A baronesa jornalista que fez a exclusiva do século

Para os fãs de Game of Thrones, ver Yara Greyjoy bem vestida, educada e falando espanhol fluente é divertido, mas, quem acompanha a variada carreira da atriz Gemma Wheelan é mais um papel que ela nos mostrará sua versatilidade. Em Cristobál, a série espanhola de apenas seis episódios disponível na Star Plus, ela interpreta a jornalista Prudence Glynn, que era colunista do The Times na Inglaterra e que conseguiu um feito histórico: uma exclusiva com o elusivo, revolucionário e misterioso designer Cristobál Balenciaga.

A editora de moda do jornal britânico, tal qual aparece na série, ‘persegue’ Balenciaga no funeral de Coco Chanel, usando um conjunto escarlate que se destaca em meio ao mar de modelos pretos (muitos Chanel, claro). O ano era 1971 e ela não foi à Paris (apenas) para prestar homenagem à estilista francesa, mas para encontrar o “Leonardo da Vinci da Moda”: Cristobál Balenciaga (Alberto San Juan). O espanhol, avesso à qualquer contato com o público (e mais ainda distante da imprensa), tinha se aposentado há três anos e só tinha concedido uma única entrevista em vida, detestando ser fotografado ou abordado por fãs. O conjunto de Prudence era, que dúvida, assinado por ele e ajudou a quebrar a barreira. Desse encontro viria um artigo que registrou a genialidade de um artista que brigou para ficar nos bastidores. Também é a espinha dorsal da série, uma pérola que abre o ano de 2024 com um conteúdo sensível e obrigatório.

Se Balenciaga era um mistério, a jornalista nem tanto. Em 1971, Prudence já estava à frente do conteúdo de moda do The Times há 15 anos, sendo sua primeira editora e conhecida por seu estilo mordaz-informal de escrever. Ela ficou na posição até até meados da década de 1980. Porque tinha boa reputação como especialista de moda, Prudence convenceu Balenciaga de ceder uma entrevista, que levou três dias e onde ele abriu o coração como jamais fez com ninguém antes ou depois. Balenciaga viria a falecer poucos meses depois, aos 77 anos, e o artigo passou a ser umd os dois únicos materiais biográfico com depoimento dele. E o único que ele não se arrependeu.

Publicado em agosto de 1971 com o título de Balenciaga e a vida de um cachorro (Balenciaga et la vie d’un chien, palavras do próprio estilista durante a entrevista, o artigo contribuiu paradoxalmente para contextualizar e alimentar ainda mais a aura de enigma que marca a trajetória de Balenciaga na moda e na vida privada. E para registro: como fica claro na série, uma peça Balenciaga não era barata, Prudence conseguia ter uma porque era baronesa por casamento, e seu marido, o nobre anglo-irlandês David Hennessy, o terceiro barão Windlesham.

Nascida Prudence Loveday Glynn, a jornalista era filha de um oficial aposentado do exército e uma dona de casa, tendo crescido e estudado em Sussex. Assim que se formou trabalhou em publicidade e esbarrou no mundo da moda quando trabalhou com Frank Usher. Passou então a se destacar como jornalista, escrevendo para revistas femininas até se tornar a editora de moda da revista Woman’s Mirror, voltada para o público mais jovem e que revelou a modelo Twiggy para o mundo.

Já estava casada com o político do Partido Conservador David Hennessy, também Barão Windlesham, quando foi contratada para ser a editora de moda do The Times, em 1966, uma decisão estratégica e editorial da publicação para ampliar a imagem do jornal com a criação de um caderno feminino, sem se restringir à receitas de culinária caseira ou a moda da tradicional Bond Street. Apenas em 1967 as mulheres passaram a assinar suas matérias e com isso o nome de Prudence ficou rapidamente conhecido no universo da moda.

O que os leitores gostavam era do estilo espirituoso e mordaz da jornalista, mas o que os fashionistas ressentiam era porque parecia que Prudence não tratava o mundo da moda tão a sério quanto deveria, algo ainda mais curioso para entender como o recluso Balenciaga se abriu justamente com ela.

Durante sua gestão como Editora de Moda, o caderno passou a ser referência no Reino Unido, ois incluía desde os designers tradicionais aos jovens do Swinging London, assim como promoveu marcas de rua. Embora na série pareça doce e suave, sua personalidade era paradoxal. Uma Miranda em tempos pré-Prada, em seu obituário, em 1986, foi descrita como “temida e respeitada, em vez de amada”. Mas há que também a defendesse como gentil e generosa.

Sua entrevista exclusiva com Cristobál Balenciaga a colocou na História da Moda, mas, em seus artigos, ela já era conhecida por ser crítica e defender os designers britânicos e talentos emergentes. No final de sua carreira no The Times, passou a ter uma coluna semanal e não mais chefiar o caderno de Moda. Um ano antes de sua morte, em 1986, ela se transferiu para o The Guardian. Publicou dois livros sobre moda e era uma referência internacional, dando depoimentos em programas de TV e documentários. Morreu aos 51 anos, devido a uma hemorragia cerebral.

De alguma forma, é importante que a sua coragem de insistir na entrevista esteja ressaltada na série. Não existe uma única gravação sonora da voz de Balenciaga, embora a explicação esteja na sugestão de que ele ficou com as fitas, a verdade é que ela prometeu a ele apagá-las depois de usá-las.





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