O universo apavorante da A Queda da Casa Usher

Adoro a franquia soturna de Mike Flanagan na Netflix porque como fã dos clássicos da literatura, aprecio a maneira que apresenta obras icônicas para novas gerações meio avessas à leitura. Por outro lado, se você conhece a obra que ele está adaptando, pode ser irritar. Eu gostei da primeira fase de A Maldição da Mansão de Bly, por exemplo, mas detestei quando se distanciou da obra original de Henry James, A Volta do Parafuso. Havia qualidade, uma trilha sonora das que considero uma das melhores já feitas em todos os tempos. Mas eu sou muito apegada ao material original, admito. O mesmo não acontece com A Queda da Casa Usher porque embora seja familiar com a obra de Edgar Allan Poe, não li tudo portanto estou mais do que pronta para me deixar levar e como isso fez diferença!

A série de horror se sai melhor do que as anteriores, com grandes atuações, reconstituição de época e sim, genial trilha sonora. Acompanhamos, de forma não linear mas sempre fácil de seguir, a ascensão e queda dos Usher, a família dos implacáveis irmãos Roderick e Madeline Usher, que fizeram fortuna liderando a Farmacêutica Fortunato. O império de riqueza, privilégios e poder deles foi obviamente construído em cima de ganância, mortes e mentiras, mas a hora de prestação de contas vem repentinamente, quando os herdeiros começam a morrer de forma suspeita. Em comum há sempre uma misteriosa mulher que sabe todos os segredos dos Usher.

Os fãs de terror – cinema ou literatura – sabem que Edgar Allan Poe é um dos maiores autores e que, na década de 1960s, serviu como fonte para filmes de Roger Corman, que até hoje é o “Papa” das versões filmadas do autor. Mas Mike Flanagan se colocou nesse altar, sem dúvida. Sua precisão na ironia dos textos com um Bruce Greenwood (substituindo ninguém menos do que Frank Langella), mantendo os sustos na dose certa e até evitando sentimentalismos exagerados. Funciona com perfeição. Até porque, mais do que violência e imagens gráficas (que são usadas) é o psicológico que funciona. O medo é gerado pela culpa e nós, mesmo sem empatia, sofremos por antecipação por cada um.

Cada episódio é inspirado livremente em um conto de Poe e assim temos uma viagem pela imaginação soturna do escritor. O primeiro episódio é o que dá título à série, onde Roderick Usher (Bruce Greenwood) está em um funeral conjunto de vários de seus filhos que morreram em uma série de “acidentes estranhos”. Em uma mansão em ruínas, Usher tem uma conversa com Auguste Dupin (Carl Lumbly) – um personagem recorrente nos livros de de Poe e considerado o primeiro detetive da ficção) – onde faz uma longa e detalhada confissão que nos faz viajar no tempo e aos poucos entender o que está acontecendo. Para atualizar o peso da história, Flanagan também pega carona no escândalo da família Sacker e a pandemia dos opiáceos, de forma que estejamos em constante dor e jamais ao lado dos Ushers. Sabemos o que houve, acompanhamos como aconteceu e só ficamos angustiados para descobrir, ou confirmar, o por quê.

Para quem é familiarizado com a franquia, sabe que Mike Flanagan trabalha ostensivamente com o mesmo elenco, com poucas mudanças. Com isso temos os “culpados” de sempre, e é divertido como mudam e confirmamos a química entre eles. Carla Gugino tem grande destaque como a mulher misteriosa e Mark Hamill nos dá mais uma voz inesquecível e é soturno, irônico e também maravilhoso. A série é de Bruce Greenwood, no entanto, com longos monólogos cheio de nuances em uma grande atuação.

Em tese, A Queda da Casa Usher “fecha” o contrato do showrunner com a Netflix e, se for mesmo adeus, é uma despedida à altura. Capturando o mistério e o medo, não apenas de quem ama o gênero, mas a alma de obras perfeitas de terror. Em especial, nesse caso, de Edgar Allan Poe. Aproveitem, outubros com conteúdo assim, podem demorar a voltar.


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