O misticismo de Dior em The New Look

Nem todos que assistem a The New Look são especialistas de moda, portanto não conhecem tanto as vidas dos estilistas que lideram a história, em especial, Christian Dior (Ben Mendelsohn). Não atrapalha, a série está didática sem irritar os iniciados. Porém o que ainda só foi mencionado en pasant e deve ter passado desapercebido é que Dior era extremamente supersticioso, tomando várias decisões – pessoais e profissionais – nas cartas de tarô. Isso, você leu certo.

No primeiro episódio, Catherine (Maisie Williams) menciona com o amante, meio que divertida sem entender o quanto era justificada a crença do irmão, que uma vidente teria dito a ele, quando ainda jovem, que uma vidente disse que ele viveria pobreza, mas que acumularia grandes lucros e sucesso através das mulheres. Na série, ela diz algo traria prazer às mulheres, algo que era engraçado para ela, ciente de que o irmão era gay. Como tudo em cartas e visões, nada é tão literal. Dior, efetivamente, ficou milionário e até hoje sua marca faz mulheres muito felizes. Queria saber o nome da cigana!

A fé de Christian Dior para profecias ajudou, sem dúvida. E há uma mulher que terá grande influência na vida dele (além de Catherine): a misteriosa Madame Delahaye, o papel da atriz Darina Al Joundi. Uma personagem que será de extrema importância para a série.

Dior alegava que sua superstição vinha do berço

Se Catherine era prática antes mesmo de todo trauma que viveu na Guerra, Christian sempre teve um lado místico acentuado, algo que a vida só reforçou com uma série de fatos.

Christian nasceu em 21 de janeiro de 1905, em Granville em uma família com conforto material por conta do comércio de produtos químicos de seus pais, Maurice e Madeleine. Segundo ele, sua avó materna o ensinou desde cedo a jogar tarô, a descobrir os segredos das artes divinatórias, identificando os sinais do destino além de respeitar as premonições. Seu mantra, aprendido com a avó era “o acaso sempre vem em auxílio de pessoas que têm grandes desejos de fazer alguma coisa”.

A principal evidência – para ele – que a avó estava certa veio quando ele tinha apenas 14 anos, como mencionado por Catherine em The New Look. Em uma feira de caridade na sua cidade, o pequeno Christian se vestiu de cigano e saiu para vender amuletos. Com bons resultados, chamou a atenção de uma médium que se ofereceu para ler sua mão. “Você vai ficar sem dinheiro, mas as mulheres serão favoráveis ​​a você e você terá sucesso por causa delas. Ele obterá grandes lucros e será forçado a fazer numerosas viagens,” ela disse.

Para um rapaz gay, depender das mulheres parecia um tanto desafiador e mais ainda, os Diors eram ricos. Parecia mesmo uma piada. Porém em poucos anos, quando veio a Grande Depressão após a 1ª guerra mundial, o negócio da família faliu. Pobre, a primeira parte da leitura parecia ter se concretizado.

Christian, que sempre se interessou por costura e prestava atenção aos vestidos feitos para sua mãe, colecionava cadernos desenhando os modelos maternos. Para ajudar em casa, passou a vender esse material, se estabelecendo como designer de moda, o que o levou à Paris e à Maisons Agnès e Schiaparelli, assim como a Maison Piguet.

Com a morte de sua mãe, em 1931, vítima de um câncer, Christian teve que lidar com a falência dos negócios dos pais, e sua vida então passou por extrema dureza. Sem dinheiro, precisava de ajuda dos amigos e para piorar, contraiu tuberculose e ficou desempregado. Ele mantinha a confiança na cigana que tinha previsto as dificuldades, mas também o sucesso.

Sinais e amuletos: uma vida dependendo deles

Se a fé no destino veio dos ensinamentos de sua avó, o tempo só colaborou para que Christian se mantivesse adepto à superstições e amuletos.

Depois que superou a tuberculose, ele decidiu seguir sua intuição e apostar na sua paixão por design de moda e criar suas próprias peças para vendê-las em jornais e revistas. Fez sucesso e logo passou a ser requisitado por muitas casas de moda, mas apenas aos 35 anos que veio o sucesso, quando estava trabalhando com Lucien Lelong (John Malkovich).

A essa altura a 2ª Guerra Mundial transformou a Europa, com a invasão nazista em Paris colocando os estilistas em uma encruzilhada de parar de trabalhar e passar fome, ou aceitar e vestir os inimigos. Lelong foi um dos que aceitou a segunda opção e Dior, que trabalhava para ele, também. Quando Catherine, que morava com ele e estava envolvida com a Resistência, foi presa e enviada para um campo de concentração, era como se Christian tivesse recebido a sentença de morte da irmã.

Na série The New Look, estamos justamente na pior fase da vida pessoal do estilista, que tentou de tudo para salvar Catherine, sem sucesso. Havia apenas uma única pessoa que garantia a ele que ele conseguiria reencontrar a irmã viva: a taróloga Mme. Delahaye (Darina Al Joundi).

