O jogo está nas mãos de Alex, e agora?

Venho falando e repetindo e está confirmado que The Morning Show finalmente nos engajou na terceira temporada, seguindo os passos da perfeita Succession, onde os temas de fusões, bilionários e o futuro da midia se encontram. E o resultado é um drama de nos deixar sem fôlego e perguntando onde vão parar.

No caso da série da Apple TV Plus, em vez de um estrangeiro bilionário como Lukas Matsson (Alexander Skargaard) comprando uma rede de notícias para cobrir seu prejuízo em start-ups, temos o americano Paul Marks (Jon Hamm), que é um bilionário comprando uma rede de notícias para encobrir seu prejuízo fazendo foguetes. A motivação dos dois é a mesma, o plano parecido (desmantelar a empresa para vendê-la, deixando milhares desempregados) e o fato de que jogam sujo acabando e humilhando a vida de seus adversários imediatos é material perfeito para uma série dramática. E, assim como Succession, não há mocinhos. Todos os lados são repletos de pessoas ruins, narcisas, milionárias e oportunamente empáticas quando suas vidas são colocadas em cheque. Mais ainda na cola da série da HBO Max, a conclusão da temporada não dá sinais de que será ‘positiva’: Stella (Greta Lee) avisou desde o início que Paul Marks era um jogador inescrupuloso e implacável. Apenas Alex Levy (Jennifer Aniston) se recusa a admitir o fato porque afinal de contas no momento ele é seu namorado. Quem nunca?

É gente, segundo consta, Inteligência Artificial é a palavra chave de 2023, mas se os sucessos dessas duas séries sugerem alguma coisa é que “medo de bilionário” estaria no topo. Não fossem as greves que atrasaram as premiações, Succession estaria nadando em Emmys (merecidos) e que quando forem entregues em 2024, já terá diminuído a febre. The Morning Show, por outro lado, estará mais na memória recente de um público com muito conteúdo e ainda assim achando que falta mais. Onde vai parar a ganância geral?

Ainda no paralelo, a única pessoa que pode “salvar” o mundo como está, e isso merece um parênteses, é justamente Alex Levy, assim como contávamos com Shiv (Sarah Snook) para impedir Lukas de vencer. Lukas e Paul são homens tóxicos e típicos de tudo que nós mulheres gostaríamos de nos livrar, mas são tão perfeitos exemplos do que o patriarcado representa que eles conseguem manipular facilmente homens e mulheres, armando as fraquezas de cada um contra eles próprios. Mais do que ver o império de seu pai desmantelado nas mãos de pessoas que despreza, Shiv teme que seu irmão Kendall (Jeremy Strong) seja o “vencedor”. Ela queria mandar e se não fosse ela, a única pessoa que não aceitaria seria Kendall então ela deixa tudo implodir, virando a figura feminina submissa que tanto detestamos nesse universo de homens. Foi devastador e paradoxal pois Kendall era muito distante de um herói, inclusive tendo omitido a morte de uma pessoa (literalmente). Alex tem o mesmo conflito com Cory. Ela está sendo manipulada por Paul, é claro, mas independentemente de tudo ver a derrocada de Cory – para ela – vale acabar com tudo. E depois do que sofreu não apenas nas mãos dele, é lógico dentro da narrativa de The Morning Show.

E que distância cobrimos na série! Ela nasceu com uma proposta de ser uma atualização de A Malvada (All About Eve), ressaltando a disputa feminina pelo estrelato em um jornal matutino, colocando Alex e Bradley (Reese Witherspoon) em lados opostos. Como veio o movimento do #metoo, a dinâmica mudou para colocá-las como exemplo de sororidade e todos os outros desafios atuais, fossem racismo, falta de equidade, etarismo, preconceito sexual ou outros, passeavam nas pautas e bastidores da emissora fictícia da UBA. Nessa emissora, a rainha sempre foi e se manteve na figura de Alex Levy.

Jennifer Aniston ganhou vários prêmios por sua atuação em The Morning Show, mas é Billy Crudup como o histriônico Cory Ellison. O “monge executivo” que é apaixonado por Bradley foi humanizado nessa temporada, com revelações que ainda prometem ser relevantes. Ele é filho de uma ativista feminista que nenhuma das mulheres parece citar, mas de quem são fãs. Com essa perspectiva, é curioso tentar entender como Cory é tão diferente do que sua mãe certamente ensinou, embora tenha ficado mais claro porque é tão dedicado e apaixonado por Bradley. Bradley, como já avaliei, é uma mulher com sérios problemas de saúde mental, sendo o principal sempre a colocando para implodir o que alcançou. O arco dela está completo: quando pressionada e chantageada por Paul, ela poderia chutar o balde como fez em temporadas anteriores, mas cede para proteger sua família e sua namorada, Laura Peterson (Julianna Marguiles). Esse triângulo amoroso é hoje o mais interessante da série, mesmo que para nossa surpresa tenhamos tido confirmação que a relação de Bradley com Cory seja ainda platônica, embora tivesse ficado explícito que não. Assim a acusação de que a jornalista conseguiu subir dormindo com o chefe foi meio que escanteada. Por hora.

