Na sexta temporada de The Crown, revivendo o aniversário de 50 anos da (hoje) Rainha Camilla, a série pôs o Rei Charles, na época príncipe, fazendo uma declaração pública de amor à sua namorada, e, em especial, citando algumas das palavras mais românticas escritas pela genial Jane Austen. Quem é tiete de Jane como sou, em especial de seu último (e mais lindo) livro, Persuasão se emocionou antes mesmo que ele começasse. Não se sabe se Charles realmente fez a citação, mas o paralelo com a obra é perfeito.
Eu nunca amei outra além de você
Capitão Wentworth diz a Anne Elliot em Persuasão, de Jane Austen

Embora o livro mais famoso de Jane seja Orgulho e Preconceito, e a popularidade de Emma também coloquem as outras obras em segundo plano, há uma grande força entre os admiradores da autora de eleger o livro que só foi pulbicado postumamente como o seu melhor. Eu acho.
Persuasão mantém a tradição de uma heroína sem beleza física aparente, de uma mulher carinhosa e dedicada à família e amigos, assim como uma mulher que segue as regras da moral e restrições femininas, mas, diferentemente das anteriores, Anne Elliot se ressente de ter feito a escolha errada e se auto condenado à uma vida solitária, sem esperanças. Essa tristeza perene, resignada e romântica fazem dela uma mulher apaixonante que é considerada ‘velha’ aos 27 anos. Como já escrevi antes, 30 nos tempos de Jane Austen eram os 50 de hoje, com o mesmo peso de etarismo. No livro, quando tinha apenas 19 anos, Anne conheceu o Capitão Frederick Wentworth, ainda sem títulos ou fortunas, e é persuadida por sua mentora de não aceitar o pedido de casamento – embora os dois estivessem apaixonados – para ter uma união mais estável e de seu nível com outro homem, um que ainda poderia vir a conhecer. Obediente, Anne vai contra seu coração e rompe com o namorado, partindo seu coração irremediavelmente. Anos se passam e ela não apenas não encontra ninguém – na verdade recusa qualquer outro – e quando ela e o ex se reencontram ele está rico e ela pobre, mas, para piorar, “velha”. Wentworth a humilha sutilmente sendo frio, embora a gente perceba pelo livro que há uma esperança entre eles. Pressionado para casar, ele elege a linda, jovem e futil Louisa Musgrove como pretendente, deixando Anne ainda mais triste porque gosta da menina e tem que testemunhar a paquera dos dois em silêncio. Um acidente quase tira a vida de Louisa e providencialmente traz outro homem na vida da jovem, surpreendendo Anne. Ao ouvir uma crítica masculina à vulnerabilidade de Louisa, Anne a defende, explicando que as “as mulheres amam por mais tempo, mesmo quando toda a esperança se foi.” Ao ouvir essas palavras, Wentworth escreve a mais bela declaração de amor na litetura, explicando à Anne que nunca a deixou de amar. Os dois reatam, se casam e são felizes para sempre.
Corri na conclusão porque posso falar da beleza do livro para sempre, mas quero mencionar as ligações com The Crown. Primeiro, o triângulo amoroso que reflete o que Charles, Diana e Camilla viveram. Charles foi persuadido a não lutar por Camilla, se casou com a jovem Diana e nunca deixou de amar sua atual esposa, criando o caos sentimental e político na Família Real. E comparar Diana à Louisa não é errado, pois ambas eram passionais e jovens, mas não eram perfeitas para Wentworth, que tinha carinho por ela, mas não era apaixonado.Portanto, quando chega à meia-idade, Charles decide lutar por sua felicidade e como sabemos, ele não abriu mão de seu verdadeiro amor por nada. Nem opinião pública.
A carta diz:
Não posso mais ouvir em silêncio.
Devo falar com você pelos meios que estiverem ao meu alcance. Você perfura minha alma. Estou meio agonia, meio esperança. Não me diga que cheguei tarde demais, que sentimentos tão preciosos se foram para sempre. Ofereço-me novamente a você com um coração ainda mais seu do que quando você quase o quebrou, há oito anos e meio.
Não ouse dizer que o homem esquece mais cedo que a mulher, que o seu amor morre mais cedo. Eu não amei ninguém além de você. Posso ter sido injusto, fraco e ressentido, mas nunca inconstante. Só você me trouxe para Bath. Só para você, eu penso e planejo. Você não viu isso? Você pode não ter entendido meus desejos? Não esperei nem esses dez dias, poderia ter lido seus sentimentos, pois acho que você deve ter penetrado os meus.
Mal consigo escrever. Estou a cada instante ouvindo algo que me domina. Você afunda sua voz, mas posso distinguir os tons dessa voz quando eles se perderiam nos outros. Muito bom, muito excelente criatura! Você nos faz justiça, de fato. Você acredita que existe verdadeiro apego e constância entre os homens. Acredite que seja o mais fervoroso, o mais inabalável, em
FW
Devo partir, incerto do meu destino; mas voltarei para cá, ou seguirei seu grupo, o mais rápido possível. Uma palavra, um olhar, será suficiente para decidir se entro na casa de seu pai esta noite ou nunca.
Ainda está com os olhos secos?

Vejamos agora outros paralelos interessantes em The Crown. É fato de que a Rainha Elizabeth II, embora não ajudando a Princesa Diana, se opôs à Camilla por décadas, mesmo depois do divórcio do filho. Alegam que entre os íntimos chegou a chamá-la de “aquela mulher horrível”, mas aos poucos, reconheceu que Charles não queria outra e concedeu sua benção, terminando seus dias próxima à nora hoje Rainha da Inglaterra. Não era sem tempo. O Dever à Coroa contra o verdadeiro amor foi a razão pela qual Elizabeth chegou ao trono, pois seu tio era o herdeiro e abriu mão de tudo por Wallis Simpson. Logo depois, a irmã de Elizabeth, Margareth, foi persuadida a abrir mão de seu primeiro amor, um homem divorciado, para não interferir na monarquia. Margareth nunca foi 100% feliz romanticamente e a sombra da dúvida se fez a escolha certa persistiu, tanto que em The Crown ganhou destaque em todas as temporadas. Ter Margareth na festa e ligando para Elizabeth, defendendo Camilla e Charles, é fechar um ciclo com chave de ouro. Não sabemos se foi verdade, mas a imaginação de Peter Morgan mostra sua habilidade para contar como lindas histórias de amor se cruzam.
E já que estamos falando de cruzamento, é poeticamente lindo também que seja a atriz Olivia Williams que esteja interpretando Camilla em The Crown quando essa carta é lida. Isso porque a BBC fez um LINDO e IMPERDÍVEL filme nos anos 1990s sobre Jane Austen quando estava escrevendo Persuasão e quem interpretou a escritora? Isso mesmo, Olivia. Miss Austen Regrets não é fácil de encontrar, mas vale a pesquisa. Ele contextualiza uma Jane que embora soubesse escrever sobre o amor como poucos, jamais viveu um grande romance publicamente.
Se você entende inglês, recomendo também ouvir a leitura de Cynthia Erivo do livro. E mantenha o kleenex por perto. Quem avisa, amiga é.
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