O Conclave: Entre Poder, Moralidade e Cinema

Em 2005, o escritor Robert Harris ficou impressionando com o sistema de eleição papal, que o lembrava o sistema do Senado Romano. Na época, o Papa João Paulo II tinha falecido e o conclave histórico que se seguiu elegeu o Papa Bento XVI, e Harris pensou que renderia uma boa história de ficção.

Mal sabia ele, ou o mundo, que apenas 8 anos depois haveria um novo conclave graças à renúncia de Bento XVI e que um papa sula-americano seria o eleito: Papa Francisco. Com a visão pública do processo interno do conclave através da mídia, o escritor que estava escrevendo sua Trilogia de Cícero retomou a idéia que teve ainda em 2005 e assim, em 2016, publicou O Conclave.

A história com grandes reviravoltas nos bastidores políticos do Vaticano fez sucesso e, em 2024, chegou aos cinemas com Ralph Fiennes liderando o elenco e despontando como um dos grandes favoritos do Oscar. Ele é o Cardeal Lawrence (no livro, Lomeli) que é o personagem principal e presidente do conclave, designado para supervisionaro processo de eleição do novo Papa. Embora seja experiente e respeitado, está passando por uma crise de fé. É ele quem desvenda os mistérios por trás da morte do Papa anterior e assegura que o novo seja eleito de forma justa e transparente.

Fiennes sempre foi considerado um dos grandes atores do teatro e do cinema nos últimos 30 anos, e, falar de uma grande atuação sua é meio óbvio. Assim como em O Jardineiro Fiel, onde ele deu um show, em O Conclave o ator mescla uma interpretação suave, mas intensa e seu carisma torna toda trama crível. A máxima de que parece fácil, mas é ainda mais difícil, se aplica aqui porque as falhas do Cardeal acusado de ambição, mas que ostensivamente quer acertar, é uma nova e incrível oportunidade para Hollywood finalmente reconhecer o talento de Ralph Fiennes com um Oscar.

Transformar uma conversa de política e religião em um thriller é que é o grande mérito de O Conclave, que tem uma estonteante fotografia e um roteiro com ótimas surpresas e reviravoltas. As questões políticas e sociais que afetam a Igreja Católica, incluindo a luta pela preservação do poder, a moralidade e as questões econômicas ganham nova perspectiva, afinal, o desfecho depende da escolha do novo Papa, que pode mudar a direção da Igreja Católica.

Nas mãos de Edward Berger cujo Nada de Novo no Front fez tanto sucesso há dois anos, O Conclave é mais uma grande obra que nos deixa adivinhando e encantado ao mesmo tempo. Ainda mais que o roteiro é assinado pelo grande Peter Straughan, que coescreveu a excelente versão de 2011 de Tinker Tailor Soldier Spy de John le Carré. Fiel ao livro, percebemos todas as angústias e pensamentos dos personagens mesmo sem diálogos, mas com a naturalidade inegável que os diálogos navegam, mesmo que seja na complexidade da Igreja Católica.

Além de Fiennes e sua sutileza, Stanley Tucci, e John Lithgow, estão espetaculares, em um elenco que é todo maravilhoso. Quando a verdadeira surpresa da história vem à tona é impossível não ficar de queixo caído.

Por isso o sucesso de O Conclave, tanto no papel quanto na tela, não se resume apenas à intriga e suspense de seu enredo, mas também à maneira como ele nos força a refletir sobre os mecanismos de poder, fé e moralidade que transcendem a Igreja Católica. Em tempos em que as instituições tradicionais são desafiadas por questões sociais e políticas, o filme nos convida a ponderar sobre o papel das crenças e dos interesses humanos na construção do futuro. A experiência imersiva que vai além da simples escolha de um Papa — é uma exploração das forças invisíveis que moldam as decisões mais poderosas do mundo. Ao final, O Conclave não só nos entretém com suas reviravoltas e performances excepcionais, mas também nos deixa uma importante pergunta: até onde as instituições são realmente transparentes, e como o poder pode ser manipulado em nome de algo maior? O mistério do conclave, mais do que uma eleição papal, é, talvez, um reflexo de nossa busca por respostas e direção em tempos de crise.


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