficção.  É brilhante. Cinco estrelas, sem dúvida.


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