Publicado em CLAUDIA em 2024
Nas palavras de Truman Capote, Babe Paley só tinha um defeito: “era perfeita. Fora isso? Era perfeita”. E o que ele alimentou, com esse resumo, foi a lenda dessa socialite americana, múltiplas vezes liderando a lista das mais bem vestidas do mundo, como uma musa de classe e elegância. De todos os Cisnes que ele “traiu” com seu livro Preces Atendidas, ferir Babe foi o que o fez sofrer e até se arrepender. Mas, será que mesmo Babe como dano colateral, não era mesmo importante revelar a verdade atrás do mito?
A proposta de Capote com seu livro era criar uma versão americana de À la recherche du temps perdu, de Marcel Proust, fazendo uma reflexão da vida e da sociedade, expondo suas futilidades e fachadas de vidas de glamour e riqueza. Quem leu o livro, ou qualquer outra do escritor, argumentaria que ele quase alcançou seu objetivo, mas não avaliou as consequências de seu plano, Nem tanto por conta das personagens, mas porque Capote era um dos mais apaixonados pelo estilo de vida que estava criticando. Nesse universo dos ricos e famosos, ele era adorado por sua língua ferina, e Babe Paley era a Rainha, aquela que todas almejavam ser. Obviamente ela teria que ser ‘revelada’. E doeu profundamente para os dois.

Por essa razão, Capote Versus Os Cisnes dá o destaque entre as solicialites à personagem de Naomi Watts. A empatia que até hoje Babe Paley desperta de gerações que jamais ouviram falar nela até o lançamento da série é singular, e reflete muito o que Babe Paley ainda simboliza. Ela não era atriz, não era cantora, não era esposa de políticos, mas uma mulher famosa que nasceu e morreu em uma vida de privilégios materiais, onde a superficialidade social a colocava em um pedestal. E como o livro de Capote sugere, por baixo disso tudo, estava uma mulher frustrada, solitária, doente e infeliz. O problema de deixar isso claro – sem autorização ou conhecimento da própria Babe – foi uma humilhação extra para ela, que só tinha essa imagem como proteção. Ainda é possível ouvir o rachar de seu coração ao ser exposta tão efetivamente por alguém que dominava palavras tão bem como Capote.
Quem foi Babe Paley?
Se Truman Capote usou duas vezes a palavra perfeição para definir Babe Paley é preciso considerar que ela de fato era o que parecia ser. Sua elegância reconhecida publicamente incluía sua conduta em todos os aspectos de sua vida: social ou pessoal. Escondia atrás de sorrisos e vestidos perfeitos uma infelicidade e decepção que viriam à tona com a publicação do capítulo Le Côte Basque 1965, que saiu na revista Esquire, antecipando o que viria a ser o último livro de Truman Capote.
Truman sabia o que estava escrevendo, mesmo que muitos duvidassem o que ele realmente esperava alcançar com isso. Ele era íntimo de Babe, tinha um acesso privilegiado à ela e seus segredos, mas escolheu traí-la sem nenhum pudor. Será que ele acreditava estar liberando o peso dos ombros da amiga ao revelar como o marido dela era um homem tóxico? Hoje poderia existir essa corrente de defesa, mas há 50 anos não era o caso. Era uma vergonha para ela que o mundo soubesse como foi usada e abusada por todos os homens ao seu redor (incluindo o autor).

Na época que Truman conheceu Babe, ela já era casada com fundador da rede CBS, William S. Paley (Treat Williams, em seu último papel). Na verdade ela era o troféu desse homem ambicioso que muitos temiam por conta de seu poder. Para ajudar a imaginar quem ele era, pense em Logan Roy (Brian Cox), de Succession: grosso, inescrupuloso e perigoso. Na série da HBO, Logan se casou com a nobre inglesa Lady Caroline Colingwood (Harriet Walter) com o mesmo objetivo de ascensão social que Paley tinha ao se casar com Babe, mas Babe era doce e querida, bem diferente de Caroline.
Nascida Barbara Cushing, apelidada de ‘Babe’, em uma família rica de Boston, ela cresceu como uma das mulheres ricas e perfeitas da sociedade americana. Com suas irmãs, ficou conhecida comoparte das “Fabulosas Irmãs Cushing” e, como esperado, todas se casaram com homens ricos e poderosos, banqueiros, filhos de presidentes e herdeiros de petróleo.
Desde que o New York Dress Institute criou a lista anual das 10 mulheres mais bem vestidas do mundo, Babe Paley frequentemente estava entre elas, nada menos do que 14 vezes. Ela era uma original e trend setter natural. Um dos exemplos mais citados inventados por ela foi amarrar um lenço na alça de sua bolsa. Até hoje é imitada. Ela também é uma percurssora do estilo high and low porque mesclava jóias verdadeiras com bijouterias e em seu armário tinha peças exclusivas de Balenciaga, Dior, Valentino e Givenchy. Sim, os estilistas se. sentiam prestigiados se Babe fosse fotografada com uma de suas criações.
Babe raramente sorria e frequentemente era fotografada com a mão próxima do rosto se fossem close-ups, também até hoje criando uma referência de estilo, mesmo que a razão seja que ela fazia isso para disfarçar as cicatrizes de um acidente de carro que também quebrou seus dentes. Plástica e restauração não foram problema para ela, mas ainda assim tinha cuidado para disfarçá-los.

