Em 1983, Barbra Streisand estreou atrás das câmeras com um musical em tempos em que o gênero era considerado cafona. Falava de sexismo, potencialmente homossexualismo, repressão sexual, religião, romance e feminismo. Yentl foi sucesso, ganhou dois Oscars – merecidos, pela trilha sonora – mas a estrela foi desprezada na hora das indicações como melhor diretora. Quarenta anos depois, a estrela está para lançar sua autobiografia (em novembro) e, antecipando o evento, está celebrando o anversário de uma de suas obras mais elogiadas.
O álbum Yentl: Deluxe 40th Anniversary Edition faz parte da celebração e trazum rico material inédito, com 15 faixas adicionais, algumas que incluem as demos que Barbra gravou em sua sala em um toca-fitas estéreo, assim como a narração demo, todas com a atriz acompanhada apenas por Michel Legrand ao piano. Para fãs? Imperdível.

Para que Yentl chegasse às telas, a produção levou mais algumas décadas. Barbra se encantou com o conto Yentl: The Yeshiva Boy, escrita por Isaac Bashevis Singer em 1968, quando ainda estava terminando Funny Girl, o filme pelo qual ganhou o Oscar de Melhor Atriz, em 1969. Embora os direitos do livro tenham sido comprados e o diretor tchecoslovaco Ivan Passer tenha feito um primeiro rascunho, como “Máscara”, ele não queria Barbra no elenco justamente porque a essa altura ela era uma grande estrela mundial. Para ele ter uma celebridade no elenco prejudicaria o filme. Eventualmente ele saiu do projeto. Em 1973, enquanto gravava Nosso Amor de Ontem (The Way We Were), a atriz buscou apoio para seguir com Yentl, mas já foi considerada ali mesmo “muito velha” para o papel principal. E feminina. Sem conseguir convencer aos executivos homens que estavam errados, já por volta de 1976 e estrelando Nasce Uma Estrela, ela passou a concordar que talvez não fosse jovem o suficiente, mas passou a ficar determinada a dirigi-lo. Rapidamente voltou a querer o papel principal e isso, emvez de ajudar, fez com que os estúdios ficassem ainda mais ressabiados.
Agora a dúvida era como ela – uma diretora estreante – lidaria com um projeto multimilionário. Também questionaram se um musical era comercial o suficiente ou se não era etnico demais. Sim, por sugestão dos letristas e amigos de Barbra, Alan e Marilyn Bergman, Yentl deixou de ser um drama para ser cantado. Agora, com tanta recusa, o projeto passou a ser uma questão de honra para Barbra. Mesmo com ofertas milionárias para fazer shows e desistir.

A ver se em sua biografia confirma, mas segundo consta – e é reforçado com a dedicação do filme ao seu pai – Barbra ficou ainda mais determinada em filmar Yentl depois de visitar o túmulo de seu pai no Cemitério Mount Hebron. Os sinais eram claros: ela pediu ao seu irmão que tirasse uma foto dela ao lado da lápide de seu pai e quando viu, o túmulo de Emmanual Streisand estava diretamente ao lado do de um homem chamado Anshel, que era justamente o nome do irmão morto de Yentl e que ela adota quando assume uma identidade masculina. Com uma consulta com um médium ela teria tido sua confirmação.
Ao todo Yentl levou nada menos do que 15 anos para começar a rodar, depois pelo menos 20 versões de roteiros, ser transformado em musical e ter Barbra Streisand na frente e atrás as câmeras. E, claro, para quem ainda não viu o filme, Yentl é uma garota judia que, naquele tempo, apenas por ser mulher, não podia sequer estudar, mas, quebrando as regras, seu pai a ensinava em particular. Sempre curiosa, ela tem que tomar uma decisão radical após a morte dele: se veste como homem e vai em busca de mais estudos. O que compplica tudo é que ela se apaixona por um colega Avigdor (Mandy Patinkin) que era noivo de uma jovem típica da época, Hadass (Amy Irving). Quando o noivado é desfeito, Yentl não tem como escapar de substituí-lo e se casa com Hadass, que se apaixona por Yentl. Isso mesmo, há 40 anos os o filme lidava com troca de gêneros e homossexualismo, mas acaba com um final que muitos criticaram como “tradicional”.

Papa, Can You Hear Me e The Way He Makes Me Feel foram indicadas ao Oscar (a primeira ganhou e teve ninguém menos do que Donna Summer interpretando na cerimônia) e Michel Legrand ganhou seu último Oscar pela trilha sonora completa de Yentl. Por isso ser tão significativo o álbum comemorativo que vai trazer alguns momentos tão próximos do compositor e sua intérprete. Uma grande oportunidade para marcar as quatro décadas de um grande musical.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
