Em Julia a receita é de como fazer TV

Em 2009, Meryl Streep ganhou elogios como Julia Child no filme Norah Ephron, Julia e Julia. Para nós estrangeiros, seu nome não diz nada, mas para quem gosta de TV ou trabalha com conteúdo é Julia é uma das lendas da vanguarda, a “inventora” dos programas de Culinária, o The French’s Chef. Mais ainda, o programa surgiu em uma emissora local de Boston, ganhando espaço no país e depois no mundo, ou seja, uma história fascinante.

Enquanto o filme reflete mais o início de sua carreira como escritora, sendo a primeira mulher a entrar para a machista e exclusiva Cordon Bleu e depois publicando o best seller de receitas francesas para dona de casa americana, a série da HBO, com duas excelentes temporadas, cobre o período ainda mais interessante de toda jornada: como Julia inventou o formato que até hoje é copiado em todos programas de gastronomia. É nada menos do que fascinante.

Interpretada por uma carismática Sarah Lancashire, conhecemos uma Julia Child inquieta, curiosa e determinada em conseguir fazer o que quer. Obcecada com comida, brilhante na cozinha, acompanhar a trajetória da apresentadora é também uma viagem no tempo e um estudo da sociedade americana da época. Com uma produção detalhista e afinada, equilibra situações cômicas com dramáticas com habilidade, nos viciando (e dando fome!) desde o início.

Se engana quem segue fato a fato literalmente. Os shorunners usaram de certa liberdade criativa ao adaptar a vida do ícone da culinária para a HBO Max. Daniel Goldfarb e o showrunner Chris Keyser usaram um material rico de uma extensa pesquisa amarrando imaginação e realidade. Ele citou a peça de 1979, Amadeus, de Peter Shaffer, que ha época inovou ao incluir eventos completamente originais e imaginados na narrativa. O filme (vencedor de Oscar) é uma adaptação desse texto. “Nós meio que imaginamos o que poderia ter sido e o que poderia ter acontecido ou poderia ter acontecido,” disse Goldfarb à Variety quando lançou a primeira temporada.

Momentos como o quase cancelamento do programa de culinária, que não aconteceu, mas que mostra como Julia descobriu e examinou o impacto dele na cultura da época. Também mudou a participação da produtora, criando a fictícia Alice (Brittany Bradford), a produtora mulher e negra que garante a inclusão em uma história que ficaria muito voltada para o publico branco se não refletisse outras questões da época. O que se aplicou para revisitar as dinâmicas dos casamentos reforçando a jornada oposta de um Paul forçado a se aposentar enquanto Julia virava uma estrela.

Aqui entendemos a ausência de David Hyde Pierce no reboot de Frasier porque como Paul Child está praticamente irreconhecível. Não, espera, ele poderia estar em Frasier porque sua parceira de série, Bebe Neuwirth, que interpreta a melhor amiga de Julia, Avis, também faz parte do elenco fixo e apareceu na série da Paramount Plus. É bom demais e é ainda mais divertido quando desfilam nomes famosos porque a história é verdadeira. A ressalva é que se você não conhece a lenda que é Julia Child, ou o período da guerra Fria e o MacCartismo, pode se perder um pouco em alguns momentos porque não se aprofundam, por exemplo, como Paul Child foi afastado da carreira diplomática por desconfiarem de tendências comunistas e gays. A interpretação de Hyde Pierce, que substituiu Tom Hollander, é ao mesmo tempo doce e triste porque o que é insinuado não se aprofunda.

Em oito episódios para cada temporada, Julia pode ter ficado escondida do seu radar, como ficou do meu! É preciso corrigir o erro imediatamente. Ela uma mulher anticonvencional que ninguém jamais apostaria poderia virar estrela de televisão e apoiadora de outras mulheres antes que fosse “moda”, como sua editora americana, Judith Jones (Fiona Glascott) e a francesa, Simone Beck (Isabella Rossellini). Aliás, fiquem tranquilos, os momentos de anacronismo foram evitamos ao máximo, tentando contextualizar o que hoje já é normal com um contexto da época.

A proposta dos criadores é cobrir os 10 anos em que The French Chef ficou no ar, sendo que na segunda temporada saímos dos estúdios e vimos melhor como era a dinâmica de Julia com Simca Beck, uma grande chance de matar as saudades de Isabella Rossellini. Se de fato seguir assim, teremos um período rico de história nos Estados Unidos, chegando até o escândalo de Watergate.

“Julia teve um terceiro ato inteiro depois de ‘The French Chef’ e, pelo menos neste momento, não acho que este programa seja sobre isso”, explicou Goldfarb em 2022. “É uma década realmente incrível na história da América, e todas as mudanças sociais que estão ocorrendo no país, e usar Julia como uma forma de explorar todas essas ideias e temas parece muito rico.”

Bon appétit!


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