A Rainha Serpente: O Poder e a Sagacidade de Catarina de Médici

O massacre da Noite de São Bartolomeu é um fato histórico do qual A Rainha Serpente não poderia escapar e ficou sapateando até finalmente nos entregar um episódio poderoso, bem amarrado, atuado e sangrento. Que Casamento Vermelho! Os Lannisters tinham que voltar à escola de Catarina de Médici!

Samantha Morton está gigantesca no papel que ninguém mais poderia fazer o que fez nessas duas temporadas. A emoção de um amor eternamente negado (fosse do marido ou dos filhos), a ardilosa italiana aparentemente até tentou fazer o certo, mas como resposta foi traída, humilhada e (se tivesse sido possível), descartada. Era de se imaginar que a essa altura ela não fosse mais subestimada, mas ninguém aprende a lição, nem mesmo Rahima, que se apaixonou pelo meio-irmão de Catarina e escolheu fugir com ele para América. Não durante a vigilância da Rainha, ela não vai.

A segunda temporada “perdeu” o humor da primeira, guardando as ironias para uma participação icônica de Minnie Driver como Elizabeth I. No mais, foi drama e armações de todos os lados, com Catarina de Médici aparentemente perdendo todas as batalhas.

Na verdade, ninguém jamais comprovou a participação da Rainha Mãe em um dos eventos mais trágicos e sangrentos de toda História, mas é seguro imaginar que teve a provável aprovação dela. Na verdade, o objetivo principal do massacre era eliminar os líderes protestantes huguenotes que estavam presentes em Paris para o casamento de Henrique de Navarra e Margot, mas a motivação mais ampla incluía tantos fatores políticos como religiosos. Como A Rainha Serpente mostra desde o início, a França estava profundamente dividida entre católicos e protestantes, e os líderes católicos temiam a crescente influência dos huguenotes.

A série toma várias liberdades para acrescentar pimenta na briga, mas manteve a coerência factual que Catarina tinha uma grande influência sobre o rei Carlos IX e acreditava que a eliminação dos líderes huguenotes poderia consolidar o poder católico e estabilizar o reino. Afinal, ela já tinha tentado de tudo e estava perdendo feio.

Como sabemos que a vida de Catarina foi sofrida ao extremo e que acima de tudo ela era uma sobrevivente, nem o tempo nem a Coroa amansaram sua capacidade de recalibrar os planos e mudar a estratégia em pleno vôo. Ela “sabe” que seus filhos morrerão, ela sabe que uma cobra está entre seus mais próximos portanto se o futuro dos Valois está comprometido, ela vai viver o presente no comando de tudo.

A Rainha Serpente manteve detalhes verdadeiros: a animosidade de Margot com a mãe, a relação com toques de incestuosos entre os irmãos, a competição entre eles e as maquinações políticas. De alguma forma a narrativa não foi simpática com os homossexuais Guise e Anjou, os transformando em assassinos frios sob o manto do medo de serem expostos e não aceitos. Seus amantes são mortos, suas mães e irmãos os humilham, praticamente viram monstros. Ninguém bate Catarina, no entanto.

Ao longo do pode vir a ser a conclusão da série – cuja terceira temporada ainda não foi anunciada – e se for o caso, fechou bem. Catarina dá uma volta em TODOS os inimigos de uma cartada só. Ela consegue fazer com que Margot seja forçada em casamento com Henry, ela usa Anjou para que ele tenha a vingança dele e faça o trabalho sujo para ela, ela deixa o nome dos Guises ligado ao massacre e acaba com os protestantes. Mata o irmão que a trocou por Elizabeth I, o amante, Montmercy, que protegia Edith e assim em diante. Um por um foi caindo sem misericórdia.

Por isso, se for mesmo o fim de A Rainha Serpente, vale mencionar sua qualidade. Sua prima-irmã, The Great apostou cada temporada mais no absurdo, mantendo uma grande qualidade de diálogos, interpretações e produção. Aqui, no entanto, o sarcasmo jamais abandonou a narrativa, nos mantendo viciados, deliciados e surpreendidos. Tudo é absolutamente impecável: a trilha sonora que manteve as canções de mulheres fechando os episódios; os figurinos premiados, mas ainda mais, a participação magistral de todo elenco.

E lembrando que nossa antagonista e protagonista sempre conversou diretamente conosco, vale lembrar que ela nos avisou que nos faria ver o que fez e porquê fez, nos convidando a nos questionar se faríamos diferente. Minha resposta é não, não faríamos. Talvez fossemos ainda mais cruéis? Não há imunidade para o veneno da sagacidade e A Rainha Serpente é um banquete dele. Se não voltar, fará falta.

Editado: Infelizmente, como imaginado, a série foi cancelada em outubro de 2024.


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