Por Que ‘Falando a Real’ Falha na Psicanálise

Há uma coisa que o paciente aprende rapidamente quando começa o processo psicanalítico é que na terapia não há atalhos. É um processo lento, doloroso e às vezes sem resultados imediatos, ainda que válido. Portanto, tudo que Jimmy (Jason Segel) se propõe ou se mete a fazer é minimamente criminoso. Como nem nos faz rir, é ofensivo.

Desde a primeira temporada acompanhamos sua jornada pessoal e profissional, ambas em pedaços. Jimmy, que tem uma filha adolescente, ficou viúvo depois que um motorista bêbado provocou um acidente que tirou a vida de sua esposa. No seu processo de luto, um depressivo e desequilibrado Jimmy (Segel), que é analista em uma clínica, se entrega às drogas, bebidas e sexo com prostitutas. tudo em casa, com a filha de testemunha. Inacreditavelmente ele não perdeu nem a guarda nem a licença profissional, continuou trabalhando nesse estado e decidiu que estava de saco cheio de aconselhar os pacientes e vê-los repetindo todos os erros. Resolve “inovar” não apenas se metendo na cabeça deles, como interferindo nas suas vidas. Com a ética profissional inexistente, não poupo seu chefe, Paul (Ford) que não demitiu ou denunciou para que fosse preso. Ele também passa por problemas pessoais, mas esses sim, são mais contextualizados.


O pior dos problemas de Falando a Real (Shrinking) nem é a extrema falta de ética e respeito quanto ao processo da psicanálise, que é sério e comprometido com a saúde mental do paciente, mas querer ser Ted Lasso. Dá pra entender porque a equipe dos bastidores é quase a mesma, mas a química de Ted Lasso e seu fenômeno estava na perfeita empatia do protagonista, algo que nem em um elenco que conte com Harrison Ford consegue resolver. Isso inclui o fato de que, embora Ted usasse de métodos e iniciativas “criativas” saídas de livros de auto-ajuda, ele é o primeiro a respeitar e incentivar seu time a fazer terapia com uma profissional.

Sei que estou um disco arranhado há anos com esse ponto, mas ele impede que Falando a Real (Shrinking) seja razoável. Porque o que sobra é um desfile de clichês: o casal gay que pensa repetir Jack de Will & Grace e a mulher de 30 sexualmente independente que deixa passar o cara certo porque é tão neurótica que só se encanta com o homem errado. Claro, tem a vizinha neurótica com o marido caladão que é gente boa sem esquecer da adolescente em crise existencial. Todos com material perfeito para terapia, mas nenhum remotamente original ou interessante. Ainda assim, a série acumula indicações a prêmios. Não entendo. A minha chateação é ainda maior porque em Ted Lasso todo drama foi tratado com sensibilidade e precisão, por isso a série foi um fenômeno cultural.

Enfim, chegando ao fim da segunda temporada, há sinais de que os roteiristas entenderam as armadilhas que criaram. Jimmy voltou ao método tradicional e se esforça para não mais criar vínculos ou problemas para si mesmo ou seus pacientes, porém ao esbarrar com o homem que provocou o acidente de sua esposa (Brett Goldstein, um dos roteiristas e estrelas de Ted Lasso) ele volta à estaca zero. Perdoar é algo complexo, ainda mais se está em crise e esse drama é paradoxalmente o melhor da série. Mas o confronto funciona para um gatilho extremamente perigoso, um que pode levar Jimmy de volta ao fundo do poço.

“Você não pode se esconder do seu trauma. Se você não lidar com o seu passado…. [barulho de explosão]”, alerta Paul, num papel de amigo e terapeuta. Foi a primeira vez que a série – finalmente – tocou com seriedade o que deveria ser o drama escondido da série, como era em Ted Lasso. E assim, há potencial de que a história possa se encaminhar para uma jornada de descobertas positivas.

Falando a Real (Shrinking) tem mais uma temporada à frente e deve ser a última de Harrison no elenco (o que vai tirar 80% do apelo). Isso porque Paul, um terapeuta cheio de problemas pessoais (que ficam fora da clínica, onde devem ficar) está lidando com um drama de saúde incurável: ele tem Parkinson em estágio avançado, vai perder não apenas a movimentação física como a capacidade mental de cuidar de seus pacientes.

Ele, assim como Jimmy, vivia em negação, mas tem se submetido a tratamento, o que não muda o diagnóstico. Para piorar, no jogo duplo do título do episódio, “As Drogas Não Funcionam”. No caso de Paul, os remédios e no de Jimmy, literalmente entorpecentes. Ambos estão confrontados com verdades duras, mas Paul ainda pode ajudar Jimmy antes de perder sua luta contra o inevitável. Fosse em Ted Lasso, estaríamos em lágrimas, mas aqui estamos apenas aliviados. Se fizer a curva certa, pode ser que eu revise o tratamento que dou à série. Por hora estou feliz de encarar apenas um último episódio.


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