Fanny Elssler: uma “violenta paixão” pela dança que transformou o balé

O século 19 foi um grande período para a Dança Clássica, com algumas das maiores lendas transitando pelos palcos, de Marie Taglioni, Carlotta Grisi a Fanny Elssler, são vários ícones. O período romântico onde as pessoas que ‘inventaram’ o balé clássico conviviam.

Se Marie Taglioni foi a primeira super estrela, Fanny Elssler tinha admiradores em patamar parecido, sendo que rendem à ela o crédito de ter revolucionado a dança. Espirituosa e hábil, tinha uma ponta mais bonita que a de Taglioni e um carisma que esquentava as apresentações. Em tempos pré-digitais e binários, as duas protagonizaram uma rivalidade acirrada. Hoje vamos focar em Fanny, que faleceu há 140 anos, mas ainda alimenta a nossa imaginação.

Vienna: a capital da música e o berço de bailarinas

Assim como Marie Taglioni, Fanny Elssler nasceu em Vienna (seis anos depois) e era filha de pessoas ligadas à Arte. Seu pai, era copista do compositor Joseph Haydn, o que coloca a pequena Fanny próxima de grandes nomes desde o berço.

Os pais a queriam como cantora de ópera, mas a pequena Fanny só queria dançar. Desde criança foi treinada no balé, estreando nos palcos antes mesmo dos 7 anos. Sua parceira inicial era sua irmã Therese, dois anos mais velha e parceira de classe também.

Para os Elsslers, Fanny e Therese estavam destinadas à fama e elas estudaram com os melhores professores austríacos, sendo mandadas para Itália quando a bailarina completou meros 9 anos já para aprimorar a técnica. Essa temporada italiana foi importante para determinar que aos 17 e 19 anos as duas saíssem de Viena para se estabelecessem em Nápoles. Uma vez lá, Fanny já começou a se destacar mais.

Romance e fama: a temporada italiana

Fanny Elssler – que mais tarde seria sempre mencionada como a pessoa que trouxe a sensualidade e a teatralidade para o balé – ganhou fama dentro e fora dos palcos. Nas apresentações, já demonstrava ser melhor que Therese, mas a amizade das duas seguiu uma vida inteira inabalada com isso.

Bonita e alegre, Fanny despertou paixões na nobreza europeia, colecionando romances. O primeiro e mais notório foi com Leopoldo, filho de Fernando IV, príncipe de Salerno. Mesmo com grande diferença de idades entre eles (20 anos), ela se tornou sua amante e engravidou, precisando retornar para Viena para abafar o escândalo. O filho foi colocado em um lar adotivo.

O próximo amante de Fanny foi outro homem bem mais velho, dessa vez o estadista Friedrich von Gentz, que se empenhou em educá-la intelectualmente. Com ele, Fanny aperfeiçoou o alemão e aprendeu a falar francês. Ela era dedicada a ele e ficou ao seu lado até sua morte, em 1832, abrindo mão de contratos vantajosos para ficar com Friedrich.

Em seguida, ela se apaixonou pelo dançarino e colega Anton Stuhlmüller, famoso em Berlim e de quem ela engravidou. Sem estar casada e novamente exposta à um escândalo, as irmãs Elssler foram para Londres onde Fanny deu luz à uma menina que foi acolhida pelo casal George e Harriet Grote, que adotaram a pequena Theresa pelos próximos nove anos, quando Fanny finalmente decidiu abraçar seu maior desafio: dançar em Paris.

Elssler versus Marie Taglioni: rivalidade em tempos pré-binários

Com o sucesso onde quer que se apresentasse, era apenas uma questão de tempo que Fanny fosse convidada para entrar para a maior companhia da época, o Ballet da Opéra de Paris. Quem reinava absoluta em Paris era Marie Taglioni e a chegada de uma bailarina mais jovem gerou a rivalidade que o público e críticos queriam.

Marie e Fanny não poderiam ser mais opostas em temperamento e estilo, algo que ficou claro e criou o drama que trazia o público em tempos pré cultura de massa para escolher um lado. A administração do Opéra, sem dúvida, percebeu a oportunidade e contratou Fanny como principal, desagradando Marie, naturalmente.

Era natural que viessem comparações e inseguranças. Marie não tinha físico para o balé – tinha braços longos e postura curvada – e com isso seu pai, Filippo Taglioni, criava passos e coreografias onde disfarçava os ‘defeitos’ da filha, ressaltando suas qualidades com passos leves, saltos e valsados, como o baloné: um passo no qual ela saltava no ar estendendo uma perna para a frente, para o lado ou para trás e pousava com a perna estendida tocando o tornozelo. A maior revolução de Marie na dança, além desses novos passos, foi trazer a sapatilha de ponta para o balé. Elas foram usadas no La Sylphide, para ressaltar a espiritualidade do papel, mas foram adotadas para todas as apresentações depois, mudando para sempre a dança.

Fanny Elssler, cuja personalidade forte também diferia da tímida Marie, logo se destacou pela precisão no Allegro, onde brilhava no passos pequenos e rápidos, que ficaram conhecidos como “danse tacquetée”. A essa altura, a força nos pés também ajudaram a recém chegada, cuja ponta é elogiada e reconhecida até hoje. Juventude, agilidade, sensualidade, beleza e acima de tudo, novidade, ajudaram à Fanny Elssler a eclipsar por um tempo a lendária Marie Taglioni.



Enquanto fadas e espíritos eram as preferidas de Marie, considerada por Historiadores a melhor entre as duas, Fanny apostava em danças mais terrenas. Quando em 1836 dançou a cachucha espanhola com castanholas no balé Gide Le Diable boiteux, virou a maior estrela mundial do ballet. E Paris logo ficaria pequena demais para as duas.

