Se há um diretor que transformou peças musicais clássicas em melodias populares atemporais foi Stanley Kubrick. Se em seus filmes a música não completava a narrativa, ganhando até protagonismo em alguns momentos, era um elemento citado.
Conhecido por ser autocrata sob o eufemismo de “perfeccionista”, quando chegava na parte da trilha sonora parece que ele era mais democrático e aberto a sugestões. Como esquecer o uso que deu à Symphonie fantastique de Hector Berlioz na abertura de O Iluminado?

A peça de 1830 nunca mais foi imaginada fora do contexto assustador das vistas panorâmicas de uma estrada isolada nas Montanhas Rochosas. Já começamos apavorados. O trecho usado é sobre a dança de feiticeiras, Dies irae, que se traduz em “Dia da Ira”, um canto medieval do século 13. O ator Jack Nicholson o processo criativo de Kubrick era simples: “ouvia música constantemente até descobrir algo que sentia que estava certo ou que o excitava”.
Em 2001- Uma Odisséia no Espaço, foi seu cunhado Jan Harlan que recomendou que usasse Also Sprach Zarathustra, de Richard Strauss na abertura e ao longo do filme. O tema até hoje é associado à sequência do ‘amanhecer do homem’ e ao final. Alias, gostou tanto da peça escrita em 1896 que descartou a trilha sonora composta para o filme e já contratada. Temos certeza que ele fez a melhor escolha.
Para o diretor, passar horas “ouvindo seus filmes” até identificar o tipo de música que uma cena ou sequência estava pedindo fazia parte de sua assinatura. Essa obsessão contribuiu para ser chamado de psicótico, mas os fãs agradecem. “Viciado em música”- e me identifico com isso – estava sempre com algo tocando em sua casa, o dia todo, fosse clássica, pop ou jazz.

“Por que usar uma música que é menos boa quando há uma infinidade de ótimas músicas orquestrais disponíveis do passado e do nosso tempo?”, ele perguntava. E, sem surpresa, tinha Mozart como seu compositor favorito, fazendo sua equipe de filmagem ouvir peças dele antes de começar a trabalhar. Todos os dias!
Para Barry Lyndon, ele teria se aprofundado no repertório dos séculos 17 e 18 até encontrar a peça de Handel, A Suite No. 4 in D Minor, para Harpa. Como em toda sua filmografia, a melodia de Handel é central com composições barrocas e música tradicional irlandesa, transporta o público para o universo da Irlanda, com os tons trágicos da história.
Às vezes a música era para quebrar a cena, não se ajustar a ela. Em Nascido para Matar (Full Metal Jacket), a cena do corte de cabelo dos recrutas é ao som de Goodbye Sweetheart, Hello Vietnam e quando patrulham uma cidade destruída toca a música tema do Mickey Mouse Club. Incomodar era sua especialidade, afinal de contas.
Muitos creditam a Stanley Kubrick o uso inteligente de uma trilha sonora. Antes dele, as melodias eram apenas para aumentar emoções, exageradas ou decorativas. Depois de Kubrick, nas palavras de Tony Palmer, “se tornou uma parte absolutamente essencial da narrativa, do impulso intelectual do filme.”

Outro filme que é conectado ao gosto musical exemplar de Kubrick é Laranja Mecânica que tem Beethoven como a trilha sonora da trama sombria do filme. Além disso tinha Bach tocado em sintetizador Moog de forma inesquecível.
Em Dr. Fantáscico (Dr. Strangelove), Stanley Kubrick pega o “hino” da 2ª Guerra Mundial na Inglaterra, a canção We’ll Meet Again, cantada por Vera Lynn para sonorizar o conto sobre um apocalipse nuclear, com as letras sendo emotivas para quem sobreviveu ao conflito e irônica para o que estava acontecendo, afinal, em tese, era uma canção de esperança e é usada para o contrário. Típico Kubrick!
E se Chris Isaak ficou eternizado com o trailer de De Olhos Bem Fechados (com Nicole Kidman e Tom Cruise, nus, se beijando) ao cantar My Baby Did A Bad Thing ele deve agradecer à atriz que adorava suas canções e apresentou ao diretor.
O fato é que, ao dar preferência ao que já existia em vez de optar por algo original e exclusivo, Stanley Kubrick comprovou que gênios transformam qualquer coisa, sempre apostando na originalidade. Nas telas e nos ouvidos.

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