É incrível que em mais de três décadas de exaustivas discussões e investigações sobre as vidas de Erick e Lyle Menendez, assim como o crime que cometeram juntos em 1989 ainda tenha material para filmes, séries, livros e documentários. Mas aparentemente, há. Embalado no sucesso da série Monsters: The Erick and Lyle Menendez Story, o documentário Os Irmãos Menendez quer nos contar “a história toda” sobre eles.
Não há exatamente fatos “novos”, mas ouvimos as entrevistas dos irmãos (gravadas por telefone no presídio) onde há mais uma vez, como é comum na plataforma, um uso complexo do formato de “documentário” em formato de comunicados elaborados por advogados e assessores de imprensa. Não é diferente aqui. “A maioria desses documentários não tinha os irmãos. Havia uma série que tinha Erik, mas Lyle nunca falava desde os anos 90, desde a entrevista com Barbara Walters, eu acho”, comentou o diretor no Tudum. “Parece simples, mas é novo. Deveríamos ter os dois irmãos. Mas não só isso, deveríamos ter também a acusação. Deveríamos ter o outro ponto de vista, e isso será diferente,” seguiu.

Voltamos no tempo com os mesmos argumentos – algumas fotos inéditas – e depoimentos, em grande parte, que defendem a libertação dos irmãos que assassinaram os pais e que estão no TikTok e estamos na mesma situação.
Há trinta anos, quando os dois foram condenados, quase ninguém acreditou no depoimento deles que o assassinato premeditado em detalhes foi por medo e trauma de contínuo abuso sexual por parte do pai deles, José Menendez. Tudo era contrário a um olhar simpático aos dois irmãos: eram ricos, bonitos, inconsequentes, estavam quase sempre sorrindo, celebraram a morte dos pais com festas, viagens e compras milionárias. Nem mesmo a família confirmando que a criação deles era disfuncional e que havia relatos do abuso entre eles os ajudou.
A geração TikTok tem como bandeira não apenas estar reformulando os valores da sociedade, mas o fato de quem tem em mãos o poder de mobilização que pode reverter o que consideram erros de julgamentos anteriores. Literalmente. E os Irmãos Menendez viraram sua bandeira principal.
Tudo isso nós sabemos, portanto, para que mais um documentário? Para o diretor argentino, Alejandro Hartmann porque nós ainda não chegamos a uma conclusão da verdade e ainda não tínhamos escutado a história nas próprias palavras deles. Eu reformularia a sinopse para um documentário onde eles refletem os quase 35 anos atrás das grades (foram presos seis meses depois do assassinato, em 1989) e como hoje olham para o passado, mais ainda, para o futuro.


Os detalhes do abuso não mudam, há uma parte que está fora da série de Ryan Murphy, que foi como eles suportaram 21 anos das sentença em presídios separados e como hoje um tenta perdoar um ao outro por tudo que aconteceu.
O depoimento que vem gerando maior contundência não é de Lyle ou de Erick, que pelo documentário ganharam maturidade e liderança na prisão é o da promotora Pamela Bozanich. Ela mantém sua convicção de que não houve abuso, que é uma mentira que não colou e que o movimento do TikTok é desprezível. “Se é assim que vamos julgar casos agora por que então não fazer enquetes? Você apresenta os fatos e todos decidem no TikTok e vão para casa”, desabafa irritada. “Suas crenças não são fatos. Elas são apenas crenças”, diz.
Até aí pensei em dar razão mas quando ela alerta que está armada e que está pronta para se defender se forem à casa dela, me assustei.

No final das contas, com os irmãos finalmente conseguindo a revisão da pena ainda em 2024, a superexposição – ainda mais simpática – é uma estratégia de defesa para que possam ganhar liberdade.
“A verdade é muito complexa de entender, e em um caso como esse, não é preto ou branco. Você provavelmente nunca entenderá o que realmente aconteceu. É um paradoxo de alguma forma. Você tenta cavar em algo para finalmente entender que você provavelmente nunca entenderá por que aconteceu”, explicou Alejandro. “Tentei mostrar uma visão aberta e as diferentes visões do caso. Claro, eu queria deixar os irmãos falarem. Queria dar ao público material para tirar suas próprias conclusões, mas especialmente para fazê-los pensar sobre essa história como uma tragédia. Esta é uma tragédia para todos. Foi uma tragédia para todos, é claro, para os pais que estão mortos, mas também para os irmãos”, concluiu.
Em novembro saberemos o capítulo final desse drama.
E ninguém perguntou, mas eu acredito nos irmãos sobre o abuso e também acho que mais de 30 anos presos foi uma punição adequada pelo que fizeram, ainda mais que em 21 desses anos deliberadamente separaram os dois. Há criminosos de igual ou pior responsabilidade que foram soltos e acredito que eles merecem ser reavaliados. Não sei se pensaria assim há três décadas, mas hoje sim.
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