A pulso de Dior: Madame Zehnacker

Na primeira cena de The New Look deparamos com os bastidores tensos de um desfile da Maison Dior, com Madame Raymonde Zehnacker (Zabou Breitman) coordenando tudo enquanto ninguém localiza Christian Dior (Ben Mendelsohn), que está se consultando com sua taróloga, a Madame Delahaye (Darina Al Joundi). É fácil perceber que, embora a marca seja Dior, é Raymonde quem tem o comando. Depois de falar das duas mulheres que guiaram a parte criativa de Christian quando revolucionou a moda, sua irmã Catherine (Maise Williams) e Madame Delahaye, vale olhar sobre a mulher que fez da marca Dior um negócio e cuja parceria com o designer foi funamental para sua carreira.

Nos bastidores, mas o “complemento perfeito” de Dior

“Raymonde se tornaria meu segundo eu”, Christian Dior resumiu em sua autobiografia, publicada em 1951, Je Suis Couturier. “Ou para ser mais preciso, minha outra metade. Ela é meu complemento exato: dá razão à minha fantasia, ordem à minha imaginação, disciplina à minha liberdade, previsão à minha imprudência e sabe como introduzir a paz em uma atmosfera de conflito. Em suma, ela… conduziu-me com sucesso através do intrincado mundo da moda, no qual eu ainda era um novato em 1947.”

Esse parágrafo é que poderia se resumir ao episódio 7 de The New Look, quando a entrada de Madame Zehnacker na empreitada de Christian é o elemento conclusivo para o movimento criativo que ele começaria e sacudiria o mundo. Sem ela, como a série mostra, não haveria Dior.

Sim, Dior era homem e gay, mas ao contrário do que Chanel (Juliette Binoche) o acusa grosseiramente, se importava e muito com as mulheres, tanto que frequentemente se referia às mais próximas como variações dele mesmo. Embora as pessoas se refiram às três que trabalhavam diretamente com ele, vemos em The New Look que teriam sido cinco (com Catherine e Delahaye), e dentre as três “mães” a maior era justamente Zehnacker.

Parceria profissional inabalável e líder do “alto comando militar”

Madame Raymonde Zehnacker – ou Madame Raymonde – foi a diretora da marca e o punho de ferro escondido nas sedas e veludos da casa Dior. Era ela que garantia a eficiência e deixava para ele uma única preocupação: criar.

Os dois se conheceram quando trabalharam para Lucien Lelong (John Malchovich) e sempre se entenderam perfeitamente. “Seus olhos azuis que expressam tudo e não deixam escapar nada”, ele disse também. Era uma das suas melhores amigas.

Entender Christian Dior era fácil para Madame Raymonde que o ajudou a negociar a instalação do atelier na Avenue Montaigne. Era ela que, com Madame Marguerite e Madame Bricard viamd e primeira mão os esboços do estilista. Se elas gostassem, ele sabia que estava no caminho certo. Formavam o que ele chamava de “alto comando militar” de sua operação.

Como era a pessoa que controlava os custos, os fornecedores e as entregas, Madame Raymonde também estava envolvida na estipulação dos preços de uma peça Dior, considerando material e número de horas de trabalho para cada um. A própria Dior comenta que, em questão de dias, mais de 12.000 amostras passavam sob os olhos dela, que selecionava os de tecidos de cada coleção, alguns deles exclusivos, sabendo o que agradaria a Christian.

A confiança entre os dois era tamanha que Madame Raymonde coordenava todas as equipes que faziam a “mágica” enquanto Christian se retirava para o campo, onde desenhava sua coleção, em geral apenas dois meses antes da apresentação.

criação de um toile, na tela de algodão cru reservada para esse fim, como expressão 3D do desenho. De repente, o ateliê ganhou vida, enchendo-se de carrinhos de tecidos, acessórios, sparteries e chapéus. Os nomes dos modelos foram escritos em um quadro negro e diferentes desenhos foram atribuídos a cada um.

Os toiles foram mostrados a Christian Dior em dois ou três modelos. Isso lhe permitiu reduzir os desenhos a “silhuetas, cortes, linhas”, a partir dos quais toda a coleção seria construída. Também evitou recortá-los em tecidos difíceis antes mesmo da escolha definitiva do protótipo. O toile foi o foco de muitas decisões: o decote, a manga, o comprimento, foram ajustados para melhor combinar com a ideia do costureiro. Isso é chamado de “criar impressões”. Essas escolhas iniciais estabeleceram as grandes linhas da coleção. E quem preparava o mapa? Sim, Madame Raymonde pessoalmente, que separava tudo em grandes folhas de papel detalhadas ao máximo, o que ajudava a ter uma visão geral e da organização do desfile, garantindo equilíbrio.

Quando Christian escolhia o tecido com o qual iria trabalhar, “Madame Raymonde retorna ao seu lugar”, ele descreveu em seu livro, “registra o tecido em seu livro, faz uma anotação de que deve informar o fabricante e passa o processo para Frontine, que o enviará ao estoque”.

Sem ela, nada andaria!

Sua “herdeira” profissional

No falecimento de Dior, com apenas 52 anos, a empresa ficou por testamento para sua irmã, Catherine, e sua parceira, Raymonde Zehnacker, que, com Yves Saint-Laurent, deu continuidade à Maison Dior.

Há relatos que o envolvimento de Madame Raymonde incluía a vida pessoal de Christian, embora a série The New Look não demonstre. Segundo biógrafos, ela não tinha a melhor relação com o último namorado do estilista, Jacques Benita, o cantor marroquino trinta anos mais novo que Dior que interferia um tanto o círculo íntimo do designer ao demandar e conseguir demonstrações públicas de afeto, algo tabu para época.

Madame Raymonde tinha intimidade suficiente para ser a pessoa que repreendia os péssimos hábitos alimentares e a obsessão criativa de Dior pouco antes de sua morte, que ia contra recomendações médicas de ter controle e descanso. As broncas dela o faziam ainda mais estressado, culpado e isso o fazia comer ainda mais.

A fuga para Montecatini foi agendada por Madame Raymonde a pedido dele e contrária à recomendação de Madame Dehaye. Por isso, no seu funeral, ela estava tão desconsolada.

Nada disso foi destacado com tantos holofotes até agora em The New Look, apenas na parte final do episódio 7, quando Madame Raymonde toma as rédeas das coisas. Sem ela, a Moda não teria sido a mesma coisa.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

Deixe um comentário