Os 25 anos de O Projeto da Bruxa de Blair

Em janeiro de 2024 completarão 25 anos de um filme independente que foi tão disruptivo que até hoje é lendário: O Projeto da Bruxa de Blair. Essa pequena produção de 1999, escrita, dirigida e editada por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez foi inovadora por trabalhar com simplicidade e brilhantismo um conceito simples de mesclar realidade e ficção sem deixar claro onde uma começa e outra acaba, e nasceu como um clássico. São raros os filmes que mudam o jogo dos negócios e da narrativa e esse é um deles.

Com um orçamento máximo de 200 mil dólares, a produção arrecadou quase 250 milhões de dólares em todo o mundo, sendo ainda hoje um dos mais lucrativos do gênero terror e um dos mais icônicos do cinema independente. Também levou prestígio ao Festival de Sundance, onde foi lançado em uma sessão da meia-noite no dia 23 de janeiro de 1999.

É preciso ressaltar a importância da originalidade do conceito de todo projeto, nascido com a primeira bolha da Internet, mas antes das redes sociais. Foi uma febre mundial, era impossível fugir de alguma roda de amigos onde não estivesse sendo discutido seriamente. Dou meu testemunho pessoal: fui assistir cínica, não curti enquanto estava no cinema, adorei a sequência final (uma das melhores que já vi até hoje) e só fui impactada do que estavam apresentando quando saí da sala de projeção e fui recontar a história e fiquei com medo lembrando da cena final. Sim, O Projeto da Bruxa de Blair é um dos melhores filmes de terror já feitos em todos os tempos. Defendo sua importância, mesmo reconhecendo o desgaste da obra em paródias e sua exploração menos bem sucedida em forma de franquia. O original é genial.

Em dias pré-digitais, acompanhamos uma história fictícia de três estudantes, Heather Donahue, Michael C. Williams e Joshua Leonard, que desapareceram há cinco anos, durante as gravações de um documentário em Black Hills, perto de Blair (na verdarde a cidade de Burkittsville, em Maryland). Eles investigavam uma lenda local sobre a “Bruxa de Blair” e o que vemos é o material das câmeras dos três, encontrado no bosque e que podem nos dar uma dica do que poderia ter acontecido com eles. Simples, assustador. Acompanhamos a trajetória até a conclusão inesperada. Até aí, nada de inovador portanto se ainda não viu, pode se perguntar, mas o que moveu tanta gente?

Te digo, também foi como o filme foi promovido. Primeiro, os atores usam seus nomes próprios (algo que se arrependeram depois) e o roteiro de 35 páginas era quase apenas um argumento: eles não tinham diálogos ou direção prévia, apenas sugestões e improvisações. Passaram por privações (sem comida e sem direção ou mapa), uma tática de reality shows (ainda começando em 1999) e que tirou do elenco reações mais do que interpretações. A lenda da Bruxa de Blair é uma junção de várias histórias concebida como fio condutor pelos roteiristas. O detalhe é que o filme não é sobre a Bruxa, mas sobre pessoas tentando descobrir sobre ela e nós estamos descobrindo sobre eles pesquisando sobre ela. Metalinguagem na veia, cuja campanha com pôster usando as fotos dos três atores como desaparecidos “viralizou” antes mesmo de que o conceito de “viralizar” existisse. Afinal, era janeiro de 1999 ainda! No crepúsculo das redes sociais e reality shows, o campo cinzento entre realidade e ficção encontrou um campo ainda inexplorado e potencialmente consumidor.

O segundo fator de sucesso está nesse conceito de marketing inovador, feito por uma agência de relações públicas que criou um site com supostos relatórios policiais sobre os desaparecimentos, entrevistas, e depoimentos. Também tinham panfletos pedindo ajuda e informações sobre os estudantes eram distribuídos nos cinemas. Foi tão realista que as pessoas passaram a “acreditar” que era verdade. Os direitos internacionais de O Projeto da Bruxa de Blair foram comprados em Sundance por meros 1,1 milhão de dólares. Quando ganhou distribuição mundial, o fato de que todos “sabiam que era ficção” gerou uma certa dúvida na platéia e quase unanimidade entre os críticos (que aprovaram).

E quem era a Bruxa de Blair? Ouvimos os relatos de que na década de 1940s, um eremita da cidade de Blair, Rustin Parr, teria sequestrado e matado sete crianças, no porão de sua casa isolada na floresta. Ele se entregou à polícia alegando que “uma mulher fantasma encapuzada o obrigou a fazer isso”. O único sobrevivente, Kyle Brody, descreveu que Parr o fez ficar parado em um canto do porão, de frente para a parede, enquanto os brutais assassinatos aconteciam. É uma informação essencial mencionada meio que sem destaque, mas quando lembramos, é tarde demais.

O depoimento sobre os crimes cometidos por Parr é dado ao trio desaparecido por pescadores que acreditam que a floresta é amaldiçoada e que a mulher de capuz seria o fantasma de Elly Kedward, uma senhora banida de Blair e enforcada em 1785, depois de ser acusada de bruxaria. Antes da chacina de Blair já havia a lenda de uma criança chamada Robin Weaver, que desapareceu por três dias em 1888 e quando voltou falou sobre uma velha cujos pés nunca tocavam o chão. Além disso, no século 19, cinco homens foram encontrados ritualisticamente massacrados em Coffin Rock, mas seus cadáveres desapareceram. Acampados e seguindo a trilha, Heather, Michael e Joshua passam a deparar com situações estranhas, ouvir ruídos e logo se perdem. É só o começo de muita tensão.

Vamos acompanhando os sustos, os medos mas a sequência que digo ser espetacular é a edição que une as imagens de Heather e Mike até a conclusão (inesperada) que nos deixa sem ar. São poucos minutos e onde tudo que ouvimos ao longo do filme vai se materializando, encerrando antes de que algo aconteça, mas o suficiente para que usemos nossa imaginação. Sério, já dei o spoiler, mas ainda assim é sensacional.

Daniel Myrick e Eduardo Sánchez criaram o conceito de O Projeto da Bruxa de Blair assistindo a documentários sobre fenômenos paranormais e ficarem com mais medo do que vendo filmes de terror. Outras influências foram O Iluminado, de Stanley Kubrick; Alien, de Ridley Scott, A Profecia e até Tubarão, de Steven Spielberg, que demora a mostrar o predador e usando a música para dar medo no público. As cenas finais foram filmadas na histórica Griggs House, localizada no Parque Estadual Patapsco Valley, perto de Granite, Maryland. As filmagens foram concluídas em 31 de outubro, Halloween, ou assim reza sua lenda.

Hoje é mais desafiador ver em O Projeto da Bruxa de Blair algo artisticamente único, com as imagens propositalmente mal gravadas e até editadas, mas pelo conjunto de sua iniciativa, por ter mudado a proposta, mesclando a curiosidade mórbida de true crime e sobrenatural, garante sua posição no topo para os fãs do terror, revolucionando o gênero e inspirando uma nova onda de popularidade de terror. Embora seja difícil encontrá-lo em plataformas, chegando a um quarto de século, já se confirma como tão lendário quanto sua bruxa. Clássico de Halloween.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário