Reflexões Profundas sobre Vida e Morte em Beleza Oculta

Texto feito para o curso do IBCP

O filme Beleza Oculta (Collateral Beauty) reuniu um elenco de estrelas (Will Smith, Edward Norton, Kate Winslet, Keira Knightgley e Helen Mirren, entre outros) em uma história sobre temas profundos e universais: luto, a dor e a resiliência. Naquela época, a cinco anos da Pandemia da Covid-19, ninguém desconfiaria da atualidade e necessidade de refletir sobre Vida, Morte e Tempo de uma forma direta, porém poética.

A história original de Allan Loeb começou a ser trabalhada dois anos antes, sendo que um primeiro elenco foi anunciado em 2015 (Hugh Jackman e Rooney Mara seriam as estrelas) até que conseguisse fechar com os atores que vemos nas telas, um ano depois. Para Loeb, era importante contar a história de alguém que passou por uma perda terrível e ficou com raiva, destruído e por isso escreveu cartas ao Universo em um desabafo profundo.

E é isso, acompanhamos um feliz e motivado Howard (Will Smith) inspirando a equipe apenas para voltarmos imediatamente à ele um ano depois, isolado, arrasado e em profunda depressão. A causa foi a morte de sua filha de seis anos, e em seu luto, ele escreve cartas para conceitos abstratos — Amor, Tempo e Morte — algo que assusta seus amigos e sócios. Com a corda no pescoço, eles precisam resolver problemas de negócios e, como são criativos, decidem contratar atores para que eles possam dar respostas personificadas de cada elemento à Howard. A proposta desesperada é porque como a intervensão não resolveu, nem o grupo de terapia, radicalizar é a alternativa que resta.

Como sempre em um aboa história, o caminho de rendenção não é apenas do herói e aqui temos o que inglês é ensemble cast, com várias tramas interligadas construindo a narrativa como um todo. Cada um tem um problema a resolver, mesmo que inconscientemente e “coincidentemente” são responsáveis pelo tema que em tese é sobre Howard apenas. Em tese.

A história segue uma linha racional interessante para explorar o processo do luto e suas fases. Segundo Elisabeth Kübler-Ross, são cinco estágios: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. O tempo em cada um depende da pessoa e aqui, Howard está ainda preso nos dois primeiros, incapaz de reunir forças para passar pelos outros três. Essa apatia em relação à vida não é nociva apenas para ele, mas justamente os amigos que também são confrontados com suas questões.

A proposta anticonvencional de manipular a noção realidade de Howard funciona aqui por ser ficção, falta o aviso do “não tentem isso em casa”. O que o filme acerta é que, para avançar no luto, é necessário que Howard confronte seus sentimentos por meio de diálogo interno ou externo, sendo que no extreno ele conhece pessoalmente os arquétipos psicológicos para os quais mandou as cartas e que tinha bloqueado em sua vida.

Fechado ao afeto, parado no passado sem capacidade de vislumbrar um futuro e revoltado com a inevitabilidade da morte, viajamos com Howard e seus amigos na reflexão sobre as dores em tempos de crise emocional.

Assim como a série da Apple Tv Plus, Falando a Real (Shrinking), vejo com certa preocupação quando Hollywood aplica conceitos delicados para criar uma história fantasiosa. Em Falando a Real, o terapeuta viúvo, também tentando superar o luto, resolve interferir diretamente na vida dos pacientes para alcançar uma “mudança” imediata, com resultados cômicos mas perigosamente antiéticos. Me pareceu a mesma coisa em Beleza Colateral, mas, pela proposta, me deixei levar. O ideal era ressaltar ainda mais a importância do suporte social em momentos de luto, mas não teria uma história de final feliz em 1h30 se não fossem tomar “liberdades”.

Sob a ótica de Freud, que também dedicou parte de seus estudos no processo de luto, esse período “ocorre quando o ego precisa aceitar a perda de um objeto amado” e ele obviamente difere de indivíduo para indivíduo. Ainda segundo ele, a melancolia natural desse processo “é uma reação patológica, em que o ego se identifica com o objeto perdido, internalizando-o de maneira destrutiva”, e é o que vemos com Howard, incapaz de quebrar o ciclo de dor, compulsivamente revivendo a dor, frequentemente arriscando a própria vida.

Sem aceitar a morte de sua filha, de apenas 6 anos, está preso inconsciente no trauma, se alimentando da dor. As cartas simbolizam seu mecanismo de defesa tentanto expor o que não consegue processar internamente, criando uma ponte entre o consciente e o inconsciente.

Na primeira cena, vemos como Howard conhecia muito bem a alma humana citando justamente os arquétipos universais como mola de consumo (ele é publicitário) e é uma metalinguagem do que o filme A Beleza Oculta se propõe também.

Também podemos ver que os amigos de Howard, no processo psicanalítico, protagonizam Transferência e Contratransferência, que é a projeção de seus próprios problemas e conflitos inconscientes em outra pessoa ou objeto, no caso tanto em Howard como nos atores contratados.

Na conclusão, positiva para todos, Howard parece estar se dirigindo para um processo de sublimação (“a capacidade de transformar pulsões em realizações culturalmente ou emocionalmente significativas”), se reconectando com a ex-mulher e saindo da clausura.

E o título, que traduzido ressalta a proposta de ver “Beleza na Dor”, se fosse literalmente, era tratar a perda e a dor como efeitos colaterais da vida e da evolução, com sua beleza na superação. Porque traumas são inevitáveis, mas podem nos transformar positivamente, passando pela dolorosa aceitação de fim e recomeço dando sentido à vida. Com a inevitável sugestão de que, no final das contas, não há atores, mas todos nós estamos no mesmo teatro da vida.


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