A estratégia de Toronaga na conclusão de Shogun

Para quem lê MiscelAna, o spoiler da série Xógum (Shogun) foi compartilhado há meses, afinal, há o livro e a série de 1980, não é como se a história não fosse conhecida. No entando, essa versão de 2024 é a MELHOR: deu mais espaço para os japoneses, a reconstituição de época é impecável e traz grandes atuações em todo elenco.

Ao contrário da adaptação anterior, essa nova versão resumiu TODA a história em 10 episódios, portanto sim, há uma sensação de confusão e pressa, mas ainda assim, minha nota é 10 para uma das melhores séries do ano.

Vamos ao episódio final da saga.

Por que contar o futuro a um homem morto?

Em uma triste despedida de Mariko (Anna Sawai), estranhamente começamos com um Blackthorne (Cosmo Jarvis) no futuro, com um crucifixo na mão e em seus momentos finais, pensando na tradutora/amiga/amante do passado. É um toque emocionante, sem dúvida, mas um tanto confuso porque como veremos, ele termina seus dias (em tese) no Japão e o crucifixo de Mariko foi jogado no mar, então ele teria se convertido ao catolicismo? Hum, estou me atropelando mas são duas das questões que não terão resposta.

Blackthorne fica despedaçado com a morte de Mariko, mas, mais ainda, um Yabushige (Tadanobu Asano), que, além de ficar parcialmente surdo com a explosão, perdeu todo sentido de sua existência. O que ele tinha acordado com Ishido (Takehiro Hira) era “entregar” Mariko, algo que Ochida  (Fumi Nikaido) também tinha entendido como sendo mantê-la viva, mas daí a sacada da tradutora que preferiu ser mártir e ajudar Toronaga (Hiroyuki Sanada) em sua causa. Sua morte não apenas abala a todos que a conhecem, mas deixa um vazio unificador daqueles que entenderam que não era o sacrifício esperado.

Ishido então – cada vez mais déspota – acreditar ter finalmente a vantagem numérica e a validação de comandar a guerra contra Toronaga, tão cego em sua ambição que não percebe que também feriu a única pessoa que não poderia, justamente a mãe do herdeiro. Ochida ficou sem o desenvolvimento necessário para que entendêssemos sua aliança com Ishido e menos ainda a razão com que rapidamente desiste dela depois da morte de Mariko. Ela não tinha percebido quem Ishido realmente era? Enfim, ela é a cartada final de Toronaga, mais uma vez, graças à Mariko.

Yabushige e Blackthorne voltam para Ajiro para reencontrar um arrasado Toronaga. Mariko era como se fosse sua filha, mas sua tristeza está escondida sob a calma de sempre. Blackthorne está livre para ir embora, mas seu navio foi destruído. E o samurai arrependido terá que prestar contas, é, como antecipa, um homem morto.

Estudando o vento

Nunca pensei que fosse simpatizar com Yabushige mas a atuação brilhante de Tadanobu Asano não apenas me fez sentir por ele, mas concordar também. Toronaga é da escola Littlefinger, a que jamais revela o objetivo real de suas ações até ter certeza do resultado, portanto Yabushige caiu na fachada de derrotado que o xógum criou para si mesmo. Diante disso, sendo terreno e ambicioso, tentou ficar bem com os dois lados.

Quando volta para casa, fica emocionado ao ver o sobrinho, Omi (Hiroto Kanai), mas um tanto confuso e aliviado quando é avisado que, como traidor, terá que responder por suas decisões. Ele confessou a sua participação na morte de Mariko, chorando, sem perceber que as esposas de Toronaga o ouviam. Agora todos sabem que ele foi o responsável por abrir a porta para os shinobi, tornando impossível a defesa de todos. Ele pede “uma boa morte”, mas sua sentença é que cometa seppuku. Ele nega o pedido de que Blackthorne o ajude, mas aceita ser a pessoa a dar o golpe final em Yabushige.

