Os últimos dias de Maria Callas

A versão mais romantizada de Maria Callas fez muitos fãs acreditarem que ela morreu de amor. Sua paixão por Aristoteles Onassis – a quem chamava de o amor de sua vida – era público: Maria sempre admitiu sua paixão e foi abertamente trocada e traída quando ele se casou com Jacqueline Kennedy, depois de arrastar por anos o relacionamento com o soprano alegando que não poderia se divorciar de sua primeira mulher. Viúvo, em vez de oficializar sua união com Callas, surpreendeu até a ela mesma fazendo de Jackie a “Jackie O”.

Qualquer mulher apaixonada e traída se identifica com a dor de Maria Callas, mais ainda que pediu que suas cinzas fossem jogadas no mar Egeu, segundo reza a lenda, para que fossem levadas pela água até a ilha de Skorpios, onde jazia Onassis. Amor obsessivo, amor dependente, amor insalubre… podemos listar o lado doentio da relação, mas ninguém nega que era amor. Porém, o coração de Maria Callas não parou repentinamente aos 53 anos porque sofria de saudades. Claramente tinha problemas de saúde que contribuíram para o infarto, mas suspeito de Steven Knight vai explorar as versões tradicionais no filme Maria, estrelado por Angelina Jolie e dirigido por Pablo Larraín.

No obituário de Maria, todos ressaltavam a sua paixão pela vida e por sua Arte, mas também se referiam a Onassis ainda no primeiro parágrafo. Mesmo com tantas vitórias pessoais, virtuosismo e empoderamento, é sua associação a um homem que marcou sua narrativa. Será que ainda será assim em pleno século 21? Eu mesma acreditei e me emocionei muito com essa versão, a que coloca alguém morrendo por amor, mas hoje a rejeito em respeito ao tamanho da mulher que é conhecida como A Divina. Ela era mais do que uma mulher apaixonada por um homem casado e rico.

Maria Callas, que completaria 100 anos em dezembro de 2023, se despediu dos palcos em 1965, mesmo tempo voltado a cantar em recitais meses antes de falecer. Os mais próximos já diziam mesmo em 1977 que os problemas cardíacos vinham de sua obsessão por se manter magra e sua dieta exagerada, desde que perdeu 30 quilos e passou a ser um fashion icon, magra e elegante. Ou seja, há 50 anos a obsessão cultural pela magreza contribuiu para encurtar a vida de uma das mulheres mais famosas e icônicas do século 20.

A mudança de aparência de Maria Callas já foi elogiado e criticado em iguais medidas: ela, que era robusta passou a ser esbelta para, segundo alegou, viver com maior realismo as personagens românticas das óperas. Uns dizem que a perda significativa de peso em poucos meses custou parte de sua potência vocal. Outros, como sabemos, que pesou em seu coração.

De tudo que se manteve igual em sua curta vida, intensidade era uma delas. As histórias de suas explosões temperamentais fazem parte de sua lenda, algo que teremos que ver também em Maria. Filha de imigrantes gregos e nascida nos Estados Unidos, Maria Kalogeropoulos começou a cantar aos oito anos, mas quando complertou 15 e seus pais se divorciaram, foi para a Grécia com a mãe e continuou seus estudos no Conservatório de Atenas. Se casou jovem, com o industrial italiano Gian Battista Meneghini, que a apoiava numa posição mais paterna do que de marido.

Apesar de ter uma voz que ultrapassava três oitavas e ser excelente atriz dramática, Maria decidiu emagrecer para ter os papéis que lhe eram negados por seu peso. Virou estrela mundial, mesmo com um mercado tão nichado como o da ópera. Nos quatro cantos do mundo virou “A Callas”, uma referência de detalhismo, profissionalismo, técnica e paixão.

Porém ela mesma dizia que “Callas” era a artista, mas “Maria” a mulher. E por conta de sua ambiÇão pela perfeição profissional, seu casamento era morno. Tudo mudou quando pouco antes de completar 40 anos conheceu Onassis. Num piscar de olhos deixou o marido depois de 11 anos com ele e assumiu o difícil papel de amante, abertamente ao lado do casado armador grego que alegava não poder se divorciar. Quando ficou viúvo, todos esperaram o casamento, mas a noiva foi outra.

Maria enfrentou a dor de cabeça erguida, seguindo com sua vida e tentando retomar a carreira como professora e fazendo pequenas turnês. Teve outros romances, mas sempre amou Onassis. Ela o perdoou pouco antes da morte dele, alguns poucos anos antes dela. Seus últimos anos ficaram marcados por um isolamento crescente em seu apartamento em Paris. Depois de uma breve turnê europeia os problemas da falta de treino de sua voz ficaram evidentes, mas ainda assim foi aclamada. No dia 16 de setembro, de 1977 desmaiou no banheiro de seu apartamento, morrendo na cama pouco depois. Seu semblante era de que, finalmente, tinha encontrado a Paz.

O filme Maria vai focar nesses últimos dias, nos quais Callas ouvia suas gravações antigas e refletia sobre o passado. Alguém duvida que será emocionante?

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