Para quem não acompanha esporte, menos ainda futebol americano, o nome de Aaron Hernandez era familiar apenas pelo noticiário criminal, e, talvez nem mesmo assim. Distante seria a palavra. Mas, em 2020, o documentário da Netflix, The Killer Inside: The Mind of Aaron Hernandez, mudou essa perspectiva. Para os americanos, o caso de Hernandez foi uma nova versão de O. J. Simpson, mas para nós estrangeiros a associação é mais recente. Seja como for, depois do sucesso de American Sports Story: The People Vs O.J. Simpson, era mais do que óbvio que Ryan Murphy se voltaria para a história. O anúncio foi feito em 2021, mas só chegou ao ar em 2024.

O jovem promissor com um pé no submundo do crime
Para latinos que acompanhal futebol (o verdadeiro), a triste trajetória de Hernandez não é exatamente ‘novidade’, há histórias e mais histórias de talentos que acabam suas carreiras por não conseguirem se afastar do crime, mas porque reúne tantas reviravoltas e é tão triste em todos os aspectos que também é tão marcante.
Aaron Hernandez foi um jogador de futebol americano que tinha um potencial de virar lenda na National Football League (NFL), e jogava New England Patriots, ao lado de Tom Brady. No entanto, sua vida pessoal tomou um rumo trágico quando ele foi preso em 2013, acusado de homicídio. O choque do atleta estar envolvido no escândalo era surpreendente, mas, ao mesmo tempo, ele tinha um histórico de violência e brigas em bares e até no vestiário. Mas ninguém esperava que estivesse envolvido em assassinato.
Em 2015, ele foi condenado pela morte de Odin Lloyd, um ex-jogador de futebol que namorava a futura cunhada de Hernandez. Mas, ao mesmo tempo, ele foi ligado a outro assassinato, agora duplo, que aconteceu anos antes em Boston, assim como a tentativa de assassinar um amigo. Em meio às acusações, foi revelado um passado de abuso sexual, drogas, homossexualidade e problemas neurológicos. Ele acabou se suicidando em abril de 2017 enquanto estava na prisão, quando todos achavam que conseguisse liberdade em poucos anos.
Seu caso atraiu muita atenção da mídia e levantou discussões sobre saúde mental, o impacto da violência e os efeitos das lesões cerebrais em atletas.
A assinatura de Murphy mais vez fazendo a diferença
Eu diria que American Sports Story: Aaron Hernandez é o que Monsters: The Lyle and Erick Menendez Story não é: respeitoso, mas honesto, sensível e emocionante. A polêmica em torno dos Menendez é que ainda hoje, quase 30 anos depois de terem matado brutalmente os pais, Lyle e Erick demandam que tenhamos pena deles e quase dando apoio para terem planejado e executado um crime violento. Aqui é mais desafiador: temos empatia e simpatia por Aaron, mas quando ele erra, não há como “perdoá-lo”.

Embora o documentário da Netflix tenha sido tão impactante, Ryan Murphy se baseou no podcast do Boston Globe, Gladiator: Aaron Hernandez and Football Inc. para mostrar a ascensão e queda do atleta. Isso faz muita diferença porque o documentário usou como twists a ordem cronológica de como as notícias foram dadas – na ordem inversa dos fatos – e a série, que parte do pressuposto que a gente conheça o drama, vai construindo na ordem cronológica, o que torna humaniza as personagens e nos envolve no espiral trágico de Hernandez.
Há os relacionamentos com outros homens que ele teria tentado omitir, assim como seu trauma de abuso na infância e a questão de que a ETC desempenhou um papel importante. ETC, ou encefalopatia traumática crônica, é uma doença cerebral progressiva e degenerativa que pode se desenvolver após concussões repetidas ou ferimentos na cabeça e o estudo do cérebro de Hernandez comprovou, após a sua morte, que ele estava em estágio avançado da doença após contusões jogando. A defesa de sua família é que ao afetar a parte do cérebro que toma decisões, poderia ter contribuído para sua paranoia e atitudes que custaram as vidas de três pessoas e feriu uma quarta. Além disso, a série propõe um conjunto de outras questões em paralelo.
A série: boas atuações e carinho com Hernandez
Em 10 episódios, conhecemos a juventude, a família disfuncional e os segredos de Hernandez, mas os que a família segue negando. Interpretado por um ótimo Josh Rivera, de West Side Story, a versão que Murphy nos apresenta de Hernandez é a de um atleta problemático desde sempre, abusando de drogas e álcool, alimentado por frustrações, traumas e uma família problemática e, principalmente, medo de que sua verdadeira sexualidade fosse tornada pública.

O relacionamento dele com Shayanna Jenkins (Jaylen Barron) que ele conheceu na escola e que veio a ser a mãe de sua filha, é a fachada perfeita para esconder que é gay. E esse segredo é sempre o gatilho para sua versão mais violenta e paranoica. Infelizmente para ele também, é o atalho para a tragédia.
No final das contas, a série é uma reflexão profunda sobre as complexidades da vida de um atleta com todo potencial, mas cuja grandeza esportiva foi eclipsada por uma espiral de violência e tragédias pessoais. Temas como saúde mental, identidade e os efeitos devastadores de lesões cerebrais são costurados com precisão. Através de uma narrativa sensível e honesta, somos levados a compreender as múltiplas camadas da vida de Hernandez, despertando empatia, mas também o questionamento sobre as consequências de suas escolhas. Assim, a história de Aaron Hernandez serve como um alerta sobre a fragilidade da fama e o peso que segredos e traumas podem ter na vida de um indivíduo, fazendo-nos refletir sobre as complexidades que moldam o ser humano, tanto dentro quanto fora dos holofotes.
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