O olhar feminino sobre a opressão sobre as mulheres na Gilded Age?

Para mim, que devoro seus livros há anos e a tenho como a “Jane Austen americana”, fiquei surpresa que apenas em 2016 a Smithsonian Magazine tenha reconhecido Edith Wharton como uma das americanas mais importantes de todos os tempos. Afinal, ela é uma vencedora do Pulitzer (com A Época da Inocência, considerado o seu melhor) e seus livros foram traduzidos para múltiplos idiomas. Seu último romance foi The Buccaneers, que não deixou completo, e que está para virar uma minissérie da Apple TV Plus.

Assim como Jane Austen, Edith escreveu sobre o que sabia melhor. Afinal, era de família rica e tradicional, parte da ‘aristocracia’ de Nova York e sua descrição de como funcionava a sociedade é um testemunho de primeira mão, não imaginação. Como ela mesmo diz em “A Época da Inocência”, as ruas de Nova York são retas e numeradas, mas as regras sociais não. A etiqueta, o comportamento, as roupas, as maneiras, os amigos, como e quando falar, tudo seguia uma norma rígida onde as mulheres não tinham voz ou poderia – nem deveriam – se fazer ouvir. Casamentos eram arranjados como as belas mesas de jantar e os bailes que frequentavam. O teatro social opressor.

A sensibilidade e a inteligência de Edith ficam claras em seus textos, detalhados e diretos. Ela não gostava da formalidade ou da falsidade, sinais de superficialidade e preconceito. Madame Olenska e Lily Bart são suas heroínas trágicas e vítimas desse quadro que é também o cenário de The Gilded Age, que não é um de seus livros, mas poderia ser.

Nascida em Nova York, em 24 de janeiro de 1862, como Edith Newbold Jones, tinha o apelido de “Pussy Jones” e creceu com conforto, pois sua família era rica e socialmente proeminente. Edith é tão elite que a expressão até hoje usada em inglês – fazer como os Joneses – é uma referência à sua família, Jones, uma das mais antigas de Manhattan e líder na sociedade. Sabem a Caroline Schermerhorn Astor que é vivida por Donna Murphy na série da HBO? A que é a Rainha Abelha da cidade e que existiu? Pois é, era prima de Edith por parte de pai. E do lado materno também era a elite da elite. O Forte Stevens, em Nova York, foi batizado assim porque seu bisavô foi um dos mais importantes generais na Independência americana. Ainda assim, ela era rebelde ao criticar todo sistema em suas obras.

Mesmo tendo nascido durante a Guerra Civil, sua família manteve fortuna e ela viajava com frequência para Europa, onde aprendeu a falar francês, alemão e italiano. Passava seus verões em Newport, Rhode Island, e embora tivesse toda educação esperada para uma jovem de sua posição, se revoltava com tudo. Livros eram seu refúgio, sem surpresa depois escreveu 15 romances, 7 novelas, 85 contos e várias poesias e não-ficção. Aos 20 anos ficou noiva, mas oficialmente seu perfil intelectualizado provocou o rompimento.

Antes de se casar com Teddy Wharton – e ser infeliz por 28 anos – Edith se apaixonou por um homem que nunca quis se casar com ela, Walter Van Rensselaer Berry, seu amigo e ao lado de quem está enterrada. Claramente ele foi a inspiração para Lawrence Selden, de A Casa da Felicidade (House of Mirth), embora seja Newland Archer de A Época da Inocência que frequentemente seja apontado como o alterego de Edith.

Escrever era seu escape em uma vida material confortável, porém intelectualmente frustrante, e, apenas aos trinta anos, passou a ser oficialmente uma escritora. Suas histórias de ficção eram mordazes com tudo que detestava: hipocrisia, materialismo, vaidade e mais ainda a crueldade dos privilegiados.


Edith encontrou a paixão fora do casamento, quando se apaixonou pelo jornalista bisexual Morton Fullerton, do The Times, de quem foi amante por alguns anos. Em diferentes momentos de sua vida preferiu ficar na Europa, e estava vivendo na França durante a Primeira Guerra Mundial, onde liderou iniciativas para ajudar refugiados e vítimas da guerra, escrevendo artigos para revistas e sendo até premiada com a Legião de Honra Francesa em 1916. Quebrou um tabu ao ser a primeira mulher a ganhar o Prêmio Pulitzer de Ficção, em 1920, com seu livro mais elogiado, A Época da Inocência. O último, The Buccanners, ficou inacabado e foi lançado em 1938.

Historiadores gostam de ressaltar que seu legado literário seja justamente ligado ao mundo que tentava desesperada escapar e detestava com paixão, exercendo sua liberdade como podia: escrevendo histórias que ficaram eternas. Em 1º de junho de 1937, a escritora sofreu um ataque cardíaco quando estava em sua casa de campo na França.  Dois meses depois, em 11 de agosto, morreu em Paris de um derrame cerebral. Apesar de ter sido uma das melhores observadoras dos anos de ouro de Nova York, Edith Wharton está enterrada em Versailles, na França, bem longe da cidade que imortalizou, mas que não morava em seu coração. Mas, sim, a seu pedido, está ao lado de Berry. Alguém duvida como conseguiu criar histórias de amor como as de Lily Bart e Lawrence Selden ou Madame Olenska e Newland Archer? Eu não.

Seja como for, a atemporalidade da obra de Edith Wharton vem da mente aguçada de uma mulher cuja alma moderna sabia que era um período complexo e com data de acabar. Ela não precisou passar por privações para questioná-lo, ao contrário, sua sagacidade de estar dentro daquele universo e ainda assim manter o cinismo comprova que toos elogios, prêmios e imortalidade são mais do que justos. Uma alma inconformada que registrou a gaiola de ouro das mulheres e como era possível voar fora dela.

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