O penúltimo episódio de A Rainha Serpente – que ainda não oficializou uma terceira temporada – me deu um aperto no coração por possivelmente estar me despedindo de uma das melhores séries dos últimos anos. Ao lado de The Great, que foi interrompida na sua quarta, a série mescla história e humor num ritmo perfeito e química de elenco. A qualidade é tão significativa que é lamentável ver que o valor de produção – nos figurinos, cenários, etc- podem pesar para sua curta duração. E com a virada prometida no episódio 7 isso fica ainda mais claro.
Como sempre, a trilha sonora tem destaque mais uma vez. Formada apenas de mulheres roqueiras, a escolha das canções sempre tem sentido duplo. No caso, o clássico de Down the Water de PJ Harvey é a assustadora ameaça velada de Catarina (Samantha Morton) aos que a consideram derrotada.

A canção é sobre uma mulher que afoga sua filha e retorna à cena do crime, sussurrando, “peixe pequeno, peixe grande nadando na água, volte aqui, cara, me dê minha filha.” Catarina, ciente da vida curta de mais um filho, no caso Charles IX (Bill Milner), ela o sacrifica em segredo para ter novamente o controle da França. Nós que sabemos que o que vem em seguida é o trágico Massacre de São Bartolomeu, onde pelo menos 5 mil protestantes foram mortos em uma única noite (a contagem final é impossível de ser estimada porque muitos corpos foram jogados no Sena e levados rio abaixo), deflagrando uma perseguição que mataria ainda mais cerca de 20 mil pessoas em todo país. A segunda temporada, portanto, contextualiza com muita inteligência a pressão aumentando, mesmo que use de personagens e fatos fictícios como Edith (Isobel Jesper Jones).
Ao longo da temporada vimos uma Catarina, que aprendemos ser astuta e prática, genuinamente tentando o equilíbrio religioso na França, com a mão firme de uma Regente que desagrada as duas outras casas fortes da Corte: os Bourbons e os Guises. Como italiana e plebéia, Catarina é uma sobrevivente portanto sabe ser estratégica, porém a vemos sofrer derrota após derrota e justamente quando ela tenta ser empática ou emocional. Virtualmente, TODOS a traem, sem surpresa ela é tão implacável quando perde o compromisso de amar alguém, mesmo os próprios filhos.
O encontro de Catarina e Elizabeth I (Minnie Driver) jamais aconteceu, mas a imaginação de Justin Haythe nos proporcionou uma Rainha Virgem divertida, (passivo) agressiva e muito à frente da Rainha Serpente no jogo. Ambas teriam tanto para serem amigas não fosse a fé que a colocasse em cantos opostos. A monarca britânica conseguiu enrolar a todos e, assegurando um bom negócio para Inglaterra, ainda deu meios aos protestantes para instigar a guerra civil.

A verdade é que Catarina estava atipicamente desatenta: a saúde de Charles (que tem tuberculose) foi a gota d’água para que voltasse a focar no que sempre soube fazer melhor: manipular as pessoas e fatos para se manter no Poder.
O lado mistico da rainha serpente é tão histórico e correto como sua fama de cruel e bruxa. Na série, suas visões não são agilmente decifradas e com isso ela sabe que perderá todos os filhos, menos um, e que outro será Rei no lugar dos Valois. Mas quem?
Por hora, ela deduz que sãos Guises que estão articulando para agir, casando a rebelde e inocente Margot (Philippine Velge) com o Duque (Raza Jaffrey), só que nós, fãs de História, sabemos que está subestimando Henry (Angus Imrie), filho de Antoine de Bourbon (Nicholas Burns), que se faz literalmente de idiota e está apenas aprendendo com os antagonismos ao redor para um dia ser, como foi, Rei da França. Isso é um spoiler da realidade, na série, Catarina nem desconfia do futuro. Ela promete à Edith que casará Margot com Henry (o que acontece) e que cederá a regência aos protestantes (o que não acontece). O drama está tão bem encaminhado que me deu arrepio!
É preciso destacar todas as grandes atuações de A Rainha Serpente, com destaque para Samantha Morton, claro, e Minnie Driver. Jamais poderia deixar de citar os irmãos/primos oponentes: tanto Nicholas Burns e Danny Kirrane como os Bourbons e Raza Jaffrey e Ray Panthaki como os Guises. A técnica teatral, o timing para comédia e drama, os detalhes dos olhares e pausas, tudo têm sido uma aula de atuação que só destaca os irmãos Valois também, com Bill Milner captando com perfeição as inseguranças de um rei fraco como foi Charles IX e mais ainda, Stanley Morgan voando como Anjou, o reprimido e complexo príncipe que tem nos emocionado tanto o quanto irritado.
Com isso tudo fico na torcida de PELO MENOS mais uma temporada, para termos a conclusão da ascensão e queda de Catarina de Medici contada por completo. Para mim, A Rainha Serpente é simplesmente imperdível.
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