O adiamento do Emmy 2023 para janeiro de 2024, por causa das greves de Roteiristas e Atores em Hollywod tirou um pouco da febre Succession que marcou o ano da temporada final da série. Todo. o elenco deve sair vitorioso nas premiações, mas há uma atuação eme especial que não pode ser subestimada: A participação de Harriet Walter como a insensível e complexa mãe dos três Roys, Caroline Collingwood.
Não fosse por estar no elenco de Silo interpretando o perfil oposto, Harriet seria a pior mãe das telas. E a atriz nem tem filhos na vida real! Além de Caroline, também foi uma mãe de instintos duvidosos em Ted Lasso e igualmente irritante e impressionante. Sua participação como Dasha em Killing Eve não foi diferente, nem mesmo em Patrick Melrose, Doctor Who, The Spanish Princess ou nem mesmo filmes como O Último Duelo ou Razão e Sensibilidade. Mulheres antipáticas e práticas parecem ser sua especialidade, algo que é completamente oposto da verdadeira Harriet, que não tem sequer filhos na vida real.

Em uma carreira de mais de 50 anos, Harriet Walter foi mais conhecida na Inglaterra como uma artista incomparável no palco, se destacando como nas principais personagens femininas de Shakespeare assim como masculinas, quando o Donmar Warehouse inverteu alguns papéis em 2010. Talvez tenha sido o premiado Razão e Sensibilidade de 1995 que tenha nos apresentado Harriet para o mundo, portanto encontrá-la em filmes ou séries de época tem sido “normal”. Ela também esteve no elenco de Downton Abbey como Lady Shackleton, sempre com classe e praticidade. Por isso quando quebra o padrão, surpreende ainda mais. Sua Dasha, de Killing Eve, era uma ex-ginasta olímpica russa e agente da KGB com predileção por estampas de leopardo e foi mentora de Villanelle (Jodie Comer). Em Silo, ainda em produção, é Martha Walker, a mãe postiça e mentora de Juliette Nichols (Rebecca Fergunson), uma astuta engenheira e sofrendo da Síndrome de Agorafobia. Porém a atriz parece não escapar da síndrome da mãe cruel quando está na série britânica mais uma vez num papel como os que faz, agora como a mãe do personagem Adam Kay (Ben Whishaw) em This is Going to Hurt. Mais um BAFTA à vista.
Embora os papéis tragam reconhecimento, a atriz sabe que está ‘presa’ a um estreótipo, em geral o de uma mulher rica e fria. “Sempre foi uma questão de ser capaz de se expor. É aí que não tenho sido muito boa. Existem pessoas que conseguem jogar muito melhor do que eu. E é por isso que eu deveria ter contratado agentes mais fortes antes, porque eles jogam o jogo para você”, ela disse em uma entrevista há alguns anos. Há também o fato do etarismo. Aos 73 anos, as opções não são variadas, mas é fato de que se ela está em cena, ninguém vai vencê-la. Os olhos vão para ela e seu brilhantismo é claro. Ela pode ser polida e suave, mas sempre é letal.
Fazer mulheres de famílias ricas e tradicionais é relativamente próximo demais da realidade de Harriet. Ela vem da família Walter, que fundou o jornal Times, em 1785. Outro fato que sempre é citado é o fato de ser sobrinha da lenda do cinema, Sir Christopher Lee. Ambos detalhes que ela nunca ressalta em suas conversas. Ela lembra sempre que não foi influenciada pelo tio, mas o fato dele ser ator e ter alcançado destaque ajudou aos pais não atrapalharem os planos dela quando decidiu seguir o caminho artístico.


A jovem Harriet sonhava com os palcos, não as telas. Foi rejeitada por várias escolas quando começou a tentar aos 18 anos, mas quando passou a ser aceita, recusou uma vaga em Oxford, escolheu a escola de teatro Lamda e marcou seus primeiros passos profissionais em peças políticas e comunitárias. Só cedeu às ofertas de TV e cinema depois dos 28 anos e reconhece que nunca teve um desafio tão intenso nas telas como os que o teatro proporcionou. Em sua modéstia e praticidade (esta que de alguma forma reflete o que estamos acostumados associar à ela), na mesma entrevista alega que por “não ser jovem ou bonita”, o cinema não correu para bater na sua porta. Em sua avaliação, o avanço da idade “compensa” esse obstáculo criando papéis com mais personalidade para os mais velhos. “Sejamos realistas, há uma percentagem muito acima da média de pessoas bonitas que protagonizam filmes. É um meio que ama a beleza. E eu não tinha essa beleza. Não quero dizer que eu tivesse uma aparência horrível, simplesmente não tinha aquela perfeição amigável à câmera que é agradável à vista e atrai as pessoas”, avaliou. Podemos discordar? Afinal, não apenas é bonita, como ela mesma reconheceu, muitos dos papéis femininos na época eram menos interessantes.
Sua personagem mais famosa em 2023, no entanto, foi claramente a irritante fria Caroline de Succession, que ela “defende” como uma mulher que usa do ataque como defesa pessoal e que não considera um monstro (embora tampouco quisesse conhecê-la na vida real, brinca). Obviamente ganhou mais uma indicação ao Emmy por ela. “Ela [Caroline] está danificada, em vez de fria e horrível. Para mim, ela cresceu como uma criança solitária em uma casa fria e aristocrática do interior, muito gelada, onde ninguém sabia como demonstrar afeto”, explicou em uma entrevista.

Na vida pessoal, Harriet Walker passou por provas duras também. Aos 28 anos foi diagnosticada por sofrer de Anorexia, algo que ainda faz parte de sua batalha pessoal ainda hoje. Ela vivei com o ator Peter Blythe de 1996 até a morte dele, em 2004, e jamais imaginaria que iria reencontrar o amor justamente nos palcos, quando trabalhou com Guy Paul, em 2009, numa montagem de Mary Stuart, na Broadway. Estão casados desde então.
Para Harriet, o fato de que agora é associada às mães cruéis é um reflexo de quem conta as histórias. “Minha teoria é que muitas pessoas que estão escrevendo coisas agora têm quase 30, 40 anos e estão olhando para seus pais e seus modelos de mães. Se você amava sua mãe e ela era doce, não escreva sobre ela. Mas se ela fosse um demônio aos seus olhos, você exorcizaria esse demônio escrevendo”, sugeriu em uma entrevista. Segundo ela, se tivesse sido escritora talvez caísse na mesma armadilha. “Acredite, quando você tiver 70 anos, você quer dizer para sua mãe: “Entendi, você é uma pessoa, e eu só conhecia um aspecto seu, que era a faceta de ‘Preciso disso de você ‘ em vez de ‘Como você se sente? Como é? Você sabe o que quer? O que você não fez?’”, sugere. “Eu adoraria que isso se refletisse mais nos papéis e fizesse da velha o centro da história e nem sempre aquilo que você está rebatendo, o tipo de constante que deve ser combatida”, completa. Estão ouvindo, roteiristas?
Bom, as apostas são que Harriett será a grande vencedora dos Emmys e não poderia ser mais justo. Um grande momento para uma grande atriz.
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