Com isso temos o diálogo que resume toda a série e conclui o final de Xógum (Shogun), com Toronaga explicando em detalhes a Yabushige como foi toda a estratégia. São como dois amigos, calmos. O plano sempre foi de estabelecer seu shogunato, mas com o mínimo de derramanento de sangue possível. Enviar Mariko para Osaka foi o “Crimson Sky”, não precisou mandar um exército.

A morte dela não fazia parte do plano, mas culminou sem dúvida alguma em expor Ishido, suas intenções e atitudes, o desacreditando diante do conselho e de Ochiba. Assim na batalha de Sekigahara – que não vemos em detalhes e que vai acontecer um mês depois – Ishido não terá mais o Herdeiro ao seu lado – perdendo a força de homens e política. O Conselho de Regentes irá rejeitá-lo “antes que uma espada seja desembainhada”, ou seja, a vitória de Toranaga será completa.

Eu concordo com Yabushige: custava avisar? As pessoas mais queridas de Toronaga morreram para que ele ganhasse, o que é uma hipocrisia. Obrigada Yabushige! Morreu com honra e falou na cara antes de partir. Se redimiu para mim.

E Blackthorne?

John Blackthorne perde a razão de lutar e viver, mesmo com contra os Católicos, sem ter Mariko ao seu lado. Para piorar, descobre que Fuji (Moeka Hoshi) considera já ter cumprido seu dever para com Toronaga e agora é a ex-consorte do inglês. E para ferir ainda mais um já sofrido Blackthorne, vai se tornar freira. Ele tenta reverter a decisão, mas não consegue. Amigos e tristes, eles aceitam seus destinos.

Antes, ela comenta que Toranaga está atrás de quem destruiu o Erasmus e tem punido os moradores em retaliação, e Blackthorne não concorda, ele pede uma audiência e diz ao Senhor que foi Mariko que fez um acordo com os Padres: salvar a vida de Blackthorne, mas entregando seu navio.



Quem ajuda a conversa é o pescador Muraji (Yasunari Takeshima), que finalmente revela sua verdadeira identidade como o leal samurai e espião Tonomoto Akinao. Blackthorne a essa altura nem se assusta com as estratégias de Toronaga, só quer que ele pare de atacar os moradores, especialmente porque concluiu que seu navio não é tão importante diante de tudo que está acontecendo. Quando esbarra com a insistência de as mortes continuarão, Blackthorne tenta cometer seppuku em protesto, finalmente fazendo com que Toronaga tenha que fisicamente impedi-lo. Como uma certa dose de ajuda, o Senhor feudal então pede que o inglês “reconstrua aquele navio e faça uma frota”, criando um propósito imediato.

Tudo isso ganha outra perspectiva na conversa que Toronaga tem com Yabushige. Foi ele, Toronaga, que mandou destruir o Erasmus para poupar a vida de Blackthorne das hostilidades da Igreja e testar a lealdade de inglês com ele. Ele não sabe ainda se vai contar a verdade um dia, afinal, ele acha que o destino de Blackthorne é ficar no Japão e ele o diverte. Oi, Toronaga? Manipulando muito? Talvez? Isso mesmo, ele avisa que assim que o navio for reconstruído, terá que destruí-lo por outros meios.

Pois é gente, a cena de Blackthorne velho e na Inglaterra é apenas uma imagem que ele teve diante da morte, mas que nunca se realizará. Nos despedimos dele juntando todos para ajudá-lo a içar o Erasmus, uma metáfora pessoal agora que só há destroços e que ele terá que trabalhar para reconstruir. Com a surpreendente ajuda de Buntaro (Shinnosuke Abe), o ex-marido de Mariko. Assim, juntos, servirão ao grande Toronaga.

Uma grande série

Xógum chega ao fim com emoção, dando todo o heroísmo da saga à Mariko e superando as comparações tanto com a versão de 1980 como até com Game of Thrones. Não haverá uma segunda temporada, a história está concluída e assim fica ainda mais poderosa. Ao lado de Ripley, é a franco favorita para fazer a festa no Emmy Awards em setembro. Tem toda minha torcida!

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