Sabe o que é curioso? Por mais fantasioso que seja a adaptação da biografia de Catarina de Médici em A Rainha Serpente seja, ainda assim é uma história real e parece muito mais estranha do que a ficção de Game of Thrones ou House of the Dragon. Se na primeira temporada acompanhamos a versão “Daenerys” de Catarina, ascendendo contra todas as forças contra ela, sua gestão “Cersei”, na segunda temporada, não é menos interessante.

Não tenho revisado episódio por episódio, como fiz antes, e em parte é por conta da Amazon Prime Video que praticamente esconde o que tem de melhor na sua plataforma.

A segunda temporada antecipa o trágico Massacre da Noite de São Bartolomeu, os dias nos quais a regente Catarina sofreu para dar autonomia ao filho, Charles IX. Fraco, instável e potencialmente incestuoso, ele fraqueja entre as forças tão abertamente opostas e influentes como os Guises e os Bourbons, ambas famílias usando o escudo religioso oponente para ganharem mais Poder.

No meio deles está a cética Catarina, que, apesar de Católica fervorosa na fachada é a favor da tolerância onde os súditos serão Franceses antes de mais nada. Uma utopia ainda por ser resolvida no século 21, imaginemos no século 16. Assim, essa segunda temporada é menos “divertida”, mais densa e traz um SHOW de interpretações de todos os lados.

Quem segue a lógica, sabe que A Rainha Serpente zoneia personagens que nunca estiveram na mesma sala assim como datas, mas funciona. Exemplos: Carlos V já estaria morto e Elizabeth I jamais esteve pessoalmente na mesma sala que Mary da Escócia ou Catarina de Médici. Que importa?

Como parte da estratégia de manter o tênue equilíbrio religioso para que seu filho possa governar, Catarina está driblando a todos querendo construir o Louvre como uma distração e para isso, infelizmente, se afasta dos filhos o tempo suficiente para que tudo desande. Ao voltar, ainda irritada de descobrir que tem um meio-irmão, ela precisa resolver tudo fingindo não estar envolvida. Ela ama, nós estaríamos perdidos.

Samantha Morton faz uma mulher entediada e ameaçadora com voz sussurrada como poucos. Eu teria pânico de esbarrar com alguém como ela. Secretamente adepta do sincretismo religioso, Catarina sabe que vai perder quase todos filhos, só não sabe a ordem ou qual sobreviverá. Hercules, o mais inocente de todos, é o primeiro a partir, deixando a rainha desolada e os irmãos (relativamente) abalados.

Na verdade, ele só morreria 12 anos depois, mas tudo bem. E mesmo que sua causa de morte tenha sido malária, usar a pedra de um camponês protestante seguindo uma profeta falsa que nunca existiu, também funciona para expor as artimanhas de bastidores no Trono.

Aqui temos uma Catarina entendendo que buscar “justiça” por Hercules é mais do que delicado, pode dividir o país e custar a cabeça de nobres de quem precisa de apoio. Mais ainda, é importante não criar uma mártir. Mas o fato que está um caos só piora tudo: todos têm interesses pessoais opostos e todos estão prontos para traírem um ao outro.

Charles quer matar Edith por causa ele é católico e ela protestante; Anjou quer matar Edith por causa da morte de Hercule e Carlos V quer matar Edith porque ela está criando problemas para os católicos. Já Aabis quer matar Edith para salvar seu aprendiz e Angelica quer salvar Edith para que ela possa deixar o serviço de Diane de Poitiers e voltar para a Corte. Enquanto são eles que definem a vida ou a morte da irritante Edith, ela acredita que é Deus que está ditando seu destino.

Para quem acompanhou a história da Rainha Margot, essa sim está mais próxima do certo. Sua má relação com Catarina, sua inteligência, Henry de Navarra flertando com a futura esposa e a paixão da princesa pelo Duque de Guise. Como sabemos, nos encaminhamos para um dos piores massacres registrados na História e essa prévia é tensa, e muito interessante. Que pena que A Rainha Serpente esteja tão fora do radar de todos. É uma das melhores séries do momento. Com a melhor trilha sonora também!

Aproveitando a citação de São Judas Tadeu, o santo das causas impossíveis: que venha uma terceira temporada!

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