As escolhas em The Buccaneers

O natal de The Buccaneers começou com uma inocente – e sempre barulhenta – união das meninas apenas para acabar mais uma vez com tudo de cabeça para baixo. Se distanciando cada dia mais da obra original, mantendo as linhas gerais do drama, a série ainda distrai, mas está longe de merecer elogios.

Um dos problemas que vejo nem é o anacronismo, ou a intenção de entrar na escola de Bridgerton, mas porque parece um uso frio de algoritmos para criar um conteúdo que tem agradado. Prova que sem alma, não engata. A história inacabada de Edith Wharton já não estava no mesmo patamar de seus outros livros, seria sua tentativa de um final feliz e talvez por isso tudo não seja uma das obras mais adaptadas para cinema ou TV. Escolhas que não alcançam o objetivo? Reflete o episódio que merece um rápido recap.

Em tempos atuais é muito difícil vender uma história onde as mulheres precisavam se casar para ter sustento e posição social. Se fosse por amor, que sorte! A frequência de casamentos arranjados ou acertados (onde havia mera amizade) era bem maior, daí tantos dramas que emocionaram o público feminino por tantos anos. A heroína sofrendo por um amor “impossível”. Agora que temos efetivamente autonomia sobre tudo, casar, ser mãe, trabalhar… nada disso faz sentido. Portanto o coração do drama de The Buccaneers já é bem distante de qualquer história onde se possa reafirmar o empoderamento feminino. A época da gaiola dourada as mulheres eram tudo, menos empoderadas.

Portanto, se você sente que o drama da série é raso, não está longe do principal problema dessa adaptação. No livro, Nan se casa com Theo e é infeliz. Ele se revela frio e distante e ela sofre por Guy. O drama é que depois que se casa, não tem outra alternativa a não ser ficar ao lado do marido que despreza e em tese ficamos ansiando por uma alternativa. A Nan que estamos acompanhando, impulsiva, sem seguir regras está sofrendo por ser dependente de drama, aparentemente. Mas voltemos ao episódio.

Como sempre, se as buccaneers estão juntas, o volume é alto. A guerra de neve incomoda os castos britânicos e elas não se importam. Rapidamente percebemos que as dinâmicas não mudaram: Jinny está sendo gaslit pelo marido, embora seja fixada em Lizzy. A amiga finalmente confessa a ela o que aconteceu com James antes do casamento dele com Jinny, mas a reação dela (para tempos atuais) é inesperada. Ela duvida da amiga, a humilha e para provar sua fidelidade ao marido, a pedido dele, conta o segredo de família sobre Nan. Por que? Não faz sentido. Jinny quer ser a perfeita esposa inglesa, sofre por ter alma americana, mas a única coisa que não fez até o momento foi sempre usar o segredo da ilegitimidade de Nan em qualquer situação. Jinny merece James, nada muda isso.

Do lado de Mabel, as coisas andam mais práticas. Ela disfarça seu romance com Honoria flertando abertamente com Miles. Os dois se dão bem, embora não tenha o mínimo de atração entre eles. Que diferença isso faz? Miles sabe que terá que se casar em breve, com quem quer que seja, e Mabel também sabe que tem a opção de ser “solteirona” ou ter um casamento de fachada. Para desespero de Lizzy, que estava mais do que pronta para voltar para os Estados Unidos, Mabel decide pelo casamento de fachada. Assim, ela imagina, ficará mais perto de Honoria. Sem dúvida essa é a melhor parte de todos os dramas de The Buccaneers.

Honoria está sofrendo com tudo: por ser tão reprimida, por ver Mabel com um homem, por ver que Conchita e Richard têm chance de serem felizes, se ele realmente quisesse. Claro que nós já sabemos a razão do que é o verdadeiro problema para ele – um affair com Laura Testvalley – e como não há como contar para a esposa, ele sofre. Diante de tudo que eles fazem e sentem, mais uma vez, fica raso. O casal se ama e quando está à sós, se entende. Mas por alguma razão, embora esteja tudo aparentemente bem, estão “secretamente separados” até que Richard seja um homem autêntico. Até o momento, nada, nem o affair ou a posição social dele sugerem algum obstáculo real para superar tudo, mas é Honoria quem intervém. O triângulo amoroso é desfeito quando ela tem uma conversa com a governanta lembrando que apesar de cuidar da filha de Richard, a Sra. Testvalley não faz parte da família ou da vida dele. Enquanto estiver por perto, ele não terá uma chance. Então ela se “sacrifica”, aceitando outro emprego e deixando a casa imediatamente.

Vamos falar de Laura Testvalley. A série está fazendo uma zona para quem não conhece o livro. Ela foi governanta de Richard e Honoria, foi para os Estados Unidos com eles, foi contratada pelos Saint Georges para cuidar de Nan, mas está novamente trabalhando com Richard para cuidar da filha dele. Nem explicando assim faz sentido sua presença navegando entre eles. Como já antecipei, claramente ela é a mãe biológica de Nan nessa versão, portanto em algum momento da história ela já esteve na América e de alguma forma costurou todas as relações entre nobres falidos e jovens ricas americanas. É melhor apenas aceitar e não tentar pensar em um timeline que faça sentido.

Outra mudança de 180º do livro é a relação amigável de Nan com sua sogra, a Duquesa de Tintagel. As duas se entendem, Nan é o oposto do que se espera para uma futura nobre, mas ela faz Theo feliz e é o que importa. Tanto que mesmo sendo uma mãe preocupada com o filho, a Duquesa é adepta da sororidade e alerta Nan que Theo não é o doce que aparenta. Só gosta de seu isolamento, suas pinturas e… brincar com trenzinhos elétricos? Havia eletricidade na época? Vamos ignorar isso também.

Nan e Guy seguem rodeando o que sentem um pelo outro, sem jamais simplesmente falarem de sentimentos e alimentando o drama. Ele confessa que chegou a pensar a se casar com ela por dinheiro, mas que… não completa. Ele quer que ela diga primeiro que gosta dele e ela quer que ele fale. Vai dar mais do que errado essa infantilidade. Nan sofre de perceber que Guy tem uma candidata ideal para um casamento “feliz”, mas como está noiva de Theo e “ama” o futuro marido, assim seguimos. Porém que eis que a Duquesa descobre que Nan é ilegítima e a expulsa da Inglaterra. Não haverá mais casamento!

A jovem confronta Guy: só ele e Jinny sabiam da verdade. Ele promete que jamais falou uma palavra restando então a nunca discreta Jinny. Nan se diz “aliviada” mas acha que uma vez exposta, que deve ser ela a pessoa a contar a verdade para Theo. No caminho confronta a irmã, que não mostra nenhum arrependimento mas logo percebemos que foi James quem contou à Duquesa sobre Nan. Guy, que está prestes a pedir a mão de outra, hesita e parece que vai esperar a conversa de Theo e Nan para tomar uma decisão.

E aí mais uma furada da versão de The Buccaneers. Nan invade o almoço de Natal, é exposta como expulsa na frente de todos e decide que chega de segredos e fala para todo mundo que é sim ilegítima, e daí? Sua mãe é mesmo Patricia Saint George e ela não tem vergonha disso. Me pareceu surpreendente que nesse momento, as jovens que pulam, gritam e dançam só olharam para a amiga sem se manifestar. Quem surpreende? Theo, claro. Que se declara para Nan na frente de todos, dizendo que nada disso faz diferença e que sempre a escolheu por amor. Agora Nan não tem como voltar atrás, mas, uma vez que Guy tampouco mudou os planos de casar com outra, está tudo bem. Ela segue na estrada da infelicidade com um personagem que até o momento teve vários alertas, mas que não mostrou em nada nenhum perigo para a heroína.

A promessa é que se o Natal foi tenso, o Ano-Novo será inesquecível, com a “explosão da rivalidade entre Theo e Guy”. E uma outra notícia “bombástica” na família Brighlingsea. Será que realmente nos importamos?

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