The Morning Show nos confude propositalmente

Para quem vive e cobre as notícias, a equipe da UBA gosta de evitar transparência e se meter enrascadas. Não há um único personagem sem segredos cabeludos ou 100% empático em toda série. Em dado momento, cada um erra conscientemente e depois sofre o medo das consequências, mas apenas porque elas podem eventualmente ameaçar o extremamente milionário modo vida cada um, jamais por arrependimento ou responsabilidade. Nesse cenário, embora naveguemos com duras verdades, é extremamente complexo ‘torcer’ por alguém e quando Alex (Jennifer Aniston) desabafa que não quer mais lutar pela emissora, fazemos a metáfora com The Morning Show. E no ante penúltimo episódio de uma ótima temporada, voltamos à estava zero. Vejamos.

A venda da UBA ainda não está concluída e por isso em risco de todos os lados. O único que a quer é Cory (Billy Crudup), que sabe muito bem que a conclusão pode ser sua cadeira ir para Stella (Greta Lee), mas igualmente pode ficar sem nada se a emissora quebrar. Depois de termos uma perspectiva mais pessoal dele em toda temporada (seu amor não correspondido por Bradley (Reese Witherspoon), sua relação complexa com sua mãe (Lindsay Duncan) ou namoros sem futuro), voltamos ao “velho” e irritante Cory: o que está nervoso, batendo de frente com as pessoas e fazendo inimigos. Salvo Bradley, que ele mesmo reconhece que o acha útil, mas não se importa com ele, ninguém gosta de Cory. Acho que nem ele mesmo. Porém ele é o realista da série: duramente enfrenta Alex e Stella com a falsa percepção de poder e autonomia das duas: Alex, por estar exposta (mais uma vez) por seu relacionamento pessoal com um homem acima dela, comprometendo na visão pública sua integridade e Stella que acha que Paul Marks (Jon Hamm) a quer promover por admirar seu trabalho, e não, como todos avisam, porque sabe que é fácil manipulá-la. Deixar claro que o patriarcado ainda não está ameaçado não ajuda Cory, dentro ou fora de The Morning Show. Sua tranquilidade de disputar a posição com Stella nem é porque ela não é capaz de substituí-lo, mas porque tirá-lo da jogada é tão caro que ele sabe que a emissora vai seguir os números, não a equidade ou capacidade.

E é isso. Temos de um lado uma notícia alarmante: o Supremo Tribunal decide tornar o aborto ilegal e as jornalistas mulheres aproveitam o tema para se posicionarem e ganharem a opinião pública, mesmo que a segunda motivação seja a principal e inconsciente para elas. A única que genuinamente sofre é Chris (Nicole Beharie), que mais uma vez se mete em enrascada com redes sociais. Em uma série onde empáticos não tem vez, o drama de Christina meio que desvia de coisas mais sérias, não chega a lugar nenhum. Ela não disputa ascensão profissional, não está brigando para ter entrevistas exclusivas ou nada do gênero, só está frustrada pessoalmente. Claro, também volta a ser a jornalista ameaçada de sua segurança, mas como aconteceu seguidamente vejo que Chris está virando uma nova Bradley, uma armadilha que mais uma vez não aprofunda a complexidade feminina mas explora os clichês que nos faz desconectar com ela em vez de torcer por ela.

Enquanto isso, Laura (Julianna Margulies) está cada vez mais incomodada coma óbvia intimidade de Bradley com Cory e acaba investigando a namorada. Ela não esbarra com nenhuma evidência da noite que o casal teve na temporada dois, mas sim com o crime acobertado pelo executivo, que mentiu para o FBI pela apresentadora e o fato de que ela apagou a evidência do envolvimento do irmão nos ataques ao Capitólio. Sendo efetivamente a única repórter mulher íntegra da série até o momento, Laura está em crise porque percebe o quanto Bradley tem usado a todos, inclusive a ela. O que Laura vai fazer com essa informação está incerto ainda, mas é curioso que no vazamento de informações ninguém tenha buscado nada pessoal das pessoas que mandam na UBA. A irrelevância da emissora ou das personagens não poderia ficar ainda mais claro quando a própria história não dá a importância do risco ou consequência da ação dos rackers quando a vida de todos corre normalmente. Enfim…

A foto de Alex e Paul foi parar nos jornais, todos sabem do romance e ela decide que não vai falar nada e pior, depois de forçar a mão de que queria a entrevista exclusiva, escolhe que é melhor engavetá-la. A liberdade que Alex quer, tem e exerce na emissora é como se ela estivesse usando a UBA como uma rede social. Não responde à ninguém do comando, faz o que quer e ainda está insatisfeita. Tenho que colocá-la na minha lista das mulheres/personagens problemáticas porque chegamos praticamente ao fim da terceira temporada e as motivações de Alex seguem nebulosas quando queremos ser carinhosas e irritantes se somos realistas. Bradley sofre de algum transtorno impulsivo e é manipuladora, mas vem de um lugar onde mesmo querendo expor os poderosos, quando abraça uma causa não é (somente) para projeção pessoal. Faz parte dessa necessidade autodestrutiva. Alex não. Alex é linda, inteligente, famosa e poderosa, mas está sempre liderando paradoxos ou hipocrisias. Não abraçou o #metoo por concordar com o movimento, mas porque ela seria exposta de ter tido um caso com Mitch (Steve Carrell). Não escolheu Bradley como co-âncora por sororidade, mas porque ao sofrer o etarismo e machismo, ter uma bandeira feminista garantiria – como foi o caso – sua sobrevida e ascensão profissional. Apoiou executivos do Conselho da UBA quando Cory não a obedecia. Não apenas decide a pauta de seu programa, como decide a programação da emissora: só exibe o que quer. Isso JAMAIS acontece em uma emissora. Apresentador precisa passar pela chefia para mudar a pauta e a programação, no caso Stella e Cory combinados. Mas Alex, que agora é a namorada do futuro dono, faz o que quer. Será que está arriscando mais do que está percebendo?

