Nadar contra a maré: Nyad é uma história fascinante

Se você não acompanha esporte, provavelmente nunca ouviu falar em Diana Nyad, uma atleta americana que fez uma longa e bem sucedida carreira de maratona aquática. Se sua história já não fosse densa e repleta de vitórias, aos 61 ela alcançou uma ainda maior sendo a primeira pessoa a cruzar 177 quilômetros de nado livre em mar aberto, nadando de Cuba até a Flórida. Essa é a base da história do filme Nyad, na Netflix, que reúne duas grande atrizes – Jodie Foster e Annette Bening – em atuações incríveis.

Há muito o que tirar da obsessão de Diana Nyad de fazer o percurso e aqui está a chave do drama. Ela tinha uma carreira de sucesso, estava aposentada mas resolve desafiar o mundo que a coloca na caixa de “idosa” como se a idade a incapacitasse de tudo, até mesmo sua paixão pelo nado. Ela estava parada há nada menos do que 30 anos quando tomou essa decisão de realizar um sonho pessoal de infância e que tinha tentado, mas abandonado antes de parar de nadar: ser a primeira pessoa a cruzar o “monte Everest” da natação, em outras palavras, nadar em mar aberto entre Cuba e Estados Unidos. E mais: concluir o trajeto sem uma gaiola de proteção contra tubarões.

A proposta era considerada impossível para qualquer jovem, mas, para uma mulher de 60 passou a ser um desafio irresponsável. Nada que impedisse Diana (Annette Bening). Em uma árdua jornada de quatro anos de treinamento intenso, apoiado pela melhor amiga e sua técnica, Bonnie Stoll (Jodie Foster), e uma equipe de médicos, marinheiros e nadadores, ela lutou contra a maré de pessimismo e preconceito, numa metáfora inspiradora.

O roteiro de Julia Cox usa a biografia de Diana, Find a Way, como base de informações e aqui está uma originalidade do filme. Em geral, as biopics romantizam suas personagens, mostram suas verdadeiras motivações e a transformam em heróis. Nyad usa o caminho menos óbvio para nos conquistar: Diana não é simpática em momento algum, ao contrário, é irritante, é narcisista e até suicida quando se recusa a aceitar as dificuldades de nadar em um mar com tubarões, águas vivas e correntes que a tiram de sua trajetória. A tenacidade não vem com empatia nata, é complexo para nós, que sabemos do resultado, a torcer por ela. Mesmo as informações cruciais como seu técnico homem abusou dela sexualmente quando tinha apenas 14 anos são compartilhadas de forma inesperada, sem que isso tome o centro da trama mas definitivamente compartilhando como o trauma passou a ser um dos motores e limitadores de uma mulher sofrida, que sempre se recusou a perder.

Annette Bening é uma grande atriz que ainda não teve o reconhecimento da Academia – foi indicada quatro vezes, sem vitórias – e ninguém poderia duvidar que se não apenas se transformaria em Diana Nyad, como a faria “sua”. Sem maquiagem, sem glamour, Annette tem a difícil missão de nos conectar com uma pessoa teimosa e antipática como o filme apresenta a nadadora, e consegue com louvor. Rhys Ifans em sua rápida aparição como o navegador John Bartlett, que foi crucial para o desafio e vitória de Diana, também brilha, mas o filme é quase de Jodie Foster, mesmo que em tese no papel apoiador como é o de Bonnie Stoll. Bonnie, ex-namorada e melhor amiga de Diana, é sua contrapartida em tudo, na emoção, no carinho, na simpatia e nas entregas. Sem ela, não há filme como não haveria vitória. Jodie navega por todas as emoções com tanta sinceridade que nos apaixonamos por ela e ficamos todos querendo uma Bonnie como melhor amiga e técnica. Sem dúvida, na onda dos Oscars biopics, as duas merecem indicações e até considerações para vencer.

Nyad é um exemplo como um filme biográfico pode ser sincero e envolvente pelo tema que quer ressaltar. A vitória de Diana Nyad aos 60 anos é bem diferente se ela tivesse alcançado sua meta aos 30, como tentou. Ela mesma ressalta que a maturidade é justamente o diferencial e consegue provar que mesmo com um corpo mais velho, que qualquer preconceito é o pior obstáculo. Vale o mergulho e todas as braçadas para assistir e também para ver quando duas grandes atrizes estão em cena, como tudo parece um mar calmo. Ótima pedida para fechar o ano.


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