Callas em Paris: uma noite que mudou sua vida

O concerto de Maria Callas em Paris, gravado no dia 19 de dezembro de 1958, na Ópera de Paris, é perfeito. Ela estava no auge de sua beleza, de sua habilidade vocal, vida e fama. E sabia disso. Era uma das mulheres mais famosas do mundo, certamente do universo da Ópera. E o evento de gala foi tão importante que foi televisionado ao vivo e contou com a presença do Presidente da França na época, René Coty, assim como celebridades francesas e internacionais, como Jean Cocteau, o duque e a duquesa de Windsor, Charlie Chaplin, Brigitte Bardot, Roland Petit e Zizi Jeanmarie, entre outros. Como se dizia na época “le tout Paris” ou a “toda Paris”. Era o evento do ano.

“Meu nome carrega uma responsabilidade considerável e às vezes me sinto assustada”, Maria comentou na época antes de pisar no palco. O concerto era extremamente importante para calar os críticos de sua Arte e de sua personalidade.


O repertório incluiu duas árias de Norma, de Bellini, obviamente incluindo Casta Diva além de trechos de Il Trovatore, de Verdi, La Forza del destino, e O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Sempre acompanhada pela Orquestra da Ópera de Paris e Coro, com o maestro Georges Sebastian, na segunda parte da noite, ela apresentou o segundo ato completo de Tosca, onde levou a platéia às lágrimas com sua interpretação de Vissi D’Arte. Uma única noite que marcou para sempre a nossa despedida de Callas, nos apresentando a Maria. Claro que ninguém desconfiava disso, menos ainda, a própria Maria Callas.

Magra, perfeitamente maquiada e com figurino assinado por sua estilista favorita, Elvira ‘Biki’ Bouyeure, a enteada de Giacomo Puccini, ela vestiu um longo de veludo vermelho adornado com joias estimadas em mais de um milhãonde dólares. O contraste com o piso xadrez e o coral com os homens em trajes de noite e as mulheres em blusas e saias pretas a colocou em maior destaque.

Antes de interpretar o papel que viria ser o “seu” – Tosca – Callas mostrou como o longo vermelho poderia se transformar em três ou quatro peças com pequenos gestos. Ela abriu com a ária de assinatura, Casta Diva, mudou a posição para a soturna Miserere de Il Trovatore, de Verdi, e nos faz rir com a inigualável interpretação de a Una voce poco fa de O Barbeiro de Sevillha. Perfeita. Divina.

O filme em preto e branco hoje tem uma cópia recuperada e colorizada, que inclui entrevistas com os famosos na plateia e as mudanças de cenário. Foi uma apresentação absolutamente histórica.

Naquela noite de 1958, ninguém poderia imaginar que Paris se tornaria sua cidade de destino, onde ela se estabeleceria e onde morreria menos de 20 anos depois, em 1977, com apenas 53 anos.

‘Ontem à noite, eles estavam imediatamente cheios de calor. Havia uma espécie de entendimento entre mim e o público, naturalmente eu estava com medo, porque havia muita publicidade, muito de tudo, os franceses queriam muito, eles queriam tudo, e eu queria dar a eles mais do que tudo! E… isso é um pouco difícil”, ela descreveu depois da apresentação.

O Concerto é considerado até hoje um dos marcos do século 20 e Maria Callas doou seus honorários de cinco milhões de francos à Legião de Honra.

O que os fãs gostam também de lembrar é que, na plateia, mais encantado que o resto e planejando um futuro que mudaria a vida de Maria Callas era Aristoteles Onassis.

Além dele, como sua biógrafa Lyndsy Spence (que entrevistei para CLAUDIA no centenário de nascimento de Callas, em 2023) descreveu, havia outros que mostraram a disciplinada artista de 35 anos que “havia outro lado mais prazeroso na existência”. Maria, diz a autora, estava pronta para Paris. “ Maria se sentiu aceita, apreciada e amada em Paris. Ela havia sofrido recentemente algumas experiências dolorosas com públicos na Itália e na América. Alguns críticos reclamaram que sua voz não era pura, polida ou consistente o suficiente. Mas Maria cantou como uma força da natureza, com toda a gama de emoções, e talvez seja isso que Paris apreciasse, que ela cantasse de uma forma que uma heroína romântica do século 19 poderia ter cantado”, ela descreve.

“Paris também prometia a atração de uma nova paixão”, acrescenta para falar de Onassis. O armador grego enviou uma série de buquês luxuosos de rosas e passou a paquerá-la abertamente, mesmo que ambos fossem casados.

Encontrou uma mulher bonita, frustrada no casamento e pronta para se apaixonar. Tudo começou, naquela noite de Paris…


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