Xógun: o impasse da intolerância e ganância

A versão de 2024 para o clássico Xógun entrou na StarPlus em um grande momento: boa parte do público atual jamais ouviu falar na série ou no livro. Os mais velhos? Bem, dificilmente têm memória exata do que viu na TV há mais de 40 anos. E a melhor parte: por conta do atraso das gravações de várias séries em 2023, está praticamente sem concorrência. É hora de curtir!

E a entrega não desaponta. Os dois primeiros episódios foram lançados juntos e sim, pode ficar cansado de ouvir mas fãs de Vikings e Game Of Thrones vão se deliciar com a estrutura de Xógun: há aventura, há política, há drama e é inspirado em uma história real. E com contexto atualizado, ficou ainda melhor. Cuidado com os spoilers abaixo.

Na narrativa britânica, os vilões da colonização os Portugueses e Espanhóis

Se você não conhece a história do Japão feudal será coberto com o que precisa saber na abertura, fique tranquilo. O ritmo da narrativa, apresentando cada personagem local com o que precisamos saber deles por hora ajuda muito. Não há ninguém sem algumas camadas de complexidade e mistério. Ninguém é 100% desinteressado e isso nos mantém atentos.

Há uma vantajem para brasileiros: se você foi um aluno aplicado e lembra das aulas sobre como foi estabelecido o Tratado de Tordesilhas, vai agradecer aos seus professores porque é essencial para curtir o drama de Xógun. Falaremos mais sobre isso aos poucos.

A série abre com o nosso “herói”, John Blackthorne (Cosmo Jarvis), o navegador do navio Erasmus, à deriva, com a tripulação passando fome e sede. Blackthorne está confiante que eles estão perto do continente, o que os salvaria, mas ainda assim o desespero é grande. Percebemos rapidamente que ele é um homem racional e frequentemente certo. A intenção dos ingleses era chegar ao Japão, terras que navegantes conheciam mas que era isolada e controlada pelos portugueses, mas são logo capturados pelos soldados locais como piratas.

Isso porqe a tripulação desgastada chega na pior hora possível: o país está à beira de uma guerra civil, com cinco casas poderosas disputando o título de ser Xógun, o general de todas as forças militares e o homem mais poderoso no país, ainda mais do que o Imperador. Os britânicos são feitos prisioneiros, humilhados e aos poucos executados, de forma sádica (um deles é fervido vivo por horas) e ficamos logo esperando o pior.

Fica ainda mais perigoso para eles porque os japoneses estão sob o domínio dos jesuítas portugueses, ou seja, fanáticos católicos que perseguem e torturam infiéis, em especial, os protestantes. É um caldeirão de conflitos movidos à intolerância, preconceito e ganância de todos os lados.

Blackthorne consegue ser considerado um preso de valor para os japoneses, justamente porque é temido pelos portugueses. Voltaremos à tudo isso até o final do episódio.

Eles falam inglês quando é português

Embora a produção enalteça o fato de que uma das qualidades de Xógun 2024 seja corrigir o fato de que a série de 1980 tinha todos falando inglês e, nas cenas em japonês, nem tinha legenda, a série aqui é mais de 50% falada no idioma local, o que certamente traz riqueza às interpretações de Hiroyuki Sanada , Takehiro Hira e Anna Sawai, mas “quando falam em português”, passam para o inglês.

É confuso para nós que não vemos nosso idioma representado em uma rara ocasião onde estaria justificada. Nem a presença de Joaquim de Almeida em uma ponta ajuda pois ele também fala em inglês. Precisava tirar isso do peito antes de seguir.

Os dias que antecederam a unificação japonesa

O xógun do título é o poderoso, íntegro e estrategista Yoshii Toranaga (Sanada) que é nosso Ned Stark da série. No momento ele está enfraquecido diante de seus inimigos no Conselho de Regentes, que estão a um passo de eliminá-lo, liderados por Ishido Kazunari (Hira). É uma partida de xadrez complexa, mas um que Toranaga não deixa de jogar.

Há várias forças influenciando a crise: a conversão japonesa ao catolicismo, feita em alguns casos por suborno do lado da Igreja; a intolerância dos tradicionais para outra fé e, óbvio, fortunas. Toranaga é tolerante com católicos embora seja budista, e não quer o poder por ego, ao contrário, evitaria assumi-lo se pudesse, mas ele sabe que se Ishido ganhar, seu rival não vai parar por ali. Para salvar sua família, a honra japonesa e a vida do Imperador, ele se organiza para o inevitável confronto.

Há traidores insatisfeitos dos dois lados, mas nem todas as máscaras foram reveladas de cara. Do lado de sua família, Toranaga conta com a ajuda de Toda Mariko (Anna Sawai), uma misteriosa nobre convertida ao cristianismo, vendida a um casamento infeliz quando ainda era adolescente e uma mulher perspicaz. Ela fala “português” e com isso é a fonte menos comprometida entre ele e Blackhorne, um trio que vai ser o coração da série.

Anjin

Blackthorne só quer uma coisa: ser liberado para navegar para bem longe do Japão, mas tem em mãos o segredo estratégico dos portugueses e espanhóis sobre o Tratado de Tordesilhas, o acordo entre os dois países que dominavam a exploração naval mundial no qual traçaram uma linha imaginária que servia de referência para a divisão das terras. O acordo estipulava que as terras descobertas no ocidente da linha pertenceriam à Espanha, já o território descoberto no oriente caberia a Portugal. Ou seja, o Japão não era um país “independente” e com uma base militar em Macau, os portugueses estavam prontos para oficializar o país como sua colônia.

Essa informação só é revelada no segundo episódio, mas nós que somos brasileiros captamos do que se tratava na primeira menção, que deveria ser para criar suspense. Obviamente, o inglês que para piorar era protestante, era visto como uma ameaça e por essa razão os portugueses se empenham em alimentar a desconfiança dos japoneses – encantados com um homem de olhos azuis, que nunca tinha visto – e querem que ele seja morto. A sorte dele só funciona porque Toranaga o usou como divisor no Conselho: para que ele fosse condenado, os votos precisavam ser unânimes e os senhores católicos divergiram com os tradicionais, dando a ele tempo precioso para se organizar.

Ao se conhecerem, Toranaga tem alguma curiosidade sobre Blackthorne, mas é a informação da política internacional que os une: numa atentado contra o inglês, homens de Toranaga são mortos, e até ele é atacado. Nos afastamos com uma aliança improvável formada e que coloca em risco dois poderosos inimigos: os portugueses e o ambicioso Ishido. E só começamos!

Um bom começo

Xógun tem tudo para ser um dos grandes sucessos de 2024. Não está tentando inventar a roda na narrativa, ela é clara, firme e com surpresas interessantes usadas para avançar na trama. O que você achou dos episódios?


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