Ryan Murphy e a Controvérsia da série sobre os Menendez

O mega-sucesso de Monsters: A História de Erick e Lyle Menendez é um tanto óbvio, considerando que o crime de 35 anos atrás virou febre nas redes sociais como TikTok a partir da curiosidade das gerações que não conviveram com o impacto do crime e que olham para o fato com os valores culturais atualizados. Foi justamente a força que ressurgiu com os vídeos que questionavam a sentença dos irmãos que Ryan Murphy decidiu abordá-los em sua franquia na Netflix.

Sabe, não há nada mais jovem do que se achar dono da verdade e “descobridor” de fatos. Assim como o inverso é válido: nada mais antiquado do que se achar dono da verdade e conhecedor dos fatos. Esse elemento binário é inerente da condição humana, mas a tecnologia acrescentou um elemento que efetivamente separa gerações e desperta irritação mútua. Portanto, quando Millenials e Geração Z “descobrem” histórias de 30 ou 40 anos atrás, não apenas os Baby Boomers reagem, mas igualmente a Geração X. O exemplo dos Irmãos Menendez é um dos melhores exemplos.

Quando Erick e Lyle assassinaram friamente seus pais, que estavam adormecidos e assistindo TV em casa, o mundo ficou sem entender o que levaria dois jovens bonitos e milionários a realizar um crime extremamente brutal. A ganância foi tanto óbvia como explorada, mas quando os dois revelaram os abusos sexuais, morais e físicos que sofreram nas mãos de seus pais, especialmente de seu pai, José Menendez, o mundo se dividiu entre crédulos e incrédulos.

O tabu de apenas quatro décadas atrás não incluía apenas falar claramente de perversões ou violências com mulheres, era ainda maior com homens. Com o elemento incestuoso como cereja do bolo, os conservadores decidiram que os dois mentiram e que eram dois sociopatas, punidos exemplarmente após a Justiça falhar com os dois outros crimes contemporâneos (Rodney King, libertando os policiais que o mataram;  John Sweeney, que matou a namorada, Dominique Dunne e foi condenado a dois anos de prisão apenas e claro, O.J. Simpson, que foi inocentado depois de praticamente degolar a ex-mulher e matar um amigo dela). E o julgamento de Lorena Bobbit, que argumentou que decepou o pênis do marido como efeito do trauma de anos de abuso sexual e foi condenada a tratamento psiquiátrico antes de ganhar liberdade. Indiretamente, esses quatro casos, vistos hoje em paralelo, foram a base para que surgisse uma movimentação online para a revisão da condenação dos irmãos Menendez, que servem duas sentenças perpétuas cada por crimes parecidos com os de O.J. Simpson e Lorena Bobbit.

Simplificação também é um mal moderno. A comparação acima parece lógica, não? Mas não é. A grande ‘falha’ na argumentação de defesa dos irmãos está no lado financeiro. Nenhum dos casos acima incluía ganho material e aqui está o calcanhar de Aquiles dos dois: eles alegam que tomaram a iniciativa porque tinham certeza que seus pais iam matá-los depois que eles ameaçaram tornar públicos os abusos, portanto agiram em legítima defesa. Mas assim que os pais estavam mortos, os dois começaram a tostar a herança de 12 milhões de dólares, gastando quase 1 milhão em menos de um mês comprando carros, relógios e dando festas em hotéis caros.

Não é cara de pau dos dois argumentarem inocência: a sentença na mesa era Pena de Morte, estarem com Perpétua, para a Justiça nos anos 1990s, já pareceu ser um alívio pelo que contaram como motivação. Porém, como os jovens atuais se indignam, os dois foram alvo de piadas preconceituosas e até hoje questionados sobre os abusos sexuais que até parentes testemunharam ser verdadeiros. Seria hora de fazer um novo julgamento que teria ouvidos mais empáticos ao sofrimento dos dois.

Nesta longa introdução, necessária para contextualização, entra a série da Netflix. Ryan Murphy, que adora True Crime e que estava em Los Angeles na época em que os Menendez foram presos, viu aqui uma oportunidade de fazer uma releitura da história. O potencial polêmico era inevitável, sabíamos, e vem gerando tititi na Internet. Com Monster: A História de Jeffrey Dahmer, as famílias das vítimas se irritaram com o que acharam insensibilidade do showrunner. Agora, sem surpresa, são os irmãos Menendez que se incomodaram com o que está na plataforma.

