Sem surpresa para os puristas que leram Fogo & Sangue, de George R. R. Martin, não foi nenhuma surpresa que o escritor tenha usado seu blog para criticar a adaptação da série House of the Dragon.
“Não estou ansioso por outros posts que preciso escrever, sobre tudo o que deu errado com HOUSE OF THE DRAGON… mas preciso fazer isso também, e farei. Mas não hoje”, ele escreveu no dia 30 de agosto no seu blog, Not a Blog.
As redes sociais, muitas delas alternando elogios à declarações de “blasfêmia” e ódio aos showrunners, celebrou o fato de que Martin estaria insatisfeito como validação às violentas postagens sobre a série que é absolutamente espetacular. Depois da onda de ódio às últimas temporadas de Game of Thrones e o bullying cibernético ao qual submeteram Dan Weiss e David Beniof, os fãs tomaram posse do Universo de Westeros e se um dias os Trekkers foram dor de cabeça para programadores de canais e os produtores da franquia Star Trek, hoje circular no meio e sobreviver à ele demanda uma saúde mental em dia e protegida.


Efetivamente George R. R. Martin escreveu suas reclamações, mas as apagou em seguida, portanto tenho como fonte das palavras a Variety, que reproduziu o que foi citado.
Até então, estava considerando que a proximidade de Ryan Condall com Martin o colocasse sob um manto de proteção que não existe. Não apenas o escritor reclamou de mudanças significativas de sua história (algumas delas concordo plenamente e fui massacrada por amigos quando me manifestei), como o escritor se preocupa com as temporadas futuras.
Segundo a revista americana, o post “Cuidado com as borboletas” foi a fundo na insatisfação que Martin teve sobre o enredo de Sangue e Queijo e a morte de Jaehaerys Targaryen. Isso não é novidade, no dia 5 de julho Martin postou dizendo que “Qual final foi poderoso, eu pensei… um soco no estômago, especialmente para os espectadores que nunca leram FIRE & BLOOD. Para aqueles que leram o livro, no entanto… Bem, há muito a ser dito sobre isso, mas este não é o lugar para eu dizer. As questões são muito complicadas ated. Em algum momento, farei um post separado sobre todas as questões levantadas por Blood and Cheese… e Maelor the Missing. Há muito a dizer”, já avisava.
O fato é o seguinte e quem lê MiscelAna sabe que eu ansiava por essa sequência por mais de dois anos pois é uma das passagens mais violentas e inesperadas de toda saga. Por terem corrido no tempo, mas colocado as personagens com mais idade, os showrunners de House of the Dragon omitiram, não, APAGARAM a existência do terceiro filho do casal Aegon II e Helaena Targaryen, mantendo apenas o casal de gêmeos, Jaehaera e Jaehaerys. Ao descartar Maelor, que Martin agora batizou como Maelor The Missing, a violência da sequência da série – ainda que extremamente violenta – “perdeu” o impacto principal não apenas da cena em si, mas do que virá pela frente.


Na 1ª temporada, a série já tinha descartado um dos filhos de Viserys I e Alicent, Daeron Targaryen, mas “consertou” o erro citando sua existência e o trazendo para a trama – como era no livro – na próxima. Até Olivia Cooke fez piada com o fato em entrevistas, cutucando os showrunners por terem “esquecido” Daeron. No caso de Maelor, isso não tem volta.
No livro, Alicent e Helaena são feitas reféns por Sangue e Queijo e depois de horas de tortura e pedidos desesperados pelas vidas das crianças, Helaena é forçada a escolher qual dos dois meninos – Jaehaerys ou Maelor – deve morrer. Ela escolhe o menor, Maelor, mas, para o choque dela e da gente, os assassinos decapitam Jaehaerys e ainda dizem a Maelor “viu? sua mãe escolheu VOCÊ para morrer”. Compreensivelmente Helaena nunca mais se recupera do trauma. Em House of the Dragon não há uma escolha, os assassinos não sabem diferenciar Jaehaerys de Jaehaera e demandam para Helaena (sozinha, sem Alicent que estava transando com Ser Criston Cole em outro aposento), quem é o menino e ela sem resistência mostra o filho, fugindo com a filha enquanto Sangue e Queijo cortam a cabeça da criança. Decidamente horrível, mas tortuosamente menos impactante.
E, excluir Maelor, só torna complicada outra mudança futura.


Helaena é uma das Targaryens mais tristes e trágicas de todas por ser um doce de pessoa e sofrer ataques e perdas apenas por estar no meio do conflito do marido-irmão, Aegon II e Rhaenyra. Segundo o livro, depois de Sangue e Queijo ela nunca mais voltou ao normal, mal saía do quarto ou falava com coerência. Na série ela está de luto e triste, mas calma. E ainda diz que sua dor é menor do que as mulheres do povo que não têm como alimentar seus filhos. COMO ASSIM?
Essa necessidade de House of the Dragon de colocar seus protagonistas pensando em um bem maior não apenas soa falso como é destoante das personagens originais. Parte da tragédia é mesmo o egocentrismo e incosequência dos Targaryens para manterem o Poder, não havia espaço para pensar nos “small folks”.
A ausência de Maelor será complexa pois ele estava ligado ao destino de Helaena. Ela passa a se torturar psicologicamente por o ter escolhido para a execução e quando a criança é esquartejada pela população faminta (quando estavam tentando “salvá-lo” de Rhaenyra), a notícia de sua morte é decisiva para que a princesa pule (ou seja jogada) da torre do Red Keep. Claro que Helaena ainda pode terminar a própria vida ou ser morta, mas o fato de que morre logo após ao animalesco assassinato de seu segundo filho é quando ela ganha a simpatia eterna dos fãs. Mais uma vez será forte, mas poderia ser ainda pior.


“Quando Ryan Condal me disse pela primeira vez o que pretendia fazer, há muito tempo (em 2022, talvez), argumentei contra, por todos esses motivos”, escreveu Martin. “No entanto, não discuti muito, nem com muita veemência. A mudança enfraqueceu a sequência, senti, mas só um pouco. E Ryan tinha o que pareciam ser razões práticas para isso; eles não queriam lidar com o elenco de outra criança, especialmente uma criança de dois anos. Crianças tão novas inevitavelmente desacelerarão a produção, e haveria implicações orçamentárias. O orçamento já era um problema em HOUSE OF THE DRAGON, fazia sentido economizar dinheiro sempre que possível. Além disso, Ryan me garantiu que não estávamos perdendo o Príncipe Maelor, apenas o adiando. A rainha Helaena ainda poderia dar à luz a ele na terceira temporada, presumivelmente depois de engravidar no final da segunda temporada. Isso fez sentido para mim, então retirei minhas objeções e concordei com a mudança. Ainda amo o episódio e a sequência de Sangue e Queijo no geral. Perder a batida de “Escolha de Helaena” enfraqueceu a cena, mas não em grande grau. Apenas os leitores do livro notariam sua ausência; espectadores que nunca leram FOGO E SANGUE ainda achariam as cenas de partir o coração. Maelor não FEZ nada na cena, afinal. Como ele poderia? Ele tinha apenas dois anos de idade. Há outro aspecto na remoção do jovem príncipe, no entanto”, George R. R. Martin compartilhou no post já apagado.
O problema aqui é que Helaena não tem mais como engravidar e ter um filho de Aegon, teria que ser de Aemond e ele já está à caminho de outro romance (com Alys Rivers). Não dá mais tempo para construir essa relação, a menos que seja algo completamente distinto do livro.
Para o escritor, tirar Maelor da história afeta a parte da história nas duas temporadas finais (estamos indo para a terceira e acaba na quarta).
“Maelor sozinho significa pouco”, escreveu Martin. “Ele é uma criança pequena, não tem uma linha de diálogo, não faz nada de importante além de morrer… mas onde, quando e como, isso importa. Perder Maelor enfraqueceu o final da sequência de Blood and Cheese, mas também nos custou a cena de Bitterbridge com todo o seu horror e heroísmo, minou a motivação para o suicídio de Helaena e isso, por sua vez, enviou milhares para as ruas e becos, gritando por justiça para sua rainha ‘assassinada’. Nada disso é essencial, eu suponho… mas tudo isso serve a um propósito, tudo ajuda a unir as linhas da história, então uma coisa segue a outra de forma lógica e convincente,” continuou. Não quero me gabar, mas falei justamente isso aqui no blog e no paragrafo que antecipava a citação. Ele está 100% com a razão aqui.
“E há borboletas maiores e mais tóxicas por vir, se HOUSE OF THE DRAGON seguir em frente com algumas das mudanças que estão sendo contempladas para as temporadas 3 e 4…”, ele alertou. Mais?


Martin não endereçou outras coisas que irritaram os “puristas”. Vou aqui compartilhar algumas:
- A Morte de Laenor Velaryon. O 1º marido de Rhaenyra originalmente era assassinado, de forma suspeita e em tempo convenientemente oportuno para que o viúvo Daemon Targaryen finalmente se cassasse com Rhaenyra. A série fez com que Daemon e Rhaenyra tivesse ajudado a Laenor a fugir e se fingir de morto para viver feliz em Essos com o amante.
O que enfraquece a trama? Primeiro é mais uma vez Rhaenyra conscientemente sabendo que está desrespeitando a regra moral da sociedade de Westeros e apresentando bastardos como filhos legítimos. Os três primeiros eram de seu amante, Ser Harwin Strong e o casamento com Daemon é nulo uma vez que Laenor estava vivo.
Como dragões só mudam de cavaleiro quando o original morre, sabemos que Seasmoke elegeu Addam of Hull porque Laenor ‘provavelmente’ morreu e a indiferença de Rhaenyra a torna incoerente com o carinho que teve por ele até aqui.


- Alicent e Rhaenyra serem amigas de infância. No livro, Alicent é bem mais velha do que Rhaenyra e suspeita não apenas de ter matado Viserys como até o Rei Jaehaerys antes dele. Uma mulher inteligente, Alicent antagoniza com a enteada mais a guerra é entre irmãos e terem insistido nas duas ‘amigas’ tão conectadas e rivais perdeu o sentido já na segunda temporada, forçando encontros entre elas apenas para ter as protagonistas femininas em uma mesma cena.
- A ausência de Netlles. A trama da jovem que conquistaria Daemon e domaria o dragão Sheepstealer aparentemente foi passada para Rhaena Targaryen. Isso tira o triângulo amoroso que deixaria Rhaenyra na ponta rancorosa e cruel. Como fizeram com Daeron Hightower, pode ser que mudem de ideia da entrada de Nettles, mas o dragão parece ter ficado para a filha de Daemon.
- A morte de Lucaerys Velaryon ter sido acidental e Aemond sentir triste e culpado pelo erro. Que Aemond não tenha tido controle sobre Vhagar já é um tanto criativo, mas tê-lo confessando que se arrependia foi sair da personagem. Aemond odiava os sobrinhos e mesmo tendo matado “sem querer”, não se arrependeria.
A lista pode crescer, e há mudanças que ficaram mais positivas, como a relação mais sexual e dúbia de Rhaenyra com Mysaria, a personalidade mais complexa de Aegon e de Aemond, assim como a humanidade de Viserys I, foram detalhes que enriqueceram o drama.


Voltando à George R. R. Martin sua transparência criou um mal-estar e a MAX divulgou uma nota de que “existem poucos fãs maiores de George R.R. Martin e seu livro ‘Fire & Blood‘ do que a equipe criativa de ‘House of the Dragon‘, tanto na produção quanto na HBO. Comumente, ao adaptar um livro para a tela, com seu próprio formato e limitações, o showrunner acaba sendo obrigado a fazer escolhas difíceis sobre os personagens e histórias que o público seguirá. Acreditamos que Ryan Condal e sua equipe fizeram um trabalho extraordinário e os milhões de fãs que a série acumulou nas duas primeiras temporadas continuarão a apreciá-la.” E o post foi apagado, portanto Martin pode ter se arrependido de ter ido mais a fundo sobre o que realmente achou das “escolhas difíceis” da equipe.
Conviver com as expectativas do público que não conhece os livros, com os que são dedicados à literatura e a do próprio autor não é tarefa fácil. No podcast oficial do House of the Dragon, Condal já tinha endereçado a ciência das frustrações geral e, em especial à questão de Maelor, se defendeu alegando que foi casualidade de guerra.
“Nossos filhos pequenos neste show são muito jovens. Muito, muito jovens”, ele disse. “Porque comprimimos essa linha do tempo. Então essas pessoas só podiam ter filhos de uma certa idade e fazer com que fosse crível onde não parecesse que não estávamos nos apegando às realidades da passagem do tempo e do crescimento das crianças de nenhuma maneira real. E as pessoas, as pessoas olham para essas coisas. E particularmente com um show como este, elas olham muito de perto. Então foi uma escolha feita. Teve um efeito cascata, e decidimos que iríamos nos inclinar para isso e tentar fazer disso uma força, em vez de interpretá-lo como uma fraqueza”, completou.


No momento, a equipe de produção já está trabalhando na terceira temporada, que só deve ir ao ar em 2026. A temporada final, nessa conta, deve estrear em 2028. Como George R. R. Martin iniciou a 2ª temporada com elogios, há esperança que o futuro seja mais positivo.
Um dos maiores elogios feitos por Martin à House of the Dragon foram as mudanças de Paddy Considine para Viserys I (“essencialmente recriou o Rei Viserys, dando a ele uma história de fundo muito diferente e muito mais profundidade do que o rei alegre e amante de festas que criei para FIRE & BLOOD. Ele deveria ter ganhado um Emmy”, declarou), de Tom Glynn Carney como Aegon II ( [ele] dá vida a Aegon de maneiras que nunca vimos antes; ele é mais do que um vilão aqui, ele nos mostra a raiva do rei, sua dor, seus medos e dúvidas. Sua humanidade”, descreveu), Phia Saban como Helaena (“é uma personagem mais rica e fascinante do que a que criei em FIRE & BLOOD”, reconheceu) , mas, acima de tudo, amou o viralata que só existe na série. “Normalmente não sou fã de roteiristas adicionando personagens ao material de origem ao adaptar uma história. Especialmente quando o material de origem é meu. Mas aquele cachorro era brilhante. Eu estava preparado para odiar Cheese, mas o odiei ainda mais quando ele chutou aquele cachorro”, Martin escreveu no Blog. “Eu queria ter pensado naquele cachorro. Eu não pensei, mas outra pessoa pensou. Estou feliz por isso”, brincou.
Pois é: ele reclamou mais do que saiu em vez do que entrou. Concordamos com ele? Eu sim, cada sílaba.
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