A rivalidade da passarela em tempos de Guerra

A história da rivalidade entre Coco Chanel e Christian Dior, no período após a 2ª Guerra Mundial foi mencionado em Cristobál, a excelente série da Starplus, como Chanel, que tinha fechado seu atelier no período do nazismo, ‘voltou’ da aposentadoria justamente quando Dior lançou sua marca e virou mundialmente famoso por criar o “novo visual”, que ia contrário ao que ela (e Balenciaga) priorizaram para as mulheres: ter uma cintura apertada e saias rodadas. Um resumo exagerado, mas não está longe da verdade.

A série The New Look traz um elenco estelar para recontar esse período de imensa riqueza criativa no universo da moda de maneira contextualizada – e humanizada – de brigas, picuinhas, dramas, heroísmo e amor, com lindas roupas (óbvio!) e revelações que muitas pessoas esqueceram ou não sabiam.

Christian e Catherine Dior: o coração da série

Como antecipado, a história de Catherine Dior (Maisie Williams), a irmã mais nova de Christian Dior (Ben Mendelsohn), que durante a invasão nazista lutou pela resistência francesa, influenciando o famoso designer na criação do ‘new look’ e seu negócio, é o principal fio condutor da série, não a Moda.

Isso porque The New Look é sobre sobrevivência e o impacto da Guerra na vida de todos e como a rivalidade posterior entre Coco Chanel (Juliette Binoche) e Dior nasceu das adversidades daquele período e espertamente esse é o foco da série. E compensa o fato de que Ben Mendelsohn é fisicamente tão distante de Christian Dior, uma vez que o que interessa é o drama.

Nos três primeiros episódios, voltamos no tempo para ver como em 1945, todos os estilitas estavam lidando com o paradoxo de continuar vivendo e não colaborando com os nazistas, cujas mulheres queriam roupas criadas para elas por essas estrelas da Moda.

Os três primeiros episódios focam na sobrevivência

Enquanto em Cristobál vemos que até Balenciaga “teve” que trabalhar com os antagonistas, em The New Look ele é um dos idealistas resistentes. Christian, que trabalhava para Lucien Lelong (John Malchovich), sustenta Catherine e seus amigos da Resistência ao com muita dor seguir em frente criando vestidos que apenas os nazistas têm condição de pagar. Ele não é um colaborador, mas o fato de não reagir é veladamente um problema para ele em casa.

Maisie tem um grande papel nas mãos com Catherine, mas embora esteja bem não tem nada em especial que a diferencie de atuações anteriores. Ela se arrisca cada dia mais e é eventualmente capturada pelos alemães, levando Dior ao desespero e empenho de fazer qualquer coisa para salvá-la. Por isso, quando abre a série e ele é questionado de não ter parado durante a Guerra, explica que sempre há os dois lados da história e que criar (a história de Catherine foi seu segredo por décadas) foi sua forma de resistir.

O que nos leva para a brilhante e incrível Juliette Binoche como Coco Chanel. A colaboração da estilista com os alemães, incluindo ter sido amante de alguns, é uma das manchas em sua reputação e até hoje gera reações. Ela estava com a Maison Chanel fechada, claro, mas a série The New Look oferece compaixão para as escolhas da designer, cuja personalidade de sobrevivência a faz usar pessoas e seguir em frente, em contraste à doçura sofrida e quieta de Dior na história.

Coco e Catherine: duas mulheres com decisões opostas

De cara vemos que, enquanto Chanel desfaz de Dior e sua fama, o designer é mais suave quanto a ela, inclusive a defendendo quando lembram de colaboração para os Nazistas. Christian e Coco viveram o mesmo drama, assim como Catherine e Coco escolheram caminhos opostos.

Coco Chanel era uma celebridade disputada por alemães nas festas em Paris, e, circulava entre eles aparentemente sem problemas. Na verdade, a série sugere, a orgulhosa estilista jamais mostraria fraqueza ou medo, estava com problemas com seus sócios (judeus), algo que o nazismo convenientemente a ‘ajudaria’, dando a Chanel o controle total de sua marca, e mais ainda, precisava dos alemães para salvar seu sobrinho preso e torturado por estar na Resistência Francesa. Por ele, Chanel comprometeu seu nome e legado.

A sugestão é simptática à ela, claro, mas aqui está o brilhantismo de Binoche: Chanel não é boa pessoa, não é empática e sempre reverte as situações a seu favor. Seu envolvimento com os alemães teve peso para salvar a vida de quem amava, mas foi muito conveniente para resolver questões mais delicadas de negócios também. A vemos se enrolar cada vez mais em situações perigosas apenas porque está apavorada, mas, de fora, jamais mostrando fraqueza.

Dior é menos exposto que ela de alguma forma, mas quando Catherine, que é puro idealismo, desaparece justamente nos últimos dias de ocupação em Paris, ele mesmo faz o que pode para tentar salvá-la, por isso não se vê capaz de julgar Chanel pelas escolhas que ela mesma fez pela mesma razão. Não será sempre assim, mas por hora é importante.

Trilha sonora atualizada e de época

Cada episódio termina com uma gravação de um standard da época com artista contemporâneo, para ilustrar a música do período da guerra. Isso também é de uma elegância ímpar em The New Look.

Florence Welch cantou The White Cliffs of Dover, a banda 1975 fecha o segundo episódio com This is The Hour e Lana del Rey dá voz ao clássico Blue Skies. Emociona, um detalhe que faz toda diferença sem ser exagerado.

Uma Chanel antagonista

Como falamos, ainda mais que Ben Mendelsohn, que está perfeito como Dior, é Juliette Binoche que tem o desafio de nos fazer conectar com a antagonista da história. Ela está fascinante, refletindo todos os paradoxos da personalidade da lendária estilista.

A participação de Emily Mortimer como Elsa Schiaparelli é outro destaque de The New Look. A ‘briga’ das passarelas pode ter sido entre Chanel e Dior, mas é com a estilista italiana que a semente é plantada.

Como mostram nos episódios, ao lado de Chanel, Elsa foi uma das figuras mais proeminentes do mundo da moda entre as duas Guerras Mundiais e uma das pessoas que conectou a francesa com importantes políticos e investidores da época. 

Dior vai mudar o cenário da moda mundial em 1947 com sua primeira coleção de alta costura em Paris. Batizada como Corolle, em homenagem às pétalas em forma de sino que copiou para o formato de suas saias, ela será determinante para irritar Chanel, competitiva e opositora do look que colocava as mulheres de volta às cintas por conta da silhueta estruturada.

Mas, antes de tudo isso, é com Schiaparelli – que testemunhou Chanel agindo como espiã nazista – que o legado da francesa ficou manchado de maneira irreversível. O embate das duas é importante, pois nenhuma é idealista, ambas querem manter uma vida de luxo, mas traz maior contexto para o excelente trabalho de Binoche na pele de uma mulher tão complexa como Coco Chanel. Tudo que faz de The New Look uma grande série para acompanhar em 2024.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário