A história do assaltante francês Bruno Sulak, comparado nos anos 1980s ao fictício Lupin graças às suas fugas cinematográficas, é também, trágica. Considerado bonito, era educado e inteligente, deixando a polícia enlouquecida com suas ousadias. Era uma questão de tempos de biografias e true crimes que sua história chegasse à uma plataforma e é o caso em 2024.
Livre (Freedom) é o 13º filme da atriz diretora Mélanie Laurent, que nós conhecemos mais por seu papel como Soshana em Bastados Inglórios e é uma leitura romantizada assim como atenuante da vida do criminoso que era notícia na França do final dos anos 1970s até o início dos anos 1980s, assaltando supermercados e joalherias sem violência, com bastante educação e ousadia.

Para ilustrar bem o impacto de Bruno na vida real, a diretora escalou o ator Lucas Bravo, conhecido mundialmente por sua participação na série Emily In Paris (que ele alega estar querendo deixar no passado). Na visão de Mélanie, Bruno era um idealista inconsequente mais apaixonado pela liberdade e anarquia do se preocupando com as consequências de seus crimes. E Lucas, mesmo sem grandes demanda, consegue trazer um pouco da profundidade da personalidade de um jovem que é um enigma até hoje.
Mélanie não se aprofunda ou explica muito para quem é iniciante: ela aproveita a beleza de seu principal ator, assim como seu carisma, e explora ao máximo. Sua paixão pela aventura, ela nos sugere, fez de Sulak um homem quase impossível de parar.
Filho de imigrantes argelinos e croatas, Bruno Sulak (Lucas) era paraquedista no exército, mas deixou o serviço para passar a ser assaltante e dar pequenos golpes. Ele trabalhava com sua sua namorada motorista de fuga Annie (Léa Luce Busato) e o amigo Drago (Steve Tientcheu). Mesmo com milhões, eles se divertem com pequenas coisas e vivem a um passo antes da polícia. A crescente fama de Bruno – que é visto como um Robin Hood e galã – incomoda o detetive George Moréas (Yvan Attal, divertido e preciso), que passa a persegui-lo.
Além de Drago, Bruno conta com Patrick (David Murgia) e especialmente Steve (Radivoje Bukvic), conseguindo fugir espetacularmente mesmo quando é finalmente preso. E mais de uma vez. A pena é que tudo parece um especial de baixo orçamento de uma série de TV, perdendo a grandiosidade e absurdo que Bruno fez.

Na biografia de Bruno, a parte mais misteriosa é a de sua morte. Oficialmente, ele pulou da janela fugindo, ficou em coma e morreu aos 29 anos. Mélanie segue a versão da família dele, a de que ele estava tentando fugir, mas foi traído pelas pessoas que estavam ajudando, foi descoberto e agredido, finalmente tendo sido jogado da janela para sua morte.
É muito bom ver como Lucas Bravo está confortável no papel menos comportado do estamos acostumados a vê-lo na série da Netflix. Se Livre (Freedom) não é perfeito, não é por sua culpa. O filme é divertido e vale conferir. Sem grandes preocupações, claro.
Sobre o ‘verdadeiro’ Bruno
Enquanto Mélanie tomou certas liberdades em transformar a vida de Bruno em uma história de liberdade e de amor, aqui vão os fatos sobre o ‘fora-da-lei’ francês:
Como rapidamente mencionado em Livre (Freedom), Bruno ingressou no exército com 20 anos, em 1976, usando o nome de “Bernard Suchon” e fez parte dos pára-quedistas na Córsega. Dois anos depois, mesmo sem autorização, deixou o quartel durante um fim de semana para ir ver a família. Ele alegou que pensou que a sua ausência não seria notada, mas para sua falta de sorte, no mesmo dia o regimento foi mobilizado e enviado um ataque no exterior e por estar ausente foi considerado desertor. Fora do exército, passou a assaltar supermercados, ganhando fama por ser sempre educado e charmoso.
O método era o mesmo até o fim: sem violência, algemavam os funcionários enquanto roubavam. Antes de sair, apagavam ou levavam o filme da câmera de vigilância e fugiam a pé ou de carro.
Quando foi preso pela primeira vez seria por sua deserção pois até ali, a polícia não o associava ao bandido dos supermercados. Só que na revista seu carro, a polícia descobriu no porta-malas uma grande quantidade de notas e cheques, além de armas utilizadas nos assaltos. Como vimos no filme, ele escapou da prisão serrando as barras de sua cela. Não satisfeito, ele voltou apenas para libertar outro preso preso em Montpellier, Jean-Louis Segreto. A polícia, portanto, feita de tola duas vezes, ganhou ódio de Bruno.
Apenas dois anos depois ele voltou a ser preso, em Paris. A essa altura, assaltava joalherias. Ele foi julgado por ajudar a Segreto escapar, ao lado de seu parceiro Dragan Rančić e da namorada, Thalie. Embora condenado a 3 anos, mais uma vez Bruno aproveitou uma oportunidade para fugir. E de novo, a polícia se aborreceu pois ele estava sob a guarda de cinco gendarmes e dois cúmplices armados os neutralizaram e fugiram.
Um de seus roubos mais famosos – também no filme – foi uma das últimas vezes que Bruno esteve em liberdade. Ele assaltou joalheria da Cartier, na Croisette em Cannes, fantasiado como tenista. Quem o ajudou foi Novica Zivkovic, conhecido como “Le Yougo” e melhor amigo de Bruno.
Conhecido por “Steve”, Zivkovic foi guarda-costas do ator Jean-Paul Belmondo e campeão francês de boxe na categoria peso pesado, fazendo inclusive uma ponta como um agente secreto da polícia no filme O Profissional, um dos grandes sucessos de Belmondo. Para piorar, e Livre mudou a ordem dos fatos, na época Steve já era procurado pela polícia, aparece em várias cenas e usa um relógio de ouro roubado.
A mídia se apaixonou por Bruno e seus comparsas, ao ponto que a Cartier teria comentado que o assalto à uma de suas lojas foi um marketing inverso, colocando a marca da joalheria na mente das pessoas para sempre.
A vida sem consequências de Bruno o levaram a ser apelidado de “Arsène Lupin das joalherias” ou “o campeão do roubo” porque tinha coragem ousadia e não machucava ninguém. Mas sua arrogância foi tornando um alvo de ódio da polícia. Sim, como mostra o filme, no meio de um dos assaltos ele parou para ligar para o detetive que o perseguia.
Há várias histórias que alimentaram o mito de “ladrão cavalheiro”: durante um assalto, ao ver que um cliente estava experimentando um anel, em vez de levá-lo junto com o resto do saque, colocou o anel no dedo da pessoa sorrindo. Há também o relato de que ao encontrar uma moradora de rua na escadaria do metrô, deu a ela um buquê de violetas e 10 mil francos para ajudá-la.
Dinheiro não parecia ser o que o movia, como Livre (Freedom) sugere: depois dos assaltos, Bruno devolvia as jóias roubadas com acordos com as companhias de seguros, pela metade do reembolso.
O erro fatal que levou Bruno à derradeira e fatal prisão foi quando pela primeira vez o assalto deu errado e ele foi “forçado” a fazer um refém, ameaçando a polícia com uma granada. Na época, planejava vir para o Rio de Janeiro, no Brasil, mas foi preso quando cruzava a fronteira da França (no filme, para Itália, na verdade, para Espanha).
Bruno foi parado porque identificaram o carro roubado, e não ele. Mais uma vez atrás das grades, tinha planejado uma fuga de helicóptero, mas Steve foi morto em um tiroteio quando o plano foi descoberto. Curiosamente, Mélanie mudou essa cena literalmente cinematográfica pois os relatos foram de que ele foi morto a tiros perto do helicóptero exatamente como o personagem de Jean-Paul Belmondo no filme O Profissional, no qual fez uma ponta.
Sem ter o comparsa para ajudá-lo, Bruno foi condenado a 9 anos de prisão e estava cumprindo sua pena no centro de detenção Fleury-Mérogis. Na madrugada de 18 de março de 1985, tentou fugir com a cumplicidade do vice-diretor e de um supervisor. Ele conseguiu sair da cela e chegar a um prédio administrativo, não muito longe da saída, mas algo deu errado e foi visto. Oficialmente ele tentou escapar pulando uma janela do segundo andar. Sua família contesta essa versão.
Bruno ficou em coma por 10 dias, antes de morrer com apenas 29 anos. Os graves ferimentos de seu corpo sugerem que ele foi espancado antes da morte e por isso sua família contesta a versão de queda intencional e insiste que Bruno foi traído (ou descoberto) e assassinado por policiais, que jogaram seu corpo da janela.
Anos depois de ter sido enterrado em Paris, a família exumou o corpo e cremou os restos mortais, mas a lenda que os franceses mantiveram por anos foi que ele foi enterrado em uma vala comum sem identificação.
Como vemos, havia muito mais a explorar em Livre (Freedom), mas, em geral, o que vemos é ainda fascinante.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