O penúltimo episódio da temporada sabiamente excluiu o drama de Mia (Karen Pittman) que ficou irrelevante diante de todo resto. Christina Hunter (Nicole Beharie) protagonizou um dos episódios mais fortes de todo The Morning Show, mas na sequência caiu na armadilha de Alex e Bradley, personagens que de fora parecem estranhamente sofridas quando são famosas e ricas, mesmo que no caso de Christina, o racismo seja algo que mude o cenário. O problema é que a crise atual de Christina é ser uma jornalista, uma influencer que expressa mais opiniões e não mais se limita ao nicho de esporte, onde começou. Honestamente, com o mundo caindo, ela ainda está priviliegiada e não nos engaja. Aliás, embora possa significar que a vejamos menos, uma vez que a UBA está implodindo espero que ela opte pela felicidade e aceite o novo emprego. Alex certamente não está com ela em suas prioridades.

Eu fico me perguntando o que Alex realmente quer. Pediu para “ter um lugar na mesa”, ou seja, ser acionista? É só pedir para conseguir? Alex consegue me irritar ainda mais que Bradley Jackson. A atuação superstimada de Jennifer Aniston não ajuda, suas expressões são limitadas e carrancudas. Alex é vazia em motivações e atuações e resta a ela desfilar os poucos sentimentos possíveis. Nas primeiras temporadas ela estava mais preocupada em esconder seu romance com o predador sexual Mitch Kessler (Steve Carrell) assim como seu casamento de fachada usando o feminismo como escudo. Conseguiu dar a volta por cima, faz o que quer na emissora e ainda reclama que Cory não a obedece. Agora, namorando mais uma vez um homem de poder, tem ele à frente para que ela se sinta no comando. Péssimo!

E aqui está o grande problema de The Morning Show, um que Billy Crudup não tem: Jennnifer Aniston e Reese Witherspoon têm que se entregar à vilannia descarada de suas personagens para que a história dê certo. Com a maturidade que tem, Alex Levy nunca acreditaria ou diria que está apoiando a destruição da emissora porque ela quer construir algo do zero e idealista. Um canal no Youtube? Mesmo? Porque seria o mais “independente” possível, mas aí não poderia esquecer que derrubou a entrevista com o verdadeiro vilão da hora, seu namorado, porque ela não queria cimentar que sua reputação estava no lixo por estar com ele. Alex não é mais a jornalista que posa ser, assim como Bradley não foi quem achou que fosse. Só Cory é quem é. E agora a série depende de uma virada de Alex para “salvar” sua existência.

E aqui está a sinuca de The Morning Show que não chega ao mesmo patamar de Succession. A disputa dos irmãos Roy pela empresa era shakesperiana, e mais ainda, era uma herança moral assim como material. Os discursos moralistas usados por eles eram apenas disfarces para brigarem entre si para determinar quem era o escolhido pelo pai para ficar com a coroa. Em The Morning Show, vimos que Cory tinha um plano, mantém esse plano e que age deliberadamente para alcançá-lo. No entanto, nem Bradley ou Alex estão na briga política do poder como Shiv estava, o comprometimento delas com o negócio é apenas uma questão de ego. Mais ainda, elas parecem completamente despreparadas para uma posição executiva de jornalismo, menos ainda de liderança de negócios. Mas é o que temos. As poucas horas de “salvar” a UBA e impedir a fusão me parecem irrelevantes e intransponíveis a essa altura, assim como as carreiras de Cory e Bradley estão além de qualquer reparação. Sob essa ótica, Alex já alcançou a meta de implodir tudo. A questão é: e agora?

Dito isso, pode ser que Alex finalmente e tardiamente perceba que Paul Marks foi o vendedor de todas as partidas: tirou Cory, Bradley, Stella e a própria Alex da jogada. Os dois primeiros por terem seus segredos revelados, Stella por ter vendido seu silêncio e Alex mais uma vez com sua reputação em risco. Será que Chip  (Mark Duplass) vai rir por último. No momento é o que está menor no radar de Paul e com isso maior liberdade de jogar tudo no ventilador. Nada que salve a UBA ou The Morning Show, mas quero ver como vão concluir!


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário