O reboot de Highlander

Se é preciso resumir os anos 1980s a poucas palavras, cafonice teria que ser uma delas. Como vivi a década, falo com propriedade. E sabíamos que era exagerado, colorido, excessivo. Filmes de comédia enalteciam misoginia, racismo, xenofobia, abusos sexuais e psicológicos. Mesmo a música, embora melódica e criativa, tinha sua plastificação com a batida eletrônica e teclados mais altos que outros instrumentos. Sobrevivemos, não é? Quatro décadas depois, como sempre acontece, a onda nostálgica nos leva a revisitar o passado, então, nenhuma surpresa em saber que Highlander, um filme que na década cafona era considerado, você sabe, “cafona”, vai ser refilmado. Isso mesmo! Vamos falar de mais um filme com Henry Cavill liderando o elenco!

A essa altura, o ator favorito de qualquer lista de possibilidades, com uma base de fãs fiéis, não poderia deixar de ser o melhor para a idéia de resgatar a história de Connor MacLeod, o imortal que ficou lendário por conta da trilha sonora da banda Queen. Embora a gente vá revisitar aqui que a banda não foi nem a primeira a se cogitada para fazer a música, sem ela, não haveria a franquia, os fãs sabem.

Vamos então viajar no tempo?

Para o projeto final da faculdade, a inspiração em Ridley Scott e uma viagem ao Reino Unido

Nos anos 1970s, o ex-bombeiro Gregory Widen era estudante de cinema da UCLA – e obviamente apaixonado pela sétima arte – quando seu trabalho final era o esperado ter que escrever um roteiro de uma história original. No período, duas coisas o impactaram e estavam em sua mente: o filme de 1977 de Ridley Scott, Os Duelistas (que vale post à parte) e uma viagem de férias recente, que tinha feito ao Reino Unido e que ainda estava em sua mente.

É que na viagem, Gregory ficou encantado com a beleza das terras altas da Escócia e mais ainda com a exposição de armaduras da Torre de Londres (que é permanente e realmente impactante, vale a visita!). O pensamento que ele teve foi “‘E se você fosse o dono de tudo isso? E se você tivesse usado isso ao longo da história e estivesse mostrando a alguém a sua vida através dele?'”. Foi um pensamento que ficou guardado e que seria vital para mudar a vida do futuro diretor e roteirista.

O filme Os Duelistas, uma adaptação de um conto por sua vez inspirado em uma história real, marcou a estreia de Ridley Scott no cinema, mas se hoje é cult e clássico, na época não causou o mesmo impacto. Quem é fã de cinema sim, amou e esse era o caso de Gregory Widen, que adorou o fato de que o filme trata sobre um duelo de dois homens ao longo de várias décadas. Quando o professor da UCLA passou o projeto final, ele teve a inspiração de , justamente o que encaixava com a curiosidade que teve durante as férias com o filme que adorou. Isso mesmo, um duelo ao longo de séculos, dois imortais se enfrentando em vários momentos de suas vidas. A história seria sobre imortalidade. Ganhou nota 10 com louvor. “E uma casa”, como brincou Gregory em uma entrevista anos depois, se referindo ao sucesso do flme.

“Acho que seu apelo é a singularidade de como a história foi contada e o fato de ter um coração e um ponto de vista sobre a imortalidade,” o próprio roteirista avaliou anos depois em uma entrevista.

A trama e como Hollywood embarcou nessa viagem

A história de Gregory “revelava” que existiam imortais vivendo entre nós, com o herói, Connor MacLeod duelando através dos séculos até ao confronto final com antagonista, Kurgan, em uma Nova York durante um confronto Imortal chamado “The Quickening”. O roteiro original tinha o título de Shadow Clan (Clã das sombras) e, por conselho de seu professor, o vendeu para um agente por 200 mil dólares. Assim começava uma saga, dentro e fora das telas.

Sendo seu primeiro trabalho, não é supresa saber que o rascunho original contava uma história mais sombria e violenta do que veio a ser a versão final, mais fantasiosa e com alguns elementos divertidos, coisas que os executivos pediram para mudar. Detalhes como o ano em que Connor McLeod, nasceu, assim como o fato de que teria uma família – mortal – com pais e irmãos, que não seria casado (no original seria rejeitado pela namorada quando ela descobrisse sua imortalidade) e que deixaria voluntariamente seu clã em vez de ser banido. Além disso, ele poderia sim ter filhos. Outras alterações estariam no fato de Ramírez ser efetivamente um espanhol e não um antigo egípcio nascido há mais de dois mil anos, e que o vilão, Kurgan, era apenas conhecido como Cavaleiro, usando o pseudônimo Carl William Smith e não era um selvagem, mas um assassino de sangue frio.

Talvez a principal mudança esteja no fato de que Hollywood não comprou o conceito original de que não há um prêmio final para os duelistas. Quando Connor finalmente matasse o Cavaleiro, só sentiria muita dor, mas logo identificaria outro imortal por perto, deixando em aberto de que o jogo continuaria. Nos anos 1980s os estúdios não entendiam conceitos vagos, precisava ter um objetivo e um único vencedor. Assim nasceu a clássica frase – Só Pode Restar Um – no qual os imortais não podem conviver, precisam duelar, para um prêmio final que ainda desconhecem o que seja, que é uma descarga de energia.

O filme de 1986

Hoje Gregory Widen é diretor e roteirista experiente, mas há 40 anos nenhum executivo daria a ele orçamento para assinar sua obra, então os produtores Peter S. Davis e Bill Panzer trouxeram o diretor de videoclipes populares na MTV, Russell Mulcahy para levar a fantasia para as telas.

Rebatizado como Highlander, o filme perdeu os elementos de melodrama taciturno e ganharam o formato clipado de tantos filmes daquela década. Uma das várias adaptações que incomodam o Gregory foi o humor inserido em Connor McLeod: ser positivo mesmo tendo vivido tantos momentos dolorosos era ok, mas ele teria que sentir dor física de qualquer forma, mas há cenas nas quais ele simplesmente ri quando está ferido. Enfim, anos 1980s!

Na hora de escolher o elenco, hoje também se ri das opções, mesmo que os fãs adorem Christopher Lambert. O ator francês, que nunca perdeu o sotaque quando fala em inglês e na época ainda não era fluente, só entrou em consideração depois que Mickey Rourke e Kurt Russell foram descartados. Na época Lambert estava em alta por conta de ser o Tarzan em Greystoke e o diretor percebeu que tinha encontrado seu Connor McLeod olhando a sua foto.

Ironicamente, Sean Connery, ainda pré Oscar e nem tanto em alta depois de ter feito o Never Say Never como um James Bond envelhecido, era efetivamente escocês, no entanto seu personagem é um egípcio usando nome (e roupas) espanholas. Seu carisma, claro, estava intocável. E recebeu um milhão de dólares para gravar tudo em uma semana.

E Clancy Brown foi a escolha inegavelmente perfeita para Krugan, embora tenha sido ele o que tenha dado mais trabalho nos bastidores. Isso porque ele, assim como Gregory Widen imaginou, que o antagonista seria um homem mais complexo e torturado do psicopata raso que estava no novo roteiro. Afinal, ele perdia tudo com o tempo e sua única motivação era enfrentar McLeod. “Estávamos todos tentando fazer um bom filme, e os produtores estavam tentando ganhar dinheiro de qualquer maneira que pudessem, então havia muitos de coisas que tivemos que contornar, fazer de forma barata por causa desses produtores”, Clancy Brown comentou no Redditt Ask Anything em 2014.

Sem muita surpresa, Highlander fracassou nas bilheterias (e na crítica) quando chegou aos cinemas. fazendo meros seis milhões de dólares, tendo custado 16. Só na Europa, onde Christopher Lambert era famoso, houve algum reconhecimento. Acima de tudo, quem não deixou o filme cair no esquecimento foi a banda Queen, que assinou a trilha sonora com o álgum A Kind of Magic. Outra história curiosa de bastidores.

A alma imortal de uma trilha sonora que salvou a saga

É tão impossível separar Highlander da música da banda Queen que o ator Henry Cavill já avisou que ela estará presente no reboot. Mas nem isso foi tão fácil como parece hoje, porque se Marillion, David Bowie, Sting ou mesmo o Duran Duran tivessem comprado a idéia, o filme teria sido outro. Isso mesmo, o Queen foi a quinta opção.

A trilha incidental de Highlander é assinada por Michael Kamen, mas ninguém sequer lembra de sua melodia hoje. O que os produtores queriam mesmo era Marillion, cujo vocalista na época era o escocês Fish ia inclusive fazer uma ponta como ator. O que impediu? Os compromissos de shows da banda.

