Quando chegou aos cinemas, em 1944, Pacto de Sangue (Double Indemnity) foi quase um escândalo. Adultério e assassinato não costumavam serem retratados tão abertamente e como além disso a história era surpreendente e bem amarrada, garantiram sucesso de crítica e de público.
80 anos depois a trama de Pacto de Sangue segue atual (é só assistir ao Canal ID para ver como se multiplicam histórias semenlhantes), mas algumas coisas nem tanto (a maneira abusiva que a personagem feminina principal era tratada, por exemplo). Considerando que a história é inspirada em um caso real ( o de Ruth Snyder, uma das últimas mulheres condenadas na cadeira elétrica), os bastidores da filmagem rendem muitas lendas em Hollywood, uma que sempre vale revisitar.

O crime e o livro: onde surgiu o Pacto de Sangue
Antes de chegar às telas, Pacto de Sangue (Double Indemnity) foi sucesso no formato de romance, assinado por James M. Cain, publicado em 1936. Cain fez a cobertura do caso Ruth Snyder e seu amante, Judd Gray. Em 1927, Ruth e Judd planejaram matar o marido dela, um homem bem mais velho que ela para quem ela havia feito secretamente uma grande apólice de seguro, que incluía uma cláusula de dupla indenização (o pagamento seria o dobro se a morte dele fosse acidental).
O assassinato, porém, foi mal executado e rapidamente despertou suspeitas, com o casal sendo preso e condenado à morte. Os Estados Unidos ficaram fascinados pela história, assim como o autor, que usou o plano dos dois como base para o livro. Eles almejavam usar a cláusula da “dupla indenização”, no caso de uma morte violenta. No romance, os personagens são bem diferentes e o enredo é mais complexo, mas a premissa básica de uma mulher e seu amante conspirando para matar o marido pelo dinheiro do seguro permanece a mesma.
Antes de Pacto de Sangue (Double Indemnity), Cain usou a mesma história no livro O Destino Bate à Sua Porta (The Postman Always Frings Twice), mas foi o segundo livro que foi adaptado primeiro, por decisão do grande diretor, Billy Wilder, que contou como roteirista Raymond Chandler para a versão que é hoje clássica e considerado um dos melhores filmes noir já feitos, com tons sombrios e cínicos, além de trazer personagens moralmente ambíguos.
Um dos papéis mais icônicos de Barbara Stanwyck
Interpretar a femme fatale, que é fria e manipuladora não era exatamente um papel que muitas atrizes almejavam, por receio de que o público não soubesse diferenciar ficção da realidade. Mas Barbara Stanwyck abraçou o desafio, criando um de seus papéis mais famosos. Fred MacMurray, que até aqui não era conhecido por estar em filmes dramáticos, estrelou como o vendedor de seguros e amante, enquanto Edward G. Robinson é o avaliador de sinistros que acaba descobrindo a trama.
Phyllis Dietrichson foi a primeira antagonista na filmografia de Barbara, na época, a atriz mais bem paga de Hollywood e dos Estados Unidos. Ela foi convencida por Wilder a mostrar que era uma boa atriz e considerando a peruca loira que é um dos “problemas” do filme (mesmo em 1944 era desacaradamente falsa), a coragem dela era gigantesca.
Quando ouvia as reclamações de como a peruca era obvia, o diretor admitia que foi um dos maiores erros de sua carreira, só percebendo que estava feia quando já estava com as gravações avançadas e não tinha como voltar atrás. Para disfarçar, costumava dizer que a peruca enfatiza o fato de que não se trata de amor entre os assassinos, mas sim de luxúria, mais ainda, ressaltava a falsidade de Phyllis. Não convence que tenha sido pensado, mas podemos conviver com ela porque Barbara Stanwyck está nada menos do que sensacional em cada cena.
Seus parceiros de elenco foram também inesperados. Para o papel do segurador Walter Neff fora, convidados astros como Alan Ladd, James Cagney, Spencer Tracy, Gregory Peck e Fredric March, todos que recusaram participar. Wilder se arriscou a trazer Fred MacMurray, mais conhecido como ator de comédias para o cínico narrador da trama. Mas há mais sobre a escalação. Na época, Fred estava negociando a renovação de seu contrato com a Paramount, sendo mais exigente do que costume. Para “ensiná-lo uma lição”, os estúdios o emprestaram para Pacto de Sangue, imaginando que ele fosse fracassar e ficar mais manso. E depois falam de planos dando errado. Para o ator, é o melhor filme de sua carreira.

Brigas com a censura, roteiro com dramas também
Houve muitas alterações entre o livro e o filme, incluindo o final, que foi reformulado e eliminou o suicídio duplo dos protagonistas. Isso porque suicício era proibido na época pelo Código de Produção, assim como sexo (por isso as alternativas encontradas são consideradas até hoje, brilhantes). Uma das exigências do Hays Office para o roteiro era que os criminosos pagassem por suas transgressões. A forma surpreendente que o roteiro entrega essa punição é uma das surpresas que mais agradou a crítica.
A sordidez da história não preocupou nicialmente, Raymond Chandler que considerou reproduzir o máximo possível do diálogo original do livro, mas percebeu que não se traduzia bem na tela, algo que Billy Wilder discordava. As brigas entre os dois ficaram lendárias.
Pacto de Sangue (Double Indemnity) foi indicado a sete Oscars, mas não ganhou nenhum. Há 80 anos está sempre na lista dos 100 melhores filmes americanos de todos os tempos. Ultra justo!
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