Fanny Elssler: Europa ficou pequena e a Dança chega aos Estados Unidos

Hoje poderíamos questionar a campanha que o poeta Théophile Gautier, apaixonado por Fanny, criou ao intitulá-la como a resposta “pagã” à forma “cristã” de Marie, sendo que a própria Elssler dançava La Sylphide, o papel criado por sua “rival” enquanto a recíproca não era a mesma.

A verdade é que percebemos que pouco mudou: homens alimentavam a divisão entre mulheres, destacando beleza versus feiura, sexo versus recato, e pior, velhice versus juventude. Os seis anos que separavam as duas bailarinas foram usados ‘contra’ Marie, na eterna busca de criar e derrubar ídolos, mas Fanny lucrava com isso.

Depois que brilhou em Gide Le Diable boiteux, as danças típicas (que sempre tiveram espaço no balé) ficaram na moda, em especial, a espanhola. À frente da tendência, Fanny ampliou o repertório trazendo passos poloneses na cracovienne polonesa (Krakowiak) e a tarantela italiana, que aprendeu em seus anos em Nápoles.

Se Marie Taglioni fez da tule branca sua assinatura, Fanny gostava de cores fortes, com figurinos de cetim e renda, emprestados da cultura espanhola. Mas o que a destacava ainda mais era sua habilidade teatral, que usava com fervor para trazer um aspecto dramático para suas atuações. Ela não apenas superava Marie em La Sylphide, como Carlotta Grisi em Giselle, onde acrescentava danças exclusivas para suas apresentações. Em tempos de culto às bailarinas, o templo de Fanny Elssler rapidamente ficou cheio de fãs apaixonados e a Europa não era grande o suficiente para que ocupasse os palcos. Decidiu viajar para América.

Sua turnê pelos Estados Unidos começou em 1840 e levou dois anos, percorrendo todo país e estabelecendo seu nome como a maior referência da dança clássica para um público nem tão familiarizado com a Arte ainda. Ela – literalmente – parou o país, sendo escoltada pelo filho do Presidente e até fechando o Congresso para que ninguém perdesse sua apresentação na Capital americana. A histeria coletiva é registrada com lágrimas e declarações de que ninguém a superava. Fanny Elssler era naquele momento, a maior de todas.

Rica e famosa, os anos de Elsserlermania

Entre 1840 e 1842, Fanny Elssler era como a Taylor Swift do balé, idolatrada, milionária e insuperável. Ganhava mais de mil dólares por apresentação e emprestou seu nome em produtos que rendiam a ela livros pela marca Elssler: de champanhe, pão, charutos a vários outros. Ela era a maior celebridade pop da época, com amantes ricos e poderosos, uma estrela.

A volta para a Europa não alterou esse status, e Fanny se apresentou apareceu na Alemanha, Áustria, França, Inglaterra e até na Rússia. Portanto, quando a oportunidade de juntar as quatro maiores estrelas em uma apresentação surgiu, em 1845, a expectativa ultrapassou o teto.

O Pas de Quatre, que até hoje é dançado pelas maiores de cada companhia, foi uma ideia de Jules Perrot que conseguiu convencer Marie Taglioni, Carlotta Grisi e Fanny Cerrito a participar, e precisava de Fanny para completar o grupo. Mas, após um tempo de negociação, Fanny recusou.

Certamente o critério “idade”, que deu a Marie o maior destaque de ser a última a cantar, ou seja, a de maior prestígio da noite, contribuiu para a decisão de Fanny de não se curvar diante dela.

A essa altura, dinheiro não era problema para ela, menos ainda fama, e não julgou interessante o trabalho ou desgaste (de fato, nos bastidores houve uma guerra de egos). Em vez de dançar com as ‘rivais’, Fanny foi substituída pela dinamarquesa Lucille Grahn e seguiu com apresentações cada vez mais esporádicas, parando aos poucos de dançar.

Aposentadoria e Morte

Se havia uma mulher importante na vida de Fanny era sua irmã Therese, que fez parte de sua trupe pelos Estados Unidos e estava sempre com ela em toda sua vida. As duas estrearam e se despediram dos palcos juntas, mas enquanto Fanny permaneceu solteira, Therese se casou com um Barão e ganhou o título de Baronesa von Barnim.

Distante dos palcos, Fanny se estabeleceu perto de Hamburgo por três anos, só voltando para Viena para se reaproximar de seu filho, Franz. Mas ele cometeu suicídio em 1873, aos 47 anos. Cinco anos depois, ela perdeu a irmã adorada.

Pelo menos a filha Theresa, sempre devotada à mãe, se com um barão e teve uma filha, batizada como Fanny em homenagem à bailarina.

Apenas seis anos depois de Therese, Fanny Elssler morreu, de câncer, em 27 de novembro de 1884 (apenas seis meses depois de Taglioni). Tinha 74 anos.

A imagem de Fanny Elssler era tão forte que quando o cinema foi criado, duas biopics foram feitas em sua homenagem: Fanny Elssler, em 1920, com Lya Mara e outro filme de mesmo nome em 1937, com Lilian Harvey interpretando a atriz.

Em seu obituário, sua “violenta paixão pela dança” foi uma frase que usaram para determinar como com apenas 5 anos já sabia o que queria fazer. Sua dança e sua vida confirmam a intensidade com que viveu seus dias. Sua lenda fascina gerações até hoje. Uma estrela como poucas no mundo da Arte.


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