COMO PUBLICADO EM CLAUDIA
Em um fim de semana de Páscoa, geralmente resgatava algo de fé ou curioso do universo religioso, mas em 2024 estou mais impactada com a ficção científica que justamente se opõe à Fé, mas que demanda algo mais difícil que é manter a esperança. Por isso fiquei aqui pensando que ainda não li o livro O Problema dos 3 Corpos, mas desconfio que não terei como adiar. Depois devorar a primeira temporada da série na Netflix fiquei com algumas questões que amigos que leram o original “reclamam” da adaptação realizada por Dan Weiss e David Benioff, a dupla conhecida no universo de séries como “D&D”, mas estranhamente conectada à obra que os fez famosos também.
Acompanho a marca “D&D” com muita curiosidade pois os dois, por conta da febre de Game of Thrones, foram chamados de “gênios” à “incompetentes” na velocidade da luz, sendo alvo de uma perseguição cibernética implacável ainda hoje (faz parecer a pressão da Princesa Catherine uma piada). Os dois são sobreviventes e inteligentes, e souberam adaptar com perfeição a complexa obra de George R. R. Martin. Só tiveram problemas quando a fonte dos livros acabou (antes do fim da série) e por isso é que confio no que estão fazendo com o livro de Liu Cixin atualmente.

Sim, há a decisão curiosa de alterar importantes fatores em uma história que lida com a precisão da ciência e o mundo imaginado de extra-terrestres (para mim, no mesmo campo de dragões, mas, para muitos, algo possível), como o de transformar um único personagem em cinco, mas não é problemática se funcionar para uma narrativa maior. D&D são bons contadores de história, ao trazer cinco personagens ampliam a possibilidade de nos conectarmos com a série, não estão reescrevendo o livro. Porém, o que me reconectou com GOT, além de ter a mesma equipe técnica (da trilha sonora à diretora de Casting), e até alguns atores, é que mais uma vez a revolta de uma mulher determina o futuro de um planeta. Deus, D&D gostam de provocar o público feminino com a vara curta!
Apenas se você for um E.T. não ouviu falar em Daenerys Targaryen (Emilia Clarke), a principal personagem de Game of Thrones que passou sete temporadas liberando escravizados e prometendo um mundo melhor e mais justo para todos apenas para no penúltimo episódio ter um rompante de “nah, dane-se” e sair queimando tudo e todos para pegar a Coroa. É a simplificação máxima e exagerada do que aconteceu, mas próxima do que os fãs consideram problemático (não estou nesse grupo).
Em O Problema dos 3 Corpos, de forma não linear, conhecemos a jovem Ye Wenjie (Rosalind Chao) cuja decisão de fazer contato com os alienígenas que vão destruir a Terra é semelhante à Daenerys queimando King’s Landing.

Há muitas personagens femininas interessantes na série da Netflix, mas, Wenjie está no livro e na TV e é o ponto principal da trama. É uma personagem complexa com uma história rica que molda suas ações ao longo do romance e da série.
Quando jovem, a astrofísica é forçada a testemunhar a execução pública de seu pai durante a Revolução Cultural da China, onde já tem uma forte desilusão com a humanidade. Para piorar, após a morte de seu pai, Ye Wenjie é enviada para um campo de trabalhos forçados e de lá é recrutada para trabalhar em um projeto militar ultrassecreto conhecido como Base da Costa Vermelha, onde se torna a primeira humana a fazer contato com uma civilização alienígena, os Trissolarianos.
Mesmo sobrevivendo à grande dor, ela passa por mais traições e com isso sua visão de mundo vai sendo moldada como reação a esses traumas, congelando seu coração e esperando cada vez menos da sociedade e dos homens. Há, paradoxalmente, desespero e esperança. Ao “convidar” os trissolarianos para virem à Terra, ela aposta que eles tragam uma nova e melhor ordem mundial. O problema é definir o que é “melhor” quando ela sugere a clara aniquilação dos Homens. É uma personagem profundamente conflituosa, disposta a arriscar o futuro da humanidade porque nada que tenha testemunhado poderia ajudá-la a pensar de forma diferente.

Manter a fé nas pessoas e no futuro não é responsabilidade feminina, mas é a segunda vez que a ficção coloca no ombro de mulheres essa responsabilidade de fazer a decisão certa. Calma, embora Wenjie já tenha plantado a semente da salvação e que exista outra personagem mulher trabalhando para salvar todos, fica a ironia do momento: Wenjie em seu “dracarys” científico nos coloca em uma posição incômoda de entendê-la, mas não ter contra argumentos suficientes para convencer que há esperança. Daenerys, em cima de seu Dragão, vendo uma população a rejeitando e escolhendo uma tirana em seu lugar também foi um momento polêmico.
Portanto me vi essa semana refletindo sobre as metáforas de histórias tão distintas, tão reais e tão distantes. Embora Ye Wenjie não queira explicitamente que os alienígenas matem humanos, ela está disposta a aceitar isso como um resultado potencial de suas ações. Quantas de nós não podemos identificar esse momento em nossas vidas? Diferentemente de Daenerys, que não se arrependeu e foi assassinada, como já falei, Wenjie já plantou a semente para salvar os humanos. Vou guardar o spoiler para outro momento, só quero deixar a porta aberta para quem for acompanhar as temporadas futuras. Numa Páscoa tão “normal” como a dos anos pré-pandêmicos, o problema literal ainda está em manter a Esperança nas pessoas. Espero de coração que consiga, porque vale a pena. Nós valemos a pena. Feliz Páscoa!
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