Sabemos que Paul escapou da revelação do assédio à Stella, tanto porque comprou a ex protegida (e namorada?) como seduziu a atual defensora, Alex. Mas Stella sabe que há algo pior que ele ainda está escondendo e pede à Bradley para fazer a investigação. Voltaremos ao tema.

Mia (Karen Pittmann) localiza o fotógrafo Andre Ford (Clive Standen) no ar dando entrevista para Laura na concorrência e o confronta por ter a deixado se martirizando de pensar que tinha morrido na Rússia. Aliás, mais uma notícia que é tratada como irrelevante em The Morning Show: a guerra da Ucrânia. O furo de reportagem dado pela UBA aparentemente não teve nenhum efeito na audiência ou credibilidade da emissora porque a redação é um buraco onde nós perdemos a noção do tempo. Embora Bradley apresente o jornal da noite, ninguém vai pra casa ou circula na cidade, estão todos nos camarins ou escritórios, em horários incompatíveis ao que me parece. Outro enfim…

Antes das reviravoltas que encaminham para colocar Alex e Bradley de novo em lados opostos, Chip (Mark Duplass) está solteiro e desempregado mais uma vez, graças à Alex. Gente, ela tinha mais que razão dessa vez porque ele não emplacou nenhum entrevistado de peso (porque ninguém quer mais estar no show da Alex, mas é a função dele driblar isso) e a expôs trazendo uma convidada que a humilha no ar (com propriedade). Chip claramente vai ajudar Bradley (e Cory) a desmascarar Paul, mas no caso dele todos vão questionar a motivação: seria ciúmes de sua relação doentia com Alex? Outro parentêses aqui: é um disperdício ter um ator do porte e capacidade de Mark Duplass tão jogado como está em The Morning Show. Chip é um dos executivos punidos pela conivência com o patriarcado e sua queda profissional, mas um dos raros bem intencionados na série. Ele e Bradley se entendendo depois de tanta cabeçada ficou também sem contexto, Chip seria disputado por qualquer emissora concorrente e fica como um profissional qualquer. Assim como Cory é o soldado de Bradley, ele se permite ser usado e abusado por Alex. Queria vê-lo com maior dignidade e função na história.

O oitavo episódio nos coloca na principal reviravolta da história, que são os bastidores da venda da emissora.

Como falamos, Alex tem feito o que quer dentro da UBA, mas sem alcançar o que quer que esteja almejando, ou melhor, a adoração irrestrita de ninguém além de Chip. Frustrada, ela confessa à Paul que não quer mais “salvar” a emissora e fica surpresa com a agilidade que o atual namorado concorda e propõe um “novo plano”, que claramente sempre foi o que ele estava fazendo: vender a UBA quando o negócio fosse concretizado, para “recomeçar do zero” e total domínio das notícias, definindo o jornalismo em seus “próprios termos”. E agora Alex? Paul garante que com isso ela teria o Poder que acha que não tem, mas muita gente além de Cory sofreria com a decisão.

O que The Morning Show espertamente está fazendo é nos confundir sobre quem é Paul Marks. Stella o descreve como implacável, Cory o vê como um perigo necessário, mas Alex o vê como um solitário romântico mal compreendido. Não importa o quanto nos avisem que ele é falso e manipulador, nem mesmo Amanda (Tig Notaro) que é a prova de que algo sinistro está rolando nos faz entender as motivações verdadeiras do bilionário. Ele parece estar apaixonado de verdade por Alex, tanto que terminamos vendo Amanda fazendo um novo acordo como uber vilão Fred Micklen (Tom Irwin), que quer destruir Cory. A venda da emissora significava livrar-se dele, mas agora Amanda fez uma aliança perigosa para descobrir o valor dos ativos da UBA. Fred se diz “feliz em ajudar” o que é, claro, um pesadelo para todos os envolvidos.

Nas prováveis danças de cadeiras, sabendo que teremos uma quarta temporada, é ainda incerto se Bradley e Alex voltarão a rivalizar, se Laura vai destruir a namorada, se Stella vai pegar o lugar de Cory, se Chip vai ser colateral no meio de tantas disputas escusas. The Morning Show tem suas falhas, mas nos deixa ainda intrigados e curiosos para entender quem ganha em um jogo tão sujo. Considerando que Jon Hamm é uma grande adição e Billy Crudup “roubou” o protagonismo, UBA será vendida, não será desmantelada e os bastidores serão tóxicos e tensos como nunca. Sem vencedores, mas um provável empate técnico. Vamos ver!

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