Os 210 anos de Mansfield Park

Os livros mais famosos de Jane Austen são Orgulho e Preconceito e Emma, mas há um queridinho dos fãs da escritora que está completando nada menos do que 210 anos em 2024: Mansfield Park. O terceiro romance de Jane, ele só teve a primeira crítica pública sete anos depois, ou seja, ficou “escondido” até que a doce história de Fanny Price viesse à tona.

Fanny é uma heroína típica de Jane: tímida, íntegra, obediente e sem uma beleza física que a destacasse mais do que as outras. Para os especialistas, especialmente nos dias de hoje, é paradoxalmente a mais fraca delas, moralista e até fútil.

Meio que uma “Cinderella” inglesa, Fanny tinha apenas 10 anos quando seus pais a mandaram para viver com a tia rica porque eles estavam sobrecarregados com tantos filhos. Em Mansfield Park, Fanny vai desabrochando como mulher, se apaixona por seu primo e passa por algumas surpresas antes do sempre esperado final feliz. É um livro delicioso.

Mansfield Park é um dos meus livros favoritos de Jane Austen onde seu texto está certeiro nas ironias e críticas veladas que faz à sociedade e à natureza humana. Por exemplo, ela jamais fala mal de uma personagem, nem mesmo a chama ou trata como vilã. Ela contextualiza a situação e ressalta a mesquinhez ou maldade das pessoas com palavras doces ou situações nas quais podemos perceber a inadequação delas, quase sempre com a Sra. Norris, uma das tias de Fanny.

Sem surpresa, os leitores aprovaram o livro antes dos críticos pois a primeira impressão esgotou em apenas seis meses. Uma das coisas que meio que passou desapercebido na época foram temas sociais nos quais Jane foi mais clara do que qualquer outra obra, incluindo escravidão, abuso sexual, traição, depressão e casos extraconjugais. Visto como uma “comédia social”, também foi traduzido como moralista pois a integridade de Fanny não sucumbe à nenhuma das falhas que os outros não conseguem evitar. Mas, de novo, a ironia do texto ‘salva’ Fanny porque ela não deixa de ter seus conflitos. Por essas razões, Mansfield Park foi, por muitos anos, considerado o romance mais polêmico da autora, com maior referência histórica e política, assim como personagens mais profundos.

Perto de Emma é engraçado pensar em Fanny como difícil

Insípida, direta, vulnerável, independente para alguns, Fanny Brice não é uma personagem fácil de encaixar no universo de Jane Austen porque ao mesmo tempo que é obediente, moralista e casta, é também opinativa e determinada. Mesmo sob pressão extrema, não muda sua essência, se mantendo fiel à sua consciência, mesmo que para alguns pareça falta de empatia. Para Fanny nada é cinza: ou é certo ou é errado. Porém, quando é finalmente tirada do universo materialista para o que viveria realmente se mantivesse sua intolerância, até ela cede e quase se deixa seduzir. Em outras palavras, é uma personagem contraditória e por isso mesmo interessante. Fanny é abusada emocional e materialmente por todos em algum ponto de sua vida, o que contribui para uma baixa autoestima, e, aos poucos, ela vai desabrochando.

Mas a questão mais delicada de todas é a abordagem do livro é mesmo o delicado ponto da escravidão e como Fanny não confronta a origem do luxo que vive na Inglaterra. Fãs da autora, como a diretora Patricia Rozema que dirigiu o filme de 1999, contesta a versão de que Jane era apologista apresentando a família Bertram como moralmente corrupta e degenerada, algo que não contas nas páginas originais.

Talvez por essas questões, há menos adaptações de Mansfield Park para TV e cinema que as demais obras de Jane Austen. A BBC tem versões de 1983 como uma das primeiras tentativas, em seguida uma segunda em 1997. O filme de 1999 é talvez o mais conhecido, com Frances O’Connor como Fanny Price e Jonny Lee Miller como Edmund Bertram, mas é a obra que toma liberdades com o livro.

Depois dele, apenas em 2003 que Mansfield Park voltou à TV, com Felicity Jones como Fanny Price e Benedict Cumberbatch como Edmund Bertram, mas a tentativa de 2007 foi mais popular na Inglaterra, onde Blake Ritson, nosso querido Oscar Van Rihjn de The Gilded Age interpretou Edmund Bertram.

Em seu aniversário de 210 anos, fica o registro de um conteúdo que merece uma nova análise e mais uma vez uma chance para provar o brilhantismo de uma grande autora.


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