Depois de circular entre os mais populares na época, passaram para o Queen, que na época não vendia mais como nos anos 1970s, mas como imortais como são, ressugiram das cinzas com uma apresentação antológica no Live Aid e estavam em alta novamente. Com a trilha sonora não oficial, como é chamado o álbum A Kind of Magic, a banda reúne as canções de Highlander com arranjos pop e diferentes do que estavam no cinema, como Princes of the Universe, Gimme the Prize, A Year of Love, It’s a Kind of Magic e Don’t Lose Your Head. A canção Who Wants To Live Forever merece destaque à parte.

A Kind of Magic também foi marcante por ter sido durante esses trabalhos que Freddie Mercury descobriu estar com AIDS. O Queen lançou mais dois álbuns com o vocalista ainda vivo, mas esse foi o álbum que contou com uma turnê, pois logo em seguida sua saúde não permitiu mais se apresentar ao vivo.

Curiosamente a banda usou as falas que Connor MacLeod usa para descrever sua imortalidade como título. Princes of the Universe viria a ser usado como o tema de abertura para a série Highlander na TV, mas nenhuma delas teve o impacto de Who Wants to Live Forever

A dor da imortalidade descrita na canção

O fato de que forçaram mais o lado de ação do que do drama em Highlander é obviamente um dos erros que até hoje custa caro à franquia. No entanto, graças à Brian May ele captou a essência do que Gregory Widen queria ressaltar que é o fato do grande antagonista ser mesmo o tempo. Todos os imortais perdem quem amam ao longo dos séculos, reforçando a solidão inerente de viver para sempre.

O filme de 1986 tem uma certa inconsistência de quanto tempo os imortais envelhecem. Alguns mais que outros, mas, em determinado momento, param. No caso de Connor McLeod, ele fica relativamente jovem eternamente, condenado a ver as pessoas envelhecerem e morrerem. O maior exemplo é o amor de sua vida, Heather (Beatie Edney), que o aceita como é, mas envelhece e eventualmente morre em seus braços.

Para poder escrever as canções, o Queen teve acesso às gravações brutas de Highlander antes do filme ser finalizado e Brian May ficou particularmente impactado com o amor dos dois e a cena da morte de Heather. Saiu da sala de projeção para o estúdio e em apenas minutos escreveu Who Wants to Live Forever ainda no carro.



“É uma história violenta de imortais lutando até a morte, mas há uma subtrama, uma história de amor trágica”, o guitarrista disse em uma entrevista na época do lançamento. “O herói não pode morrer, mas se apaixona por pessoas que podem. É um tipo estranho de tragédia. Relacionei isso à minha própria vida, à vida de todos. O amor sempre chega ao fim,” completou.

E aí está um dos principais segredos de Highlander como um filme cultuado: a conexão amorosa de vida de morte. Não haverá reboot sem essa canção.

As críticas, como sempre, sobre o elenco e adaptações

Refilmar Highlander é um projeto real desde 2008, mas, claramente, problemático. Até chegar à equipe atual, teve nomes como do diretor Justin Lin e do ator Ryan Reynolds associados por algum momento. Sim, é de arrepiar. O roteiro foi finalizado em 2019, mas só veremos o filme, na melhor das hipóteses, em 2026, a tempo do 40º aniversário do original.

Não se sabe muita coisa ainda sobre o novo Highlander, que será dirigido Chad Stahelski (John Wick), com Henry Cavill como Connor McLeod. Um dos roteiristas é Ryan J. Condal, o showrunner de House of the Dragon, e as gravações poderiam começar ainda em 2024. Me preocupa que Chad tenha simplificado a história como um “John Wick com espadas”, mas vamos apostar no melhor?

Há defesas de Dave Bautista para o papel de Krugan, mas nada foi oficializado. O que algumas pessoas nas redes sociais já levantaram é o fato de que elegeram um ator inglês para fazer um escocês, mesmo com tantos astros atuais que não teriam que trabalhar no sotaque. Atores como Gerard Butler, Richard Madden, James McVoy, Ewan McGreggor, Jordan Patrick Smith e Sam Heughan, em uma lista rápida e superficial. Bom, como alguns também lembram, a saída de Cavill de Witcher foi justamente por ser purista e interferir nos roteiros. Se seguir a mesma linha… quem sabe o elenco muda?





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