Em seus três primeiros episódios, The New Look fez mais por Chanel do que Dior, sem explorar exatamente como os dois estilistas, Coco (Juliette Binoche) e Christian (Ben Mendelsohn) viriam a antagonizar amargamente no período pós-guerra, com o sucesso de Dior ‘forçando’ Chanel sair da aposentadoria, para, segundo as palavras dela, “salvar” a Moda.
Todo trailer da série reforça o conflito, mas não chegamos perto dele até a metade da temporada. Quase que ao contrário: ao começar o flashback para endereçar um ponto sensível – como sobreviver à Guerra e manter o idealismo – a série embarca em tudo menos Moda e a treta entre os designers.


Trabalhando para Lucien Lelong (John Malcovich), Dior seguiu trabalhando e vestindo as mulheres de generais italianos e alemães enquanto Chanel, em tese se recusando a fazer o mesmo ao fechar seu atelier, foi além ao se envolver romanticamente com nazistas na etapa final da guerra. Portanto, The New Look argumenta que ambos estiveram do mesmo lado ao ignorar a resistência por amor: Chanel e Dior não mediram esforços para salvar àqueles que amavam (ela o sobrinho, Andre Palasse, e ele a irmã, Catherine (Maisie Williams), presa pelos alemães e enviada para um campo de concentração).
Juliette Binoche teve a vantagem até agora: Chanel é complexa, dramática e com o arco mais desafiador: como foi denunciada como colaboradora nazista, seu legado foi manchado pelo que The New Look sugere consequências de um sacrifício pessoal e a denúncia de uma ex-amiga: Elsa Lombardi (Emily Mortimer). Será que foi assim mesmo?
Quem foi Elsa Lombardi?
Elsa Lombardi na verdade se chamava Vera Bate Lombardi, o uso do primeiro nome igual à inimiga de Coco Chanel na Moda, Elsa Schiaparelli é confuso, mesmo que Vera também tenha se transformado em ex-amiga, como vemos na série e é verdade.
Com o humor e sagacidade típicos da atriz Emily Mortimer, a passagem de “Elsa” na trama é ao mesmo tempo engraçada e trágica, reforçando o narcisismo de Chanel, que ela simplifica como “instinto de sobrevivência”. Veremos que uma coisa não elimina a outra.
A verdadeira “Elsa Lombardi” nasceu em Londres como Vera Nina Arkwright, em 1883, de família nobre e ativa na sociedade britânica. Há suspeitas de que essa ascendência com a nobreza viesse de um vínculo muito forte, pois uns sugerem que ela possa ter sido filha ilegítima de alguém da Família Real, uma vez que circulava até com o príncipe herdeiro, algo que a fazia particularmente mais interessante para Coco Chanel.

Por conta de seu rico primeiro marido ser um americano, Frederick Bate, que era um oficial do exército americano, Chanel e Vera se conheceram ainda durante a Primeira Guerra Mundial, em Paris. Brigdet Bate, a filha dos dois, nasceu logo depois, mas pouco depois de 10 anos juntos se separaram, quando Vera conheceu seu segundo marido, Alberto Lombardi.
Como oficial do exército italiano, Alberto fazia parte do Partido Nacional Fascista Italiano e sua esposa também se tornou membro, deixando os dois em contato direto com o ditador Benito Mussolini. Nos primeiros anos do conflito mundial, Vera desfrutou dos benefícios dessa posição política do marido, mas em breve tudo passaria a ser minimamente problemático.
Como cidadã britânica e uma com relações tão importantes, Vera passou a ser suspeita de espionagem, embora desse lado nada tenha sido comprovado. Foi por causa de Chanel que ela protagonizou uma ação mal explicada e suspeita, a hoje conhecida como Operação Cabana Modelo (ModelHut).
Uma conexão importante antes e durante a Guerra
Foi por conta de sua amizade com Vera que Chanel conseguiu acesso à aristocracia britânica. As duas se davam tão bem que dizem que foi a inglesa quem inspirou Coco para alguns de seus looks e nos anos 1920s passou a ser embaixadora da marca Chanel na Grã-Bretanha.
Quando a Guerra eclodiu, as duas já estavam afastadas e por conta de seu casamento com Alberto, Vera vivia com todo luxo possível em Roma. Porém perto do fim da Guerra, as coisas estavam meio difíceis para ela. Por conta de sua proeminente presença na Embaixada Britânica em Roma, Vera era vista com desconfiança pelos aliados e pelos facistas.
Em 1943, Vera foi presa e mantida durante uma semana numa prisão feminina italiana suspeita de espionagem, sendo libertada por ordem da polícia alemã em Roma apenas quando Chanel precisou de sua ajuda para algo maior: realmente ser uma espiã.
O que foi a Operação ModelHut e o que deu errado
Não é fato, como mostra The New Look, que Coco Chanel tenha sido destacada pelos alemães para colaborar com eles por algum tipo de ameaça velada. Ao contrário.
Quando os alemães invadiram Paris, Chanel ostensivamente fechou todas as suas lojas em apoio à França, mas se mudou para viver no Hotel Ritz, na Place Vendôme, onde toda alta patente nazista estava fixada também. Nessa convivência ‘forçada’, ela desenvolveu um relacionamento com Hans Günther Von Dincklage, ou “Spatz”(Claes Bang), que a envolveu na controversa Operação ModelHut e outras ações repreensíveis.

Documentos descobertos em 2014 mostram que a estilista efetivamente usou sua influência junto ao governo nazista para usar as leis antisemitas a seu favor e derrubar os concorrentes judeus na indústria de perfumes na França. O que não é claro foi como ela acabou virando uma Mata Hari nazista ao tentar chegar à Winston Churchill no final da Guerra.
O contexto da operação é o seguinte: em 1944, já estava claro para muitos que o domínio nazista estava com os dias contados e que as Forças Aliadas invadiriam a França a qualquer momento. Como assessor do líder SS Heinrich Himmler, Spatz usou sua amante, Coco Chanel, para negociar um tratado de paz com os ingleses sem o conhecimento de Hitler. Chanel redigiu uma carta endereçada ao Primeiro Ministro e precisava de alguém para entregá-la à embaixada britânica em Madrid, na Espanha. Daí, como vimos em The New Look, precisava da ‘ajuda’ de Vera.
Com o poder de Himmler e Spatz, Vera foi libertada de sua prisão por espionagem e levada para Paris onde foi brifada do plano. Oficialmente ela estaria viajando a negócios para tratar da abertura de novas lojas de Chanel em Madrid, mas o importante era deixar a carta para Churchill na Embaixada Britânica. Fácil, certo, concorda? Nem tanto.
Ao chegar a Madrid, Vera Lombardi foi como combinado à Embaixada Britânica, mas, uma vez lá, nomeou Chanel e Spatz como espiões nazistas em vez de negociar a Paz. Chanel e Spatz fugiram, mas Vera ficou sem conseguir deixar Madrid até 1945, mais de um ano depois.
Como Vera morreu e Churchill ajudou as duas mulheres
A vida de Chanel ficou apavorante dos dois lados: falhou com os nazistas e passou a ser perseguida na França como criminosa de guerra. Fugiu para Suiça e quando chegou o dia do julgamento, foi por influência direta de Winston Churchill que foi absolvida.
Já Vera teve um destino mais trágico. Sem conseguir sair de Madrid, ela pediu ajuda a Churchill, que demorou mais de um ano para ajudá-la a voltar para a Itália, em 1945. Dois anos depois, Vera Lombardi morreu, aos 60 anos, de causas desconhecidas. Embora possa ter sido natural, há quem levante a dúvida de uma retaliação como o verdadeiro motivo de sua morte. A incerteza alimenta a imaginação.
Sua rápida passagem por The New Look é relevante justamente por ter sido tão importante nesse capítulo sombrio da trajetória de Chanel. As espiãs elegantes, porém ineficientes dos dias de Guerra.
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