“Mas o Sr. Heathcliff forma um contraste singular com sua residência e estilo de vida. Ele tem aspecto de cigano de pele escura, no vestuário e nos modos é um cavalheiro. . . Eu sei, por instinto, que sua reserva surge de uma aversão a demonstrações vistosas de sentimentos. . . Ele amará e odiará igualmente disfarçado e considerará uma espécie de impertinência ser amado ou odiado novamente“.
A descrição e apresentação da autora Emily Bronte em O Morro dos Ventos Uivantes sobre uma das personagens mais complexas da literatura – Heathcliff – um homem sem sobrenome, sem origens esclarecidas e uma alma obscura, tortuosa e torturante gera até hoje, mais de dois séculos depois, muita controvérsia. Estaria ela descrevendo metaforicamente ou literalmente a etnia dele?

A discussão voltou a acalorar com o anúncio de que Emerald Fennell elegeu o australiano – e branco – Jacob Elordi como seu Heathcliff para imediatamente as redes sociais reagirem. Contra, claro.
“O mais paia é que o Heathcliff não ser branco faz toda diferença na história“, diz Carla Amaral no Threads.
“Se o Jacob Elordi for o Heathcliff esquece essa adaptação. Um ponto central da história é que o Heathcliff é um homem não branco 🫠🫠“, diz Rafaela Justiniano.
“e esse Heathcliff branco aí? 👁️”, complementa Ana Rosa.
“Mas Heathcliff branco infelizmente não vai ser o primeiro né 🤡 só uma adaptação tem um ator negro como Heathcliff (filme de 2011), nos outros filmes são homens brancos”, comenta Vaneza Nunes também no Threads.
“Talvez eu esteja na minha bolsa de literatura hoje, mas não sei como você pode ler O Morro dos Ventos Uivantes e sair pensando que Heathcliff é branco. Não é assim que ele é descrito no livro” lembra Meechan Whitson Meriweather.

Há o argumento igualmente válido que Heathcliff – por ser cigano – tenha origem romena, como lembra mais de um usuário do Threads. “Heathcliff deve ser, pelo menos parcialmente, descendente de ciganos. É uma das razões pelas quais ele é diferente ao longo do romance, bem como uma das razões pelas quais Cathy o rejeita. O racismo é uma parte central do Morro dos Ventos Uivantes. Escolher um ator branco mostra falta de compreensão do romance“, argumenta Robi Locksley.
“Dados os trabalhos anteriores de Fennell, espero que este seja um filme muito bonito, mas não bom. E isso mostrará mais uma vez que ela não entende os assuntos sobre os quais deseja falar”, antecipa.
Afinal, qual é a versão certa?
Como ressalta a discussão, o racismo é um dos temas mais delicados e importantes em todo romance de Bronte. É, literalmente porque Heathcliff é “diferente” que Cathy rejeita a idéia de se casar com ele, mesmo que na mesma frase ela descreva sua paixão visceral por ele com a icônica frase de “eu sou Heathcliff”. Porém, o mesmo racismo na Arte em geral preveniu que a descrição física da cor da pele dele fosse levada em consideração em quase todas montagens do papel no cinema ou na TV.
Especialistas discutem que a descrição feita por Sr. Lockwood sobre Heathcliff, que é uma das primeiras frases que ouvimos sobre ele, quer realçar o contraste entre a origem de Heathcliff como cigano órfão e o sua atual posição de cavalheiro. E que também justificaria aos ressentimentos e ações dele contra seus inimigos. Além de “aspecto de cigano de pele escura” ele é descrito como “Áspero como uma serra e duro como uma pedra“. Um homem que “deve ter passado por alguns altos e baixos na vida para o tornar tão rude“.
Todo esse diálogo inicial é importante por o Sr. Loockwood nos representa, um forasteiro que entra por acidente na vida daquelas relações tóxicas de Wuthering Heights. Nelly, como testemunha, o alerta – e a nós – para manter distância pois ninguém sabe exatamente quem é Heathcliff e nunca saberão.