Embora fosse um escândalo, o primeiro casamento de Babe acabou em divórcio, em 1946. Sozinha com dois filhos, não foi difícil para William Paley conquistá-la. Ele logo se divorciaria também de Dorothy Hart Hearst, por sua vez ex de William Randolph Hearst (inspiração para Cidadão Kane e Mank). Barbara já era milionária por conta de sua separação, mas ter um marido influente ainda era importante para ela. E para Paley, o prestígio dela era irresistível. De origem ‘simples’, ele queria a aceitação definitiva da socidade nova iorquina, mas até então não entrava para o círculo principal. Com Babe, ele não teria rejeição.
Se houve afeto entre os dois é outra história. Eles teriam dois filhos juntos e ficaram casados até a morte dela, em 1978. Porém, como ficou claro com o texto de Truman Capote, Paley traía Babe à torto e à direita. Ela aceitava a situação, quieta, fingindo ignorar as escapadas. A vida de luxo dos Paleys incluía casas na Jamaica, nas Bahamas, fazenda em Long Island, casa em New Hampshire, apartamento em Nova York e uma suíte exclusiva no St. Regis Hotel, na mesma cidade, usada como um “refúgio” que foi o cenário de uma das revelações mais escandalosas do capítulo Le Côte Basque 1975.

A amizade de Babe com o escritor nasceu de um mal entendido. Quando o produtor David O. Selznick e sua esposa, a atriz Jenniffer Jones, foram convidados para um fim de semana na casa dos Paley, na Jamaica, perguntaram se poderiam levar com eles o amigo “Truman”. Paley, assumindo que falavam do ex-presidente Harry Truman, respondeu ávido que seria “uma honra”. Quando o diminuto escritor chegou para o vôo, era tarde demais para voltar atrás. Além do mais, Capote já era considerado um dos maiores escritores americanos (ele alimentava o marketing dessa marca circulando em Hollywood com as estrelas) e logo ele Babe se entenderam, ficando instantaneamente melhores amigos.
Assim como oferecia ao marido aceitação, o mesmo aconteceu com Capote. Ao lado de Babe, ele estava sempre sendo adulado, circulando em um universo mágico de glamour, de festas, almoços caros e muita fofoca. Essa futilidade foi exposta pela personagem Lady Ina Coolbirth, que conta sem nenhum pudor todas histórias de seus amigos da alta sociedade durante um almoço. Entre as mais escadalosas estava um magnata da mídia que tem um caso e tenta lavar um lençol manchado antes que sua esposa chegue em casa. Até então, apenas Capote sabia do fato e de quem realmente se tratava. Babe nunca perdoou o escritor por ter usado como material para um livro.

Fumante inveterada, nessa época já tinha sido diagnosticada com o câncer no pulmão que viria tirar sua vida. Em seus últimos anos, ela planejou meticulosamente sua despedida. Presenteou os amigos e familiares com peças de sua coleção de joias e roupas, embrulhando cada um com papel colorido. Selecionou pessoalmente o menu e os vinhos a serem servidos no almoço fúnebre após seu enterro. Mas jamais atendeu a nenhum dos vários chamados ou apelos de Truman Capote para se desculpar. E nunca se divorciou de Bill Paley, que foi enterrado ao lado dela quando morreu décadas depois.
Por conta de seu sentimento de culpa, Truman Capote entrou em um espiral autodestrutivo depois do rompimento. Alternava arrogância (“o que esperavam que eu fizesse?”) à tristeza pelo livro. Nem tanto pelos outros cisnes, Lee Radzwill, por exemplo, não o cortou como as outras. Mas ter ferido Babe o fez sentir mais, tanto que seu nome foi uma de suas últimas palavras antes de morrer. A poesia involuntária de ter alcançado o objetivo – expor a sociedade americana – mas ao preço de manchar uma das mais lendárias musas de seu tempo: Babe Paley.
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