O sucesso de The Crown pode ter sua última temporada um tanto pagando pelo preço da sua imensa popularidade. Isso porque a mega premiada série da Netflix, que vai estrear sua última temporada em novembro de 2023, se aproxima perigosamente do período mais doloroso para o atual Rei com o ápice justamente sendo a morte da Princesa Diana. Como muitos acharam que a série era quase um documentário, passou a ser cada vez mais complexo para o showrunner, Peter Morgan, explicar que é “ficção”. Pois é, biografia ficcional? Contraditório, porém verdadeiro.
Para quem acompanha a História da monarquia britânica, o carma dos Windsors é inegável. Chegamos à quarta geração vivendo o mesmo dilema de casamentos desfeitos, escolhas entre Dever e o Coração assim como a rivalidade entre irmãos. Não escapa, portanto, a ironia de que a série que nasceu para contextualizar a força da Coroa com Elizabeth II no centro da trama mas que assim como vida real, sofresse com a sombra da Princesa do Povo, Diana Spencer. Irônico que o primeiro trabalho premiado de Peter sobre o tema tenha sido justamente o filme que tratava o primeiro dilema da temporada final: a morte de Diana, o impacto e a crise que gerou para o reinado da Rainha e como, no final das contas, ela superou a crise se tornando mais popular do que nunca. Sim, Peter Morgan estava por trás do premiado A Rainha, que rendeu o Oscar à Helen Mirren. Será curioso ver se a narrativa será mantida igual. Du-vi-do.

No filme de 2006, a Rainha, apegada aos protocolos e praticidade, se surpreende com a reação popular pela morte de Diana, com um Philip agressivamente indignado também. Mal vemos William ou Harry, mas Charles é um homem fraco, percebendo que o acidente proporciona uma oportunidade de recuperar sua imagem manchada com a separação e revelações de Diana. Pelo que vimos em The Crown, longe vão os dias da narrativa premiada de A Rainha.
Quando estreou, em 2016, uma década depois do filme, a série da Netflix reapresentou uma soberana que carinhosamente era tratada de ‘imortal’, já em seus avançados 90 anos, para gerações que não a conheciam quando jovem. Claire Foy ganhou estrelato internacional como Elizabeth II entre os 25 até os 40 anos, sendo substituída por Olivia Colman até chegarmos à Imelda Staunton. A vida da monarca foi cheia de dramas que poucos lembravam, contribuindo para deixá-la mais próxima de um público que passou a adorá-la. Os “especialistas” sabiam que quanto mais se aproximasse dos dias atuais, as coisas poderiam ficar diferentes.
A intenção sempre foi chegar ao Jubileu de Ouro de Elizabeth II, em 2002, mas com os dramas atuais escalando nos jornais e redes sociais, a expectativa foi a de que a série avançasse até o Jubileu de Platina, celebrado pouco antes da morte da Rainha, em 2022. Espertamente Peter Morgan não cedeu e eu até imagino que preferisse ter parado onde ainda não tinha estado antes. Afinal, A Rainha já tinha coberto essa parte da história tão delicada e com a ascensão de Charles ao trono só piorou a expectativa.

A versão de Diana para sua história de um casamento armado e fracassado é a que prevalece, e, nela, Charles e Camilla são antagonistas. Porém, a terceira temporada de The Crown, que mostrou um Josh O’Connor como um sensível príncipe herdeiro apaixonado por uma Camilla igualmente simpática, vivida por Emmerald Fennell, mudou a simpatia do casal que hoje está no Trono. Claro que a entrada da jovem Diana interpretada pela eletrizante Emma Corrin, mudou essa dinâmica, justamente porque o drama de Meghan e Harry estava tomando as redes sociais, e a fronteira entre interpretação e realidade começou a ficar cinzenta para muita gente. Até que Elizabeth Debicki que é uma sósia de Diana entrasse, a polêmica já estava dominando The Crown.
A Família Real jamais se manifestou oficialmente, mas amigos e defensores começaram a se preocupar com a falta da distinção do que era efetivamente, fato ou ficção. Tanto que, a meu ver, a escolha de Dominic West para ser Charles, ficando bem longe dos gestos apurados de Josh O’Connor como o atual rei, foi deliberada para justamente deixar mais claro que The Crown não é um documentário. Ele está bem, não me interpretem mal, mas é tão diferente de Charles que nos deixa menos confuso do que Elizabeth como Diana.

A sexta temporada vai incluir os três momentos cruciais da vida da princesa que, parentes gostando ou não, não poderiam ficar fora da série. A entrevista da BBC, o romance com Dodi Al Fayed e, claro, seu trágico acidente em Paris. São fatos que estarão nos dois primeiros episódios, sem dúvida. Mas, o que chocou muita gente foi o que já vazou: haverá algumas cenas ‘existenciais’ em The Crown, uma delas incluindo o “fantasma” de Diana. Metafórico e real.
Na quinta temporada Pter Morgan já imaginou alguns minutos doces entre Charles e Diana, conversando após a separação e ela fazendo ovos mexidos para ele. Agora, no episódio da morte dela, teremos Príncipe Charles (Dominic West) falando com uma “Diana imaginária” (Elizabeth Debicki) e a Rainha Elizabeth (Imelda Staunton) também terá uma interação com ela. Risco de ficar brega? Sem dúvida. Mas mais uma vez, uma necessidade para destacar que The Crown não é um documentário.
Segundo o showrunner, a memória de Diana é quase um expectro real, porque “ela continuou a viver vividamente nas mentes daqueles que deixou para trás”. Longe vão os dias nos quais ele até considerou nem passar por Diana em nenhuma idade ou presença na série. É o que diz, não vejo como poderia. E se terá Diana, Kate Middleton e o casamento de Camilla e Charles, The Crown vai evitar a amizade do príncipe Andrew com o financista e pedófilo condenado Jeffrey Epstein Nem mesmo excessivamente, Harry. Peter Morgan diz que não leu o livro Spare, e que foco da história sempre foi quem esteve na linha direta de sucessão: Elizabeth, Charles, e William. Portanto o estepe só vai aparecer “em relação a William.” Suspeito que em Montecito The Crown não vai estar entre no Top 10.

E pensar que o projeto original de The Crown era de um longa-metragem sobre uma Elizabeth II com apenas 25 anos e recém-empossada no trono. Quando começou a trabalhar no roteiro, viu que a história precisava de mais tempo, algo como… dez anos e um elenco rotativo. O plano era ter Helen Mirren, que trabalhou em A Rainha e depois na peça The Audience, no papel que que ganhou o Oscar, mas ela recusou. Das três atrizes, apenas Imelda ainda não ganhou um Emmy. Será que muda agora?
Mas a principal discussão é em torno das críticas sobre a precisão histórica, mesmo que qualquer dramatização tenha que ter liberdade artística, que é tomada deliberadamente para equilibrar o que é fato e o que é ficção e ainda gerar emoção. Seja como for, o debate desgastou tanto o showrunner que hoje ele foge discutir qualquer assunto da Família Real. Para Variety, se resignou ao concluir que “os dramaturgos nascem para escrever sobre reis e rainhas. Isso é o que fazemos.”
Embora tenha tido pressão para avançar até os dias atuais, The Crown se despede em 2005. “Foi o corte para mantê-lo histórico, não jornalístico”, disse na mesma entrevista. “Acho que parar quase 20 anos antes dos dias atuais é digno.” Fãs podem pensar diferente, mas, como sempre, isso é The Crown.
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