Um Quebra-Nozes romântico, um clássico de quase 60 anos no Bolshoi

Ao lado de Giselle, talvez um dos balés mais longevos e populares, produzidos ininterruptamente a cada Natal há 131 anos seja mesmo O Quebra-Nozes. De longe é o mais lucrativo, sustentando companhias e bailarinos ao longo dos anos graças justamente à sua popularidade.

Como já contei em MiscelAna, sua estreia não sinalizava o sucesso que manteve por mais de um século, com conflitos nos bastidores e até o ceticismo de Marius Petipa sobre a história. Ele delegou boa parte do trabalho para seu assistente, Lev Ivanov que, por sua vez, evitou ousar trazer novas ideias. Onde deixou sua própria imaginação fluir, Ivanov foi mais feliz e – para muitos – foi ele quem entendeu plenamente a linda partitura de Tchaikovsky. Tanto que, 10 anos depois da estreia, tanto a Valsa dos Flocos de Neve como o papel da Fada Açucarada (que só aparece no segundo ato), passaram a ser disputados por estrelas da companhia.

Uma das tradições do original é a inclusão de crianças na produção, invariavelmente marcando a estreia de muitos bailarinos justamente com O Quebra-Nozes. Portanto, fosse George Balanchine, Rudolf Nureyev ou o moderno Mark Morris, quase todos tentaram criar sua versão do balé. A de Balanchine, chegando ao 70º aniversário em 2024 é uma das mais populares, alcançando a profundidade da música de Tchaikovsky. Embora o tema da história seja infantil, as melodias são frequentemente densas, quase trágicas, bem ao estilo do compositor.

É irônico que de todas suas versões, a menos “canônica” seja justamente a de Petipa-Ivanov. Na própria Rússia, o Kirov criou uma nova versão em 1934, mantendo a participação de alunos no balé, cores fortes, bonecos e uma árvore de Natal bem iluminada. O que vale citar essa produção foi uma das primeiras tentativas de um certo realismo no prólogo, na luxuosa festa natalina na casa dos Stahlbaum para contrastar com o sonho de Marie/Clara. Ninguém menos do que a jovem Galina Ulanova dançou na estreia. No entanto, além de Balanchine, apenas outro coreógrafo é citado como ter sido capaz de compreender a riqueza da partitura de Tchaikovsky: Yuri Grigorovich.

O grande coreógrafo, que esteve à frente do Bolshoi por mais de 30 anos (e que se aproxima de seu centenário), criou sua versão para O Quebra-Nozes em 1966 e é essa produção que até hoje é a oficial da companhia, sendo considerada uma das mais ricas já imaginadas. Com cenários e figurinos assinados pelo designer Simon Virsaladze, a história “perdeu” sua infantilidade (não há crianças nos papéis de Clara/Marie ou Fritz e seus amigos, apenas adultos. Mais ainda, transformou o balé em uma história de amor, na passagem de Marie/Clara de uma infância para adolescência. Nada mais romântico ter na sua estréia o casal Ekaterina Maximova e Vladimir Vasiliev nos papéis principais.

Outros apontam na adaptação de Grigorivich, que “casa” Marie/Clara com o Príncipe Quebra-Nozes quase que uma meditação filosófica sobre a natureza inatingível do amor ideal, trazendo maior profundidade a um balé que tinha proposta original mais simples, criando um dos grandes clássicos do século XX.

Essa versão de Grigorovich foi filmada várias vezes, com o casal original e várias estrelas desde então. O filme de 1978 guardou a mágica do elenco original para posteridade. Nós que somos fãs desse casal lendário, entendemos como público se apaixonou por vê-los juntos em uma versão mais adulta e romântica de O Quebra-Nozes. Para o coreógrafo, os dois representavam exatamente o que os papéis demandavam: ela, o romantismo de uma jovem amadurecendo e ele o herói ideal dos contos de fadas. O que ninguém questiona é a atemporalidade de sua criação, há 57 anos como a versão oficial do Balé Bolshoi e, ao lado de Spartacus e Ivan, O Terrível, uma de suas “obras assinatura”, trazendo para o repertório magia e a fé milagrosa tão presente nas festas de fim de ano.

Com tantas versões disponíveis, a minha favorita ainda é a de Balanchine, mas a de Grigorovich, que marcou minha infância com o filme de 1978 e o auge do casal Maximova-Vasiliev, me desperta muito carinho. Tecnicamente complexa, extremamente musical e com tantas versões disponíveis ao longo de suas quase seis décadas, é parte da minha tradição natalina rever. Boas Festas!


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