Disclaimer (em tradução literal seria Aviso Legal), a série de sete episódios estrelada por Cate Blanchett e assinada por Alfonso Cuarón, completada por um elenco de estrelas premiadas jamais poderia ser menos do que um sucesso estrondoso, mas, com apenas dois episódios liberados na Apple TV Plus, a crítica já caiu em cima chamando a série de superficial, confusa e até pretensiosa. A culpa, em parte, não é dos dois.
A série é a adaptação do livro de 2015 de mesmo nome, assinado pela jornalista-escritora Renée Knight. Na época, comparado à Gone Girl, o livro já foi duramente criticado e portanto é curioso que tenha sido a escolha de Cuarón para sua estreia na TV, mas, por outro lado, há coisa com menos qualidade que encontra maior empatia. Nos dois primeiros episódios, há escolhas “curiosas” como a de ter uma narradora para os pensamentos das personagens, o que é uma escolha estranha, mas no mais, está bem.

Antes de embarcar na trama e nas atuações, também revelando o SPOILER da história – necessário para defender Blanchett – vamos lembrar dessa escolha da narração. Martin Scorcese fez a mesma coisa em A Época da Inocência. Há frases e descrições que se não conseguir transportar para um diálogo ficariam perdidas e essa alternativa ‘salva’, mas, no caso de Disclaimer, cujo texto original é fraco, acaba ressaltando a falha narrativa. Por isso será importante revelar o grande SPOILER da história.
Vamos ao que sabemos até agora: Catherine Ravenscroft (Blabchett) é uma documentarista bem-sucedida que encontra um livro misterioso em sua casa, percebendo que a história contada nele é sobre ela. O livro revela um segredo que Catherine guardou por muitos anos sobre um incidente que ocorreu enquanto ela estava de férias na Itália com seu seu filho, Nicholas.
Durante essas férias, Catherine teve um encontro com Jonathan Brigstocke (Louis Partridge), um jovem de 19 anos, que terminou tragicamente. Jonathan morreu, e Catherine foi a única testemunha do que realmente aconteceu. Ela sempre acreditou que ninguém mais sabia a verdade sobre o que realmente ocorreu naquele dia. No entanto, a publicação do livro revela que alguém está ciente do seu segredo, e isso ameaça destruir sua vida atual.
O livro, escrito pelo pai de Jonathan, Stephen Brigstocke (Kevin Kline), sugere que Catherine foi responsável pela morte de Jonathan. Stephen escreve o livro como uma forma de vingança, acreditando que Catherine arruinou a vida de seu filho e, por extensão, a dele também. Depois de tantos anos Catherine terá que enfrentar as consequências do passado que ela tentou enterrar.
Cate Blanchett navega pelo drama sem nos desapontar. O drama de Disclaimer já esteve em sua carreira mais de uma vez – uma mulher desmantelando diante dos nossos olhos – mas não pelo que pensamos ser: vergonha de um romance furtivo.
Contato no presente com cenas de flashback, nos dois primeiros episódios, graças à Catherine ainda querer manter o segredo, recebemos informações truncadas que nos induzem a julgá-la mal. Seu relacionamento com o filho hoje está em frangalhos, o casamento é frio e apenas o trabalho tira o melhor dela, ainda assim, se esforça para manter as aparências.
Leslie Manville, que interpreta a mãe de Jonathan, tem a participação mais marcante da série até aqui. Convencida de que Catherine está envolvida na morte dele, ela confronta a documentarista que assim como foi questionada pelo marido, insiste que nada foi como parece, mas não se estende. E isso nos irrita como irrita a todos, levando a crer que ela tem culpa de uma escapada extra-conjugal.

E aqui está o calcanhar de aquiles de grande parte do gênero de suspense, que é a necessidade de uma virada surpreendente. Disclaimer, que no Brasil foi publicado como A Confissão, usou uma informação guardada até boa parte da história, para criar o efeito de “uau” que perde justamente por arrastá-lo. Por isso é que está impossível de entender o drama, mas se não sabe da verdade, pode seguir que ela virá à tona. Obviamente, “não é o que parece”, como Catherine diz.
Aliás, posso dizer? Sabendo o que é, tenho que elogiar ainda mais a reação de Cate Blanchett quando confrontada com as fotos. O livro – ela sabe – seria apenas o começo de reascender feridas que preferia omitir, mas as fotos são uma deturpação do fato.
A partir desse momento, vamos para o SPOILER e sim, pode perder o interesse de esperar os próximos cinco episódios.
O fardo de Catherine é realmente mais pesado, mas aparentemente um tanto inexplicado para os dias atuais se acharmos que uma mulher não tem o direito de viver o trauma como achar melhor. Ela carrega um segredo que sabia que seria questionado e deturpado, algo que infelizmente sempre acontece quando o crime é estupro. Isso mesmo, Jonathan – o jovem fofo e querido que os pais idolatram – violentou Catherine no passado.
Com essa informação, o fato de que ele fotografou o momento e fez parecer que ela estava participando voluntariamente torna o segredo “chocante”, mas essencial para a discussão. Catherine, sabemos, tinha problemas com o marido e até onde estamos vendo na versão do roteiro, flertou com Jonathan quando estava sós na Itália. Como a partir daí ele passou a ser um predador é a virada da série, uma que quero muito ver como será conduzida.
Nos dois episódios iniciais os sinais da verdade estavam lá: a vergonha e a reação visceral de Catherine ao ser confrontada com as fotos e o relato – errado – do que aconteceu. Nicholas, hoje retraído e agressivo com ela, repetiu várias vezes para o pai que “não lembra da viagem”. E Jonathan, também sabemos, morreu na Itália.
Ao ver as fotos, Catherine é questionada pelo marido sobre “como pôde ter tido um caso na frente do filho”, e ela, sem conseguir falar, garante que “ele não viu nada”. Estamos irritados com Catherine não conseguindo explicar o que houve e isso mostra nossa falta de empatia com o que imediatamente jogamos como culpa dela nos ombros de uma mulher.

Há o que descobrir a razão da culpa de Catherine, algo comum das vítimas que sempre sofrem acreditando que poderiam ter evitado a violência de alguma forma. Catherine não quer destruir a imagem de Jonathan para a mãe dele, afinal, ele já “pagou” tendo morrido logo depois, mas o que parece impedir à contar ao marido é exatamente o que ele joga na cara dela: que ele sempre acreditou que ela se casou por dinheiro e era uma mulher manipuladora. E Nicholas? Testemunhou tudo, por isso também tem problemas com a mãe desde então. E esse segredo, ELA não sabe.
Jonathan vai morrer afogado tentando salvar Nicholas, portanto ainda há um espaço para o mistério do envolvimento do jovem e “o verdadeiro segredo”. Mas quando chegarmos lá, já estaremos meio entediados com a trama que se resolveria em quatro episódios mas chegará a sete.
Espero, ao revelar o que realmente está por trás do suspense, ter ‘salvado’ as críticas injustas à Cate Blanchett, que está sublime.
E podemos encerrar com a máxima ironia de ver Kevin Kline interpretando com precisão um inglês? Depois de ter ganhado um Oscar por Um Peixe Chamado Wanda no papel de um americano que odeia os britânicos, só pode ser uma piada intencional. E sim, ele também está ótimo.
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