Em uma entrevista ao site da Netflix, Murphy admitiu que a onda crescente a favor dos irmãos o inspirou porque a crença de que abuso prolongado pode determinar uma reação tardia (o argumento de Lorena Bobbit), no caso dos irmãos, sequer foi admitido no segundo julgamento conjunto e levou à condenação dos dois. Ele se diz a favor da revisão da pena, mas se chocou com os que consideraram que a série alimenta argumentos contra a liberdade possível dos irmãos.

“Esta temporada realmente mostra um espelho para as pessoas e para a sociedade, e isso deixa muitas pessoas desconfortáveis ​​— acho que é bom que elas se sintam desconfortáveis,” disse Murphy ao site Tudum.

Para ele, a série não determina uma posição única, mas apresenta várias versões para que o público eleja a que considere mais plausível.

“O programa tem uma abordagem Rashomon, onde fala sobre inúmeras perspectivas, e uma perspectiva não é uma mentira. Uma perspectiva é uma opinião, e o programa tem uma obrigação com todas essas opiniões, incluindo os pais, incluindo os advogados… e assim por diante”, ele diz.

Para Ryan Murphy, a franquia se baseia no questionamento de “os monstros são feitos ou nascem?”, portanto questionar os irmãos é igualmente essencial. “Esta temporada é particularmente interessante porque os sujeitos ainda estão vivos. Eles estão encarcerados. Eles têm grandes pontos de vista, e acho que este programa está iniciando muitas conversas sobre abuso sexual. Ele está fazendo muitas perguntas culturais — o que eu gosto. Como toda temporada de Monster, ele trouxe sua parcela de controvérsia, mas isso era de se esperar”, Murphy diz.

E sobre a reação dos Menendez e dos fãs? A resposta é direta:

“Eu acho que esse show é a melhor coisa que aconteceu aos irmãos Menendez em 30 anos de prisão. Eles disseram isso. Eles disseram isso aos advogados.”, ele insiste. “[O show] traz consigo uma boa parcela de controvérsia. Como artista, eu sou alguém que é sempre, mesmo quando não estou tentando, eu acho, atraído por coisas provocativas. No caso de Monsters, é, por natureza, controverso”, concorda.

A questão do incesto é uma das mais delicadas, não apenas do pai com os filhos, mas uma possibilidade entre eles também. “Acho que houve algum mal-entendido. Por exemplo, há uma parte incestuosa no programa, mas é tão pequena. Talvez seja menos de 1% do programa, mas as pessoas se apegaram a isso como se estivéssemos apresentando isso como um fato. Não, não estamos. Estamos apresentando isso como uma teoria, uma das muitas teorias que existem sobre este caso. Então não estamos defendendo nada. Estamos apenas apresentando coisas que foram discutidas naquela época e agora. Gostaria que as pessoas pudessem entender isso um pouco melhor”, ele explica.

E qual é a opinião dele sobre o caso?

“Havia quatro pessoas envolvidas. Duas delas estão mortas, então só Deus e essas quatro pessoas sabem o que realmente aconteceu. E acho que o aspecto desconhecido disso é interessante e provocativo, tentando chegar ao fundo disso”, diz Murphy. “Honestamente, quando começamos a falar sobre promover o show e sobre o que iríamos falar, acho que nossa linha de ação era: “Bem, vamos deixar o trabalho falar por si. Não vamos nos apressar com muitas de nossas próprias opiniões.” Mas acho que agora que os irmãos e a família se manifestaram, nós também podemos nos manifestar. E como eu disse a todos no elenco — e todos têm um interesse. Não acredito que alguém deva passar a vida inteira na prisão. Simplesmente não acredito nisso, e o caso Menendez é um exemplo perfeito disso. Acho que, se houver mais evidências e se houver uma perspectiva diferente que os advogados dos [irmãos] tenham, acredito que isso deve ser ouvido. Acredito que muita coisa mudou desde meados dos anos 90, quando esse caso foi julgado, e acho que as pessoas entendem muito mais esse tópico e têm a largura de banda e a educação”, argumenta.

Bom, eu saí da série achando que ela não contribui favoravelmente aos irmãos, mas cada um tem uma visão diferente. Qual é a sua?

A entrevista completa de Ryan Murphy ao Tudum está aqui.


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