Quem foi Madame Delahaye?

Quem foi Madame Delahaye? Honestamente? Sabemos pouco de sua origem nem mesmo seu primeiro nome, mas é famosa porque Christian Dior não fazia nada, NADA mesmo, sem consultá-la primeiro.

Como se conheceram e a origem dela? Não sabemos ao certo. Ela atendia no chiquérrimo 16º arrondissement de Paris, perto da Torre Eiffel e tinha uma clientela de estrelas. De todas as leituras e previsões de Delahaye, a mais importante é justamente é sobre Catherine! Ela garantia que a jovem sobreviveria ao Campo de Concentração e que se reuniria ao irmão.

A sugestão de manter a esperança, na época, era quase cruel, mas Delahaye previu incansavelmente que o retorno da deportação aconteceria entre maio e junho de 1945. Acertou.

Sem Madame Delahaye, não haveria Maison Dior

Nem com tanto talento Christian Dior tinha confiança de se lançar em um negócio próprio. Tinha mais de 40 anos, o trauma da falência dos pais, o desaparecimento de Catherine, seguir na Maison Lelong era seguro. Mas as cartas de Madame Dehalaye não concordavam.

Historiadores comprovam que foi a taróloga quem definitivamente o pressionou a criar sua própria marca. Dividido entre a fidelidade à Lelong e suas dúvidas pessoais, Christian foi convidado pelo empresário Marcel Boussac, o “Rei do Algodão”, para assumir a direção artística da grife Philippe et Gaston. As palavras de Delahaye eram positivas e ousadas: “’Aceite! Aceite!”, disse, mas não para assinar por outros. “Ele tem que criar a Maison Christian Dior. Independentemente de quais sejam as condições iniciais”, ela avisou, “nada que eles possam oferecer mais tarde é comparável à oportunidade que lhe é apresentada hoje!’”.

Se as Cartas e a Taróloga balançaram o designer, sua avó mística reforçou que era um sinal do destino. “Será extraordinário! Esta casa vai revolucionar a moda!”, ela avisou. Ainda assim, ele vacilava.

Como sabemos pela História e o depoimento do amigo de infância, Georges Vigouroux. Com a cabeça cheia de dúvidas, Christian tropeçou em um objeto quando caminhava na Faubourg Saint-Honoré, quando se abaixou para ver o que era, viu que era uma estrela. Para ele o sinal definitivo. Aceitou o desafio, desde que fosse a sua marca pessoal e que tivesse a palavra final em tudo. Nascia uma lenda.

O mundo se curvou à Dior, que seguiu com suas crenças

Em 1946, Christian Dior montou sua casa de moda no número 30 da Avenue Montaigne em um período intenso – curto – e totalmente conduzido pelo misticismo do designer. Por exemplo, seu número era o oito, que representa a transição, então a Maison Dior estava no 8º arrondissement da cidade e só estreou sua grife no dia 8 de outubro. A Maison tinha oito andares, oito escritórios e o número também era refletido nas silhuetas dos desenhos.

Outro número que respeitava, o 13, cuja carta no Tarot é a Morte, mas que significa renascimento, era outro em constante uso. Em cada desfile, eram 13 modelos para todas as suas apresentações.

Nas barras dos vestidos, escondidos, estavam a flor de sorte de Dior: a muguet recheada. Nos bolsos de designer sempre tinha um trevo de quatro folhas, um pedaço de madeira e um pedaço de ouro.

A única vez que ignorou Madame Delahaye foi fatal

Desde que estabeleceu o ‘new look’ em 1947, Christian Dior ganhou prestígio mundial (e desavenças com Coco Chanel (Juliette Binoche)) e mudou a história da Moda.

Depois de tantos anos e acertos com as cartas de Delahaye, que ele sempre respeitava antes de qualquer lançamento ou desfile (como vimos na série também), é um mistério por que o estilista tenha ignorado alguns dos conselhos dela.



Em uma de suas últimas consultas ela pediu: “Não viaje para Toscana”. Mas Christian, exausto, queria descansar na Itália e foi mesmo assim. Aos 52 anos, sofreu um ataque cardíaco repentino quando jogava cartas Montecatini Terme, na tarde de 24 de outubro de 1957. Morreu na hora, deixando o mundo da Moda chocado e incerto.

Os negócios de Christian foram conduzidos por Catherine e a marca até hoje é uma das mais prestigiadas do mundo. Recentemente a Maison Dior fez uma coleção em homenagem à Madame Delahaye durante a Paris Fashion Week. Mas talvez ainda mais importante tenha sido a cigana sem nome que acertou na leitura do jovem Dior que, um dia, também merece ser lembrada. Afinal, ela também acertou em cheio nas previsões. Com tudo isso, alguém ainda duvida do poder da Fé?


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