No livro, Emily Brontë descreve Heathcliff com uma complexidade que reflete sua natureza multifacetada, frequentemente retratado como uma figura sombria, intensa e muitas vezes aterrorizante.
Ele foi encontrado nas ruas de Liverpool (isso é um detalhe importante) pelo pai de Cathy, Sr. Earnshaw, que o traz para casa e o educa, tratando como filho. Descrito como um “menino cigano” sem nome, essa descrição inicial já sugere um ar de mistério e exclusão social.
A aparência física de Heathcliff tem extrema importância na história para enfatizar seu comportamento intenso, frequentemente associado a uma presença quase sobrenatural, refletindo sua personalidade enigmática e perturbadora. Por isso Brontë usa palavras como “implacável”, “vingativo” e “apaixonado” para descrevê-lo.
Heathcliff é movido por fortes emoções, especialmente o amor e o ódio. Sua paixão por Catherine Earnshaw é intensa e possessiva, e sua busca por vingança contra aqueles que ele sente que o prejudicaram é implacável.
Outra sinalização importante do racismo é que no livro, Heathcliff é frequentemente comparado a animais selvagens que confirma sua natureza indomada e primitiva. Assim é descrito como “um lobo solitário” ou “um tigre à espreita”, sugerindo sua ferocidade e imprevisibilidade.
O mistério ao seu redor contribui para que todos, menos Cathy, tenham medo dele. E sofram também.

Os que acreditem que toda discussão em torno da etnia de Heathcliff o faça uma espécie de Cleópatra de calças têm menos argumentos contra do que a Rainha do Egito. Cleopatra, como egípcia de origem grega, depara com o os egípcios contrários à qualquer sugestão de que ela tenha sido negra, mesmo que o Egito esteja no continente africano. Não entrarei nessa arapuca.
Já Heathcliff tem fortes sugestões para que efetivamente Emily Bronte tenha sido específica em sua descrição. Ela diz claramente “pele escura” e Liverpool, onde Heathcliff foi encontrado, é onde está a comunidade negra mais antiga da Grã-Bretanha e, por consequência, uma das mais antigas da Europa. Sim, ciganos romenos também não são considerados brancos e descritos como escuros, mas vamos combinar que o brilhantismo da autora não deixou essa parte muito aberta para discussão.
Embora cada um possa imaginar “seu” Heathcliff, o cinema e a TV contribuíram para a confusão em torno da etnia do personagem. Em apenas uma versão, em 2011, ele foi interpretado por um ator negro (e jovem). No mais, tem sido o papel favorito de atores caucasianos que o máximo que fazem para se aproximar da “escuridão” do misterioso homem usam cabelos pretos e às vezes algum bronzeamento. Até os olhos escuros apareceram muito azuis em alguns casos.
Dos mais famosos, Laurence Olivier é um dos mais antigos, tendo criado o caminho para os outros no filme de 1939, ao lado de Merle Oberon. Depois dele, em 1992, Ralph Fiennes – ainda desconhecido na época – passou a ser o mais elogiado por ter capturado melhor a essência do personagem, mas Tom Hardy também deixou um Heathcliff marcante na TV em 2009, oferecendo uma interpretação sombria e ameaçadora que destacou a natureza vingativa de Heathcliff. Há um Heathcliff para todos os gostos!

É fácil entender o atrativo para o papel: Heathcliff é um personagem que exibe uma ampla gama de emoções e comportamentos, desde o amor profundo e apaixonado até a vingança amarga e a crueldade. Para um ator, interpretar um personagem com tantas camadas oferece uma oportunidade de demonstrar habilidade e profundidade interpretativa. Além disso, Heathcliff é um anti-herói, o que significa que ele não é claramente bom ou mau. Sua moralidade ambígua e suas ações extremas desafiam os atores a encontrar a humanidade em um personagem que comete atos horríveis, tornando a interpretação mais desafiadora e gratificante.
O que ninguém discorda é que O Morro dos Ventos Uivantes é mais do que um clássico da literatura inglesa, é uma das obras mais reconhecidas na cultura mundial e Heathcliff é um dos personagens mais icônicos de todos os tempos. Interpretar um personagem tão conhecido e respeitado pode ser um marco na carreira de um ator e uma oportunidade de deixar sua marca em um papel lendário. Só poderiam respeitar sua verdadeira